No Dia da Terra, um mergulho no mar

por: Lucia Malla Cinema, Ecologia & meio ambiente, EUA, Oceanos, Política, Tubarões

Para celebrar o Dia da Terra em 2010, a Disney Nature lançou hoje o filmeOceans“. (Ano que vem serão os “African Cats”.) Ontem à noite houve uma sessão adiantada para uma platéia de membros da comunidade da Universidade do Havaí, e eu fui. Já há tempos estava ansiosa pelo lançamento, para ver o que a magia Disney conseguiria fazer com o tema dos Oceanos, minha paixão-mor. (Provavelmente um mergulho no mar, né…)

Cartaz de Oceans - Disney - mergulho no mar

O que achei de “Oceans”

Confesso que saí do cinema intrigada. “Oceans” é muito bom – mas eu sou suspeitíssima pra falar, porque amo o mar, e o filme só mostra isso o tempo todo, então pra mim foi ótimo. Mas me surpreendi MUITO, porque esperava algo completamente diferente da Disney. Principalmente porque também imaginei que este filme seria uma “resposta” da Disney Nature ao seu competidor Discovery Channel, que vem simplesmente arrasando quarteirões (pelo menos no universo de pessoas que me circunda) com a série “Life” – que é magnífica, diga-se de passagem. Mas “Oceans”, dentro da categoria “documentários de natureza”, é completamente diferente.

Muito vintage, segue a escola européia de produção: não é em high-def, não tem momentos de cair o queixo em câmera super-lenta, abusa dos tons de azul. Não há menção alguma a qualquer informação biológica ou científica, não há espaço para conteúdo formal. “Oceans” é um filme contemplativo. Começa com a questão quase filosófica de que “para conhecer o mar você tem que viver o mar“, e te faz mergulhar no oceano. Mas é mergulhar mesmo, porque tudo na experiência visual e sonora de cinema ali te leva a isso.

Visual e audição

No campo visual, a filmagem parece que não videoshopou nada: os tons de azul e ciano “lavados”, com pouco contraste, as cores brandas que são as que vemos de verdade ao mergulhar, a luz sempre contra você, gerando sombras e silhuetas com brilho… a sensação era de volta às origens, um filme cuja textura é de outra década, mas que funciona para a ambição de realmente te fazer mergulhar dentro dele. A preocupação estética suplanta a preocupação com qualquer outro conteúdo do filme: diversas cenas são belíssimas, parecidas tiradas de uma pintura de museu, tamanha beleza de enquadramento – mesmo quando as cores não estão realçadas, como os filmes modernos subaquáticos o fazem.

No campo da audição, diferente de “Life“, cuja trilha sonora foi milimetricamente elaborada para cada momento de cada animal, “Oceans” tem uma trilha branda e na maior parte do tempo, o que ouvimos é o som real dos oceanos, inclusive na parte sub – e não deixa de ser bizarro você ouvir o barulho real dos recifes de corais, dos peixinhos, da movimentação subaquática, o splash de uma baleia ou de um golfinho, estando dentro de uma sala de cinema. Imagino que os que nunca mergulharam vão achar estranha a “falta de som” (que é o som natural do mar embaixo da linha d’água), mas até isso é um convite à contemplação. Tudo é como se mergulhássemos de verdade no mar. Intrigante.

A narração é de Pierce Brosnan, uma escolha acertada, já que ele é um ativista pela causa do mar há muitos carnavais. Seu sotaque britânico imprime um ar sofisticado à narração filosófica. Quando mostra as agruras que o mar vem sofrendo, a maciez de sua voz deixa uma dualidade no ar: dependenmos do mar, então por que detonamos com ele? Eu gostei do tom.

Minha nota

Aliás, confesso, adorei o filme. Mas não acho que ele vá descer bem para a platéia americana, por exemplo. É um documentário de natureza contemplativo, reflexivo, sem cores berrantes nem peixes-palhaços sorridentes nem heróis e vilões, que é o que a platéia aqui gosta. Também é um filme de essência, que quer te levar a uma experiência audiovisual. É um filme europeu feito pela Disney – quando na vida pensei escrever tal antítese numa frase?

Tudo que eu queria fazer depois do filme era dar um mergulho no mar de verdade, ouvir o som da natureza in loco, me intoxicar com os tons de azul amarronzados. Só por ter despertado essa vontade, eu já recomendo. Mas tome um café antes, se não o Pierce Brosnan te põe pra dormir. 😛

Baleia jubarte

Em outro mergulho no mar, ontem o estado do Havaí passou uma lei que considero das mais importantes para a conservação dos tubarões. Agora é proibido consumir, comercializar, possuir e distribuir barbatanas de tubarão em território havaiano, inclusive na sua área oceânica. A lei foi extremamente criticada pelos donos de restaurante chineses (lógico!), que fizeram um lobby pesado tentando impedi-la de vingar. Do outro lado da batalha, os havaianos nativos brigavam para passar a lei, já que o tubarão é um animal sagrado em sua cultura, e matá-los deixava um ranço de revolta em muitos dos havaianos mais roots. E num terceiro lado, os que lutam pela conservação das espécies de tubarão. Da minha varanda, o que me deixa feliz é que o bom senso ambiental falou mais alto, e a lei passou.

Com esta lei, o Havaí se torna o primeiro estado da federação americana a proibir o consumo de barbatanas, o que é um bom referencial futuro. Abre-se um precedente importante para que outros estados possam começar a articular o mesmo tipo de legislação. Mas mais importante ainda, impede que o Havaí seja um hub legal do comércio de barbatanas, que era o que acontecia: muitas barbatanas coletadas pelo Pacífico passavam pelos portos do arquipélago e daqui eram redistribuídas pelo mundo. Agora, passa a ser ilegal tal atividade, e a pena para quem for pego burlando é multa e cadeia. Vale lembrar que apenas Maldivas e Palau são países que possuem legislação proibindo a pesca de tubarões. Sendo o Havaí parte dos EUA, pode ser que a repercussão e a pressão aumente para que a idéia de conservar estes animais se espalhe. Fingers crossed.

Tubarões de Galápagos - No Dia da Terra, um mergulho no mar

Sinceramente, no dia da Terra, esta foi a melhor notícia que a gente podia ter aqui. É um pequeno passo. Mas é assim que se começa uma longa caminhada, não é mesmo?

Tudo de melhor sempre pros oceanos da Terra.

P.S.



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