por:
Lucia Malla
Ecologia & meio ambiente, Ilhas, Kiribati, Micronésia, Mudanças climáticas, Oceanos, Viagens
Publicado
17/03/2012
Na viagem que fizemos em dezembro, nosso vôo Honolulu – Nadi (Fiji) tinha uma escala inusitada em Christmas Island, Kiribati. (Também conhecida como Kiritimati, que é a “kiribação” da mesma palavra em inglês).

Um coração salgado na geografia de Kiritimati.
Tal escala não estava especificada em nossas passagens. De modo que foi uma agradável surpresa quando chegamos ao aeroporto e descobrimos que pararíamos por lá, mesmo que fosse por apenas poucas horinhas.

Aeroporto Internacional de Cassidy, no distrito de Banana, Christmas Island. Atentem para o VIP Lounge à direita. 😀
No vôo, muitos surfistas veteranos. Um deles se sentou ao meu lado. “I’m a man with a van”, me contou poeticamente sua filosofia de vida. Perguntei a ele a razão de tantos surfistas naquele vôo específico. O californiano parafinado me explicou. Eis que um swell enorme batera no North Shore do Havaí no dia anterior. E o mesmo swell chegaria no dia seguinte em Christmas Island. De modo que ele e os amigos, que passavam a temporada em Pipeline, decidiram ir atrás dessas ondas em shores menos explorados.
Sobre Kiribati
Christmas Island faz parte do país chamado Kiribati (fala-se kiribás, mais uma vez a kiribação da palavra Gilbert, que era como o país era conhecido – Ilhas Gilbert). Praticamente desconhecida, Kiribati é uma das maiores nações-ilhéus do Pacífico. Com mais de 3.5 milhões de quilômetros quadrados de área tropical, é quase metade do tamanho do Brasil. Mas, desse território todo, apenas 811 km quadrados são terra. O resto é tudo o mais azul-profundo mar que você pode imaginar.
Kiribati é tão espalhado que a população que vive em Christmas Island pouco se identifica com os que vivem em Tarawa, a densa capital no extremo oeste do país. De acordo com o livro do Ellis, em Tarawa as coisas rapidamente se resolvem na faca. Afinal, o povo de Tarawa era (e ele sugere que ainda seria) canibal. De Christmas, ouve-se o oposto: seriam o povo mais pacífico do Pacífico. Seriam com quem poderíamos tanto aprender sobre amabilidade em sociedade.
Algumas horas depois, da janelinha do avião, vejo enfim um pontinho de terra começando a crescer no horizonte azul. É Christmas. E confesso: naquele momento, jamais imaginaria o que o país me reservava.
Primeira razão: os lagos hipersalinos
Kiribati é formado por 32 atóis. Christmas é um deles, curiosamente o maior em extensão de terra do planeta. São ~320 km quadrados, quase metade ds terras do país inteiro. Sua laguna também é enorme. Dentro dela, entretanto, ocupando quase 1/4 da área da ilha, uma das paisagens aéreas mais lindas que já vi na vida. Centenas de lagos de diversas cores. Uma espécie de Lençóis Maranhenses versão atol.
Eu, que sou apaixonada declarada pelos Lençóis e mais ainda pelo mar, caí de amores imediatos pelos “Lençóis” de Christmas. Porque são salgados.
E põe salgado nisso. Há inúmeros lagos coloridos, hipersalinos por conta da forte evaporação que concentra o sal da água do mar que os forma dentro de certas áreas da laguna. Estes lagos extremos estão cobertos de cianobactérias fixadoras de carbono dos gêneros Aphanocapsa e Aphanothece, que dão as cores inacreditáveis que a gente vê de cima. Habita ali também uma espécie introduzida de camarão (Artemia salina) que só vive em lagos salgados (mas não no mar). Além de algumas poucas espécies de peixe. Uma das maiores colônias de pássaros do Pacífico faz de Christmas sua parada. Um ambiente bastante peculiar e único, enfim.
