Não ando muito animada para comentar política exterior em geral, muito menos as eleições americanas – prefiro ler os diversos blogs competentes dos amigos que vêm fazendo coberturas e análises ótimas de tudo que se passa pela campanha na terra do tio Sam. Mas também não consigo me abster totalmente do assunto, já que qualquer ser humano com 2 neurônios funcionais pôde perceber nos últimos 8 anos o quão importante é a figura do presidente americano para a (des)ordem política mundial – e o quanto essa figura simbólica influencia direta ou indiretamente vidas alhures, independente se você mora no Zimbábue, na Bolívia ou no Afeganistão.
Mas mesmo lendo apenas lateralmente as grandes discussões políticas atuais sobre Obama x McCain, não posso me ausentar de linhas e links sobre o tema que mais me interessa nessa bagunça toda, a política ambiental. Li com carinho as respostas de Obama no Science Debate 2008 (iniciativa de fazer inveja, aliás), e estou no aguardo das de McCain para todas as questões levantadas ali – será muita falta de estratégia da campanha dele se não responder às maiores organizações científicas americanas que estão representadas no debate.
Dado o que McCain já falou anteriormente sobre seus planos de governo para questões fundamentais de ciência e meio ambiente, não consigo imaginar em que dimensão vivem os republicanos em matéria de ecoconsciência. Porque é quase um universo paralelo das preocupações atuais.
Divergências ambientais
John McCain e Obama focam (com razão) boa parte de suas bases políticas ambientais na questão energética. Mas em minha opinião, McCain erra ao querer investir mais em energia nuclear e minimizar investimento em tecnologia para fontes de energia renováveis, mais limpos – Obama diz que só investirá em nuclear depois de se certificar de questões como o lixo radioativo e segurança das usinas. Precisa-se também analisar o gasto energético excessivo americano.
Como bem disse o João nos comentários desse post do Adilson, o que acontece nos países desenvolvidos não é apenas uso de energia, é desperdício em demasia. Uma das maneiras de diminuir esse desperdício, além de educando para um uso controlado, é aumentando a eficiência energética, e para isso, investimento em pesquisa e tecnologia mais condizente é fundamental. McCain também parece não relevar o gasto econômico que a escolha nuclear traz consigo. Numa economia em crise como a americana, é sempre bom lembrar desses detalhes numéricos.
Mas mesmo com a escolha energética controversa, McCain ainda possuía até algumas semanas uma postura moderada ok e um certo bom senso: pelo menos não delirava enxergava teoria conspiratória no aquecimento global. Mas aí, numa estratégia super-arriscada (e sagaz) para ganhar votos com a ala mais conservadora do partido, convidou para sua vice Sarah Palin, do Alaska, até anteontem uma pessoa que não acreditava que as atividades humanas poluidoras eram em grande parte responsáveis pelas mudanças climáticas – mesmo tendo uma cidade derretendo no quintal de seu estado.
O caso (perdido) Palin
Mas Palin mudou de idéia de repente sobre o aquecimento global. (Por que será, não?;) ) Sua escolha para vice não agradou os ambientalistas nem “patriotas verdes”, pois sua história “verde” tem mais tons de cinza que as nuvens do furacão Ike – e decoração animal, literalmente. A política ambiental republicana virou um caso peculiar do “concordar na discordância”.
Palin é atualmente governadora do Alaska, estado gelado localizado na região ártica, a mesma região que vem sofrendo com o degelo em ritmo acelerado. Seu mandato foi um festival de destruição ambiental. Seu apoio irrestrito (e ilegal) ao aumento das perfurações por petróleo é o reflexo claro de uma visão focada apenas no curto prazo. Desculpem os mais pragmáticos, mas a meu ver política bem feita tem que ser orientada para o longo prazo. Pode até haver projetos mais emergenciais, mas jamais se deve esquecer os resultados a longo prazo, que serão deixados para outras gerações. E ambiente é assunto a longo prazo por excelência – e mesmo o sendo, já tem gente pensando eficientemente em curto prazo.
Além de sua visão curta para a matriz energética (“oil forever!“), Palin ainda assinou como requerente um processo judicial pedindo para não incluir o urso polar na lista de animais ameaçados de extinção. Esta não-inclusão foi exatamente por causa das perfurações de petróleo, que seriam dificultadas segundo ela pela existência de uma espécie ameaçada e tão “emblemática”. (Ahn?)
O Alaska é único
O Alaska é um dos locais de ecossistema mais inóspitos e delicados existentes, cheio de biomas diferentes, todos relacionados às temperaturas gélidas: florestas boreais, oceanos frios, taiga, tundra, estuários, montanhas fascinantes – o belo e temido Denali está lá. É habitat natural de diversas espécies de seres vivos, entre elas grandes mamíferos como as baleias jubarte, belugas e lontras, todos ameaçados de extinção. Isso para não falar das plantas, fungos e da sua importante e rica área costeira.
Hoje em dia, entretanto, aparece em qualquer lista de “fadado ao desaparecimento em pouco tempo“. Porque infelizmente, o mesmo Alaska que tem essa diversidade de biomas gelados e que tem sofrido tão de perto os efeitos do aquecimento global, também é dono de jazidas substanciais de petróleo – a fonte energética preferida dos republicanos, que por sua vez é a facção política dominante no estado. Então o que vemos na política da região é uma tendência clara a fazer a balança pender muito mais para o lado do desenvolvimento econômico predatório a qualquer custo que pro lado da conservação e do desenvolvimento sustentável, das alternativas ecologicamente mais limpas.
Seria necessário para não perdermos a riqueza que o ecossistema saudável do Alaska representa e que vale mais que o petróleo de seu subsolo [link em pdf] que houvesse primordialmente vontade política para ler os dados já existentes e investir num plano elaborado de desenvolvimento sustentável, olhando para o ambiente com carinho e entendimento, incorporando o componente humano quando é possível fazê-lo, e não com desprezo e olhos de urubu faminto que avistaram carniça.

Quem vai defender o Alaska?
Mas, dado o pálido discurso de Sarah Palin e seu histórico ambiental cor de petróleo, cada vez que leio sobre ela, suas bizarrices de política verde e penso na hipótese de que ela possa vir a assumir cargo de tamanha importância no cenário mundial, uma mesma pergunta preocupante paira na minha cabeça: quem vai realmente defender o Alaska?
Tudo de bom (?) sempre.
Para refletir colateralmente
– A ONU quer fazer mudanças na forma como a política ambiental é administrada dentro da organização. As propostas são interessantes e centralizadoras, para que as diferentes agências conversem melhor entre si. Podem vir praticidades boas dessa proposta. Aguardemos.
– Uma clara análise sobre a visão de Sarah Palin nas questões ambientais e no ensino de ciências. Ah sim, não esqueçamos que ela está aberta ao ensino do criacionismo em salas de aula… De sentar e chorar.
– Das colunas sobre Sarah Palin que li nos últimos dias, essa do Guardian foi a que mais gostei, pelo tom contundente mais que adequado. 😀