por:
Lucia Malla
Comportamento, Cotidiano, Ecologia & meio ambiente, Economia, Faça a sua parte, Mudanças climáticas
Publicado
06/03/2011
Li a reportagem do Independent já há alguns dias e confesso que não me surpreendi com o achado: usar sacolas plásticas seria, de acordo com um estudo da Agência Ambiental Britânica, mais “ecológico” que usar sacolas de pano.
Antes de mais nada, quero dizer que todas minhas opiniões abaixo partem do pressuposto de que o estudo é exatamente como o Independent reporta – o que sabemos, pode não ser verdade. Dado que a versão oficial feita pela Agência Ambiental Britânica ainda não foi publicada, o que faço abaixo é um exercício hipotético. E se os resultados que o Independent reporta estão corretos e imparciais? Qual o impacto desses resultados? (O Independent até se esforça no final da reportagem tentando dar um conselho equilibrado, o que é bacana.)
Sacolas plásticas: melhores para o ambiente?
Qualquer um que já pensou na cadeia de produção e descarte de uma mercadoria, já chegou ao dilema-problema do uso das sacolas de papel (que podem até ser biodegradáveis e recicladas, mas ainda gastam uma quantidade de água aviltante para serem produzidas além de outras cositas). Já as sacolas de pano, pela lógica popular advinda do fato de serem reutilizáveis, até então eram consideradas menos impactantes.
O estudo da agência britânica dá um duplo twist carpado nessa idéia. Mostra que o “potencial de aquecimento global” numa sacola de pano é maior que o de uma sacola plástica, dada a quantidade de vezes que seria necessário reutilizar a de pano para chegar ao quanto de “potencial de aquecimento global” uma sacola de plástico possui. Mais especificamente, precisaríamos usar 171 vezes a sacola de pano para chegar ao mesmo “potencial de aquecimento global” da sacola plástica. Trocando em miúdos miudésimos, seria “melhor”, para não piorar o aquecimento global, usarmos sacolas plásticas.
Parênteses
(Eu adoraria entender como foi calculado o “potencial de aquecimento global”. O resultado é em kg de emissões de CO2 equivalente. Então imagino que eles contaram uma série de critérios que geram emissões e somaram/multiplicaram/diminuíram/dividiram por “x” variáveis. Mas eu adoraria ter acesso ao texto original do estudo para entender como foi calculado ao pé da letra. Quais variáveis foram escolhidas. Porque é aí que está a chave da questão, em minha opinião. Fecha parênteses.)
Teoria da conspiração?
Os poucos blogs onde li sobre o assunto – sim, a blogosfera verde ficou em boa parte sem reação, para grande surpresa – enxergaram uma vibe teoria da conspiração. O estudo teria sido encomendado por empresas produtoras de sacolas plásticas (ou quejandas). Que por sua vez precisam desse incentivo marketeiro para vender suas sacolinhas sem culpa. Óbvio que existe lobby. Mas lembremos também que a responsabilidade do estudo veio de uma agência federal. E que este estudo foi realizado por um painel de cientistas (espera-se). Portanto, muitas cabeças unidas. O objetivo do estudo, aliás, foi calcular o potencial de aquecimento global de 7 diferentes tipos de sacola. O resultado que os jornais comentaram mostram apenas 3: papel, plástico e pano. Claro, eu fiquei curiosinha para ver também quais os outros modelos medidos…
(Teve também uma galera que, antes amordaçada pelo ecoxiismo, resolveu de repente abrir o bico verde-cinza: se empolgaram demasiadamente pela reportagem (haja “likes” em facebooks e RTs em twitters da vida…), quase num transe coletivo de êxtase. Talvez porque de certa forma, ao ler a reportagem, decreta-se inconscientemente o “fim da culpa pelo uso de sacolas plásticas” nas pessoas. E as pessoas, como sabemos, não sabem nem nunca souberam lidar bem com culpa. Freud explica, neste caso.)
A metodologia do estudo pode explicar o favorecimento das sacolas plásticas
Mas fato é que não me desce essa teoria da conspiração das empresas de plástico financiando. Se a conspiração existe, é provavelmente reversa. O estudo, ao trazer um resultado surpreendentemente inesperado, por ser tão contrário ao senso comum, ainda não foi publicado oficialmente, está com a revisão “pendente” há anos. O rascunho do estudo teria “vazado” na mídia – hmmmm…. diria o/a leitor/a conspiratório. Está como rascunho ainda provavelmente porque os cientistas não engoliram redondamente o resultado que obtiveram.
Há impactos políticos, sociais e econômicos enormes envolvidos quando uma agência federal oficial assina algo tão “perturbador” do senso comum. Gostaria de ser uma mosquinha pra ouvir as discussões entre os cérebros que realizaram tal pesquisa. As estratégias em que pensam para quando oficializarem tal estudo… Se é que um dia farão.