Lindo de se ver. Mas que só tive a oportunidade de apreciar de cima, durante o pouso e a decolagem no minúsculo aeroporto internacional de Cassidy (CXI). E esta é a primeira razão pela qual quero voltar a Kiribati: para andar e sentir de perto esses Lençóis salgados do Pacífico.
Segunda razão: o paraíso ameaçado
Lençóis e ilha que estão infelizmente ameaçados de desaparecer. Pela pouca altitude do país inteiro, Kiribati já pensa em realocar sua população inteira pra Fiji. Serão refugiados ambientais. Vítimas do aumento gradual do nível dos mares que já acontece em diversas áreas do planeta, principalmente nos países-ilhéus. Situação fruto daqueles problemas que todos já estamos carecas de saber quais são. E esta é, portanto, a segunda razão pela qual quero voltar a Kiribati: porque o país vai desaparecer.
Toda essa jóia biológica, geológica, físico-química, ecoturística pode estar debaixo d’água em questão de décadas. Nossos netos podem não ter mais a chance de ver Kiribati nem os Lençóis de Christmas. Apesar do intenso engajamento do presidente em tentar achar uma solução pro problema. Mas pouco se progride. A seguir o atual andar da carruagem, o país está fadado literalmente ao fundo, não do poço, mas do mar.
E sua população de refugiados do clima, com suas tradições, língua, costumes e sabedoria, se dispersará por outras pairagens do planeta. Impossível prever como a adaptação a tal nova realidade se fará. Que acontecerá, mas que certamente não será desprovida da tristeza de perder a terra/mar da sua ancestralidade micronésia.
Terceira razão: a experiência kiribati
E nasce aí a terceira razão pela qual eu quero voltar a Kiribati. Para conhecer seu povo e poder compartilhar um pouco das suas emoções. Uma risada, uma lágrima, um suspiro doce que seja. Em primeira mão, sem o filtro da imparcialidade jornalística. Dando nomes e rostos devidos à angústia pré-mudança rumo ao desconhecido que a cada dia mais se avoluma silenciosamente no peito de cada um. Antes do fim da rotina pacata como eles a conhecem, ao som do vento e ao ritmo das marés.
Enquanto essa visita não vem, olhando pela janela do avião, Kiritimati é puro sonho de até breve.
Tudo de bom sempre.
Para viajar mais um pouco por Christmas
- Importante não confundir Christmas Island de Kiribati no Oceano Pacífico, com Christmas Island da Austrália, no Oceano Índico, que é onde ocorre a migração alucinada dos caranguejos vermelhos. Em comum, ambas ilhas tropicais; e ambas um sonho malla.
- Curiosidade: a principal cidade vila de Christmas Island se chama London. Ao lado, fica a cidade abandonada de Paris. E ainda dizem que os britânicos não têm senso de humor aguçado, afinal… 😀
- Kiritimati foi ponto de testes nucleares dos britânicos entre 1957 e 1958, na chamada Operação Grapple. Nove bombas atômicas explodiram sobre a ilha e vizinhanças. No artigo linkado acima, nada é mencionado sobre a população que ali habitava. Mas aqui há um relato incluindo um pouco do que as pessoas de Christmas sentiram durante as explosões.
- Há apenas um hotel bem simples em Christmas Island. Entretanto, é fácil se hospedar na casa dos ilhéus. Foi o que me disse um morador local, que sentou ao meu lado no vôo de volta de Fiji. Nesta reportagem da Surfline, Sean J. Cole dá o nome de um outro morador local que faz o transporte de barco aos picos de surfe, points de mergulho e snorkel. O mesmo morador ainda te oferece comida e casa pra ficar.
- Parece que há um surf camp no estilo do de Pohnpei em Christmas Island, chamado Christmas Island Surf Resort. Em suma, o website deles é bacaninha e tem umas fotos de onda de arrepiar.
- A Fiji Airways (antiga Air Pacific) voa uma vez por semana para Christmas Island, saindo de Honolulu ou de Nadi (é um vôo que faz escala em Christmas). Portanto, se quiser visitar a ilha, precisa ficar pelo menos uma semana. Bom planejamento – e feliz isolamento! 🙂