Um dos comentários no site do IMDB (Internet Movie Database) sobre o filme “A Ilha” (The Island, 2005) tinha esse criativo título que coloquei aí em cima: Clonespotting. Achei o máximo a ligação das 2 idéias alucinantes, e resolvi transformá-lo descaradamente em título para esse post. Espero que o comentarista do IMDB não se chateie com o plágio, caso venha a saber.
Sou uma péssima cinemista – existe esse termo? Em geral, evito comentários sobre filmes porque tenho uma perspectiva meio estranha para a maioria deles. Além disso, tem gente muito mais competente por aí falando e analisando cinema melhor que eu. Não entendo nada de direção, produção, análise de luz e som, etc.
Gosto de “O Sétimo Selo” e de “Mensagem para você”, igualmente. Assisto, nada mais. Adoro uns filmes que todos detestam, e não gosto de nenhum filme de terror, por mais “clássico” que ele seja. História do cinema então, eu só dou furos. Tenho noção que um filme é entretenimento elaborado com precisão, mas em geral sou envolvida por ele, e choro, dou risadas e fantasio junto. Sou a verdadeira “pata” de Hollywood. Porque no fundo estou mais para documentários da National Geographic que para Harry Potter.
Sobre o filme A Ilha (The Island)
Enfim. Ontem fui assistir “A Ilha”, filme de Michael Bay – mesmo diretor de “Pearl Harbor” (que nunca assisti), de “Armageddon” e de “A Rocha” (eu gosto muito de “A Rocha”, aliás). Preciso comentar aqui sobre “A Ilha”, porque o filme me tocou muito. Fiquei horas pensando depois, discutindo com meu namorado, analisando, e cheguei a sonhar com trechos dele. O filme é bom. E fala de um assunto que relaciona-se ao mundo biológico e que está na moda: clonagem.
(ATENÇÃO: se você não gosta de saber trechos do filme antes de assisti-lo, pare por aqui! Abaixo eu comentarei algumas partes que podem estragar toda a surpresa caso você não tenha assistido.)
O que mais me impressionou nessa ficção científica foi a sólida e macabra perspectiva do “tudo por dinheiro” na sociedade do futuro de 2019 – aliás, já vivemos isso hoje, né? Esse tom de realidade próxima me assustou e me encantou. Os atores principais são competentes – eu particularmente adoro o Ewan McGregor, desde os tempos de “Trainspotting” (para mim, um grande filme. “Choose life” é uma daquelas frases que eu repito e repito.). Além de bom ator, largou tudo por um ano numa volta ao mundo de motocicleta com um amigo – que outro ator hollywoodiano enfrentaria tal aventura em nome do prazer pessoal de estar “on the road”? E Steve Buscemi para mim é genial, sempre.
(Em dado momento, o personagem de Buscemi fala: “Just ‘cause you wanna eat the burger, doesn’t mean you wanna meet the cow.” Traduzindo: “Só porque você quer comer o hambúguer não significa que você queira ver a vaca.” A frase pro contexto do filme é sensacional.)
Hollywood com ciência
Ewan dá a vida estéril que o filme requer ao seu personagem Lincoln Six-Echo, sem ser muito meloso. O filme é Hollywood – cenas de ação rápida meio trainspotting misturadas ao romance chavão – mas são os meandros do roteiro que para mim fizeram toda a diferença, não o roteiro geral em si. E a assustadora possível realidade.
Alguém diria: ““2001” quando foi lançado também retratava uma realidade que parecia possível; no entanto, a humanidade rumou para caminhos muito diferentes e aquele futuro não foi realidade”. Sim, é verdade, e quero acreditar que a idéia central de “The Island” – clonar humanos para reposição de órgãos, mantê-los num grande biotério como camundongos para pesquisa, tudo isso a um custo exorbitante, acessível apenas aos mais ricos – também terá o mesmo destino: ficção.
Entretanto, as recentes investidas do sul-coreano Dr. Hwang clonando cachorro (o próximo passo de acordo com o noticiário coreano é clonagem de tigres, para reposição de espécies ameaçadas de extinção, algo que soa extremamente benéfico para a humanidade, não?) aliada à quantidade de dinheiro que ele tem para investir nesses projetos de clonagem, me fazem acreditar que a ética humana está próxima de uma linha tênue no estilo que “The Island” nos oferece. Isso sem falar nas outras fronteiras científicas para produção de órgãos que já estão sendo testadas e analisadas.
Ética tênue
O assunto é complexo, e eu, bióloga, particularmente não vejo tão distante a possibilidade de termos órgãos, tecidos ou células criados em laboratório para reposição em pessoas que precisem – o transplante se tornaria uma arma mais poderosa que já é para a maioria das patologias. Penso que é a esperança, aliás, de muita gente, e só quem sofre de uma patologia crônica sabe o quanto esse avanço pode trazer melhoria na qualidade de vida.
Mas repito: a linha ética é muito tênue. O que nos garante que não iremos – em nome do bem da humanidade – manter pessoas em biotérios para reposição de órgãos? Já mantemos animais e embriões congelados. E já temos tecidos humanos para reposição em muitos casos. Mais um problema prático: essas pessoas, elas teriam direitos iguais aos cidadãos normais, ou seriam apenas cobaias em um grande empreendimento? Afinal, no filme, elas são meros produtos. Estariam sob as leis do consumidor ou sob as leis dos direitos humanos?
No filme, fica claro na parte hollywoodiana-vilanística que o dono da corporação produtora dos clones faz propaganda enganosa para seus clientes, dizendo que os mantém em estado vegetativo. Ok, isso é Hollywood, alguém tem que ser o vilão da história. Mas como saberemos se, na vida real futura, alguém extrapolará essa idéia? Se os produtos estiverem confinados a um laboratório, como descobrir a verdade? Se a existência desse laboratório tiver o apoio de políticos a quem interessam os lucros enormes gerados por esse mercado, os órgãos fiscalizadores saberão a verdade completa? O quão competente é a fiscalização? E as leis? No filme, o presidente dos EUA tem um clone lá – afinal, é uma questão de segurança manter um presidente-extra para casos de necessidade.
Filme A Ilha – dos sonhos manipulados
E o mais interessante de tudo é a engambelação do sonho. A “ilha” em si. A manipulação da memória das cobaias. A constante experimentação que é feita. O enganoso despertar do desejo de ir para “a ilha”, esse paraíso estéril que restou depois da ” grande contaminação”, o melhor engodo que alguém poderia ter pensado. (Teria sido inspirado no evento da “Grande Peste” que devastou a Europa há alguns séculos?)
O filme The Island levantou sérias questões. Mesmo sendo Hollywood, mesmo tendo explosões, perseguições típicas, romance chavão, mesmo sendo apenas “uma diversão”, mesmo depois de vários buracos de roteiro – ele ainda levanta questões interessantes, que valem a pena pensar e analisar, que o tornam um bom filme. Conclusões? Nenhuma. Por enquanto, só o tempo dirá se teremos nossa “ilha” ou não.
No momento, tudo não passa de mera ficção científica.
Tudo de bom sempre.
P.S.
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