Bom, como cientista, fui treinada a olhar pros resultados mais aberrantes com olhos e neurônios abertos. O dado é o dado, ele é um fato, contra ele você não argumenta. A forma como você chega ao dado é que é o xis da questão. Por mais bizarro que soe, o estudo pode (e deve) estar certo em suas conclusões e cálculos. O que ainda não desmerece minha questão maior: a equação usada para chegar a tal valor, inclui que variáveis? Isso pode fazer toda a diferença no final das contas.
Por exemplo, a reportagem do Independent sugere que uma das características analisadas foi o peso das sacolas. Uma de pano com certeza pesa mais, portanto requereria hipoteticamente por exemplo mais combustível para ser transportada, se comparada com o mesmo número de sacolas plásticas. As de pano teriam menor compactação também.
Algumas dúvidas
Mas, e se não houve, ou foi mal-controlada, a variável: “capacidade de penetração num ecossistema após o descarte”? Sim, porque as sacolas de plástico, que não se decompõem totalmente, na prática vão se rasgando infinitas vezes – e penetram de forma inacreditavelmente invasiva nos cursos d’água, nos solos, chegando aos oceanos com um “potencial poluidor” muito maior. Quantas sacolas de pano vocês vêem em lixões? E de plástico? Alguém fez uma medição pra isso? E as consequências desses números de poluição no lixão?
Se queimamos o lixo pelo mundo (é o que a maioria das cidades faz), o que é pior: queimar plástico e jogar na atmosfera resíduos tóxicos, ou queimar algodão, que também libera resíduos tóxicos – ambos liberam arsênico na atmosfera ao serem queimados, mas em quais quantidades, quem joga mais? Qual dos tipos de sacolas tem maior potencial de reutilização antes de chegar num lixão? E o volume utilizado pela população de cada tipo de sacola, já não joga esse número de 171 vezes meio que numa zona cinzenta passível à muita discussão?
E “potencial poluidor dos oceanos” (acabei de inventar esse índice), foi uma variável medida também? De que forma? Colocaram na equação quantas tartarugas-de-couro (animal em vias de extinção, lembremos) ou outros animais marinhos entalados com plástico no estômago já foram encontrados? Como foi calculado o impacto de se perder uma tartaruga-de-couro no ambiente, já que seus números populacionais já são tão escassos? Há relatos de tartaruga com estômago cheio de sacola de pano? E papel, como é digerido pela fauna?
Quanto de partícula de plástico num litro de água do mar comparada com a quantidade de partícula de pano podemos encontrar? Quanto dos químicos do plástico são encontrados em amostras de sangue e carne de diversos animais?
Reduzir o consumo de plástico é fundamental
Sinceramente, o estudo traz à tona apenas um lado da moeda ambiental. Um lado importante, entenda-se, e que era necessário ser calculado, a meu ver. A gente precisa mesmo minimizar as emissões globais de CO2, e se as sacolas plásticas, no final das contas, são o caminho para tal minimização, que sejam incentivadas de maneira educativa e consciente. Mas não é só de diminuição das emissões de CO2 que o planeta precisa para ficar mais vivível para a gente e pros animais que coexistem com a gente. Precisa terminar de calcular essa equação toda de consumo de plástico, incluindo aí o segundo membro da mesma: o descarte.
Eu sinceramente sempre achei que o problema maior das sacolas plásticas, do volume de consumo delas no planeta, não advém do método com que elas são produzidas, e sim das consequências de seu uso. Do quanto elas solidificam na prática o consumo desenfreado – e é contra isso que devemos refletir, não?
O que falta explicar
O estudo, se é como a reportagem mostra (e eu repito: tenho minhas dúvidas em muito do sensacionalismo que o Independent quis vender) parece estar incompleto. Olha apenas para um pedaço do processo de produção, as emissões de CO2. Faltou o descarte. Faltou o que acontece com essas sacolas depois de seu uso. Faltou o quanto geram de poluição ambiental no bottom line. Ser ecoconsciente não é só minimizar o aquecimento global. Tem mais um monte de outras atitudes envolvidas. (Ninguém disse que seria fácil…)
Por isso, considero toda essa quizumba armada de repente “contra” as sacolas de pano um bafafá de superfície, quase que só para gerar buzz. Porque analisou-se só o pré-uso, sem adição do processo pós-uso, da poluição ambiental gerada depois que as sacolas são descartadas. Gerar poluição, aliás, é uma característica a maioria dos itens que consumimos, vale a pena dizer. Mas… e aí, qual das sacolas gera mais?
Fica (ainda) a questão.
Tudo de bom sempre.
P.S.
- Eu gosto muito do site do EPA, a agência de proteção ambiental americana. Eles também mantêm um blog, onde falam um pouco de sacolas de plástico, prós e contras. E falam das legislações que aos poucos vêm passando pelos EUA para controlar seu consumo.
- A China vem também trabalhando duro para acabar com as sacolas plásticas.