Café com alpinismo – e outras aventuras radicais. Quer combinação mais adrenalinada que essa? Pois podem me recriminar, mas essa foi a primeira idéia que me veio à cabeça quando soube que iria para uma conferência em Seattle. Movimento grunge, terra do Nirvana e afins? Sim, mas Seattle para mim é acima de tudo a cidade onde nasceu o maior símbolo global consumista cafeinado dos nossos tempos, o Starbucks.
Sendo atendida na primeira loja do Starbucks, no Pike Place. Apesar do café do Starbucks ser pasteurizado, não deixa de ser um marco na civilização cafeeira, e é claro, onde há história de café, eu estarei lá :-)… Abaixo, um detalhe colorido do cyberdog-cybercafé nas ruas de Seattle.
A primeira loja do Starbucks fica no turístico Public Market, uma área próxima da baía de Elliot, que banha Seattle. Como boa tomadora de café, marquei presença nesse local histórico da globalização banalizada após um almoço numa barraquinha de crepe e pedi o café mais tradicional possível por aquelas paragens: americano. A loja em nada difere das demais 10,000 lojas espalhadas pelo mundo, o mesmo estilo, esquema e atmosfera.
Entretanto, uma sutil diferença: o logotipo. A primeira loja Starbucks em Seattle era reconhecida por uma simpática sereia marrom bem mais rudimentar que a sereia verde. Em 1971, era apenas uma biboca na Pike Place que vendia café em grão e cafezinho simples para os clientes, nada mais. Foi só em 1982 (mais de 10 anos depois!) que o primeiro café latte foi servido, novidade trazida da Itália por um dos sócios, que sugeriu a idéia de modificar um pouco a linha de negócios que até então era feita. É a partir dessa data que o Starbucks começou a virar o que é hoje: fast-food de café, pasteurizado para o consumo global. E óbvio, com o sucesso vem logo a concorrência: o Seattle’s Best Coffee não deixa nada a desejar ao original que copia.
Não bastasse toda a cafeína de fácil alcance para a população de Seattle, eis que outra fonte de adrenalina também floresceu por lá: os esportes radicais. Seattle é conhecida mundialmente como uma das cidades mais dedicadas a esportes radicais do planeta – principalmente alpinismo de rochas e de altitudes elevadas. (Chamonix, na França, e a Nova Zelândia inteira seriam outros locais de destaque. Aliás, Seattle me lembrou muito Auckland em tudo, inclusive na organização das ruas – só faltaram os cones vulcânicos.) Seattle é a capital americana do alpinismo profissional, e estando privilegiadamente espalhada entre a gigantesca brancura do Monte Rainier e as águas calmas da baía de Elliot, é muito difícil não se empolgar para uma aventura radical qualquer. E é claro, onde há tanta gente fazendo uma atividade física dessas, há mercado, e consequentemente inúmeras lojas de montanhismo e afins.
A maior delas, a REI (fala-se R-E-I) fiz questão de conhecer: um verdadeiro clube de aventuras radicais. Dentro da megaloja, que ocupa um quarteirão inteiro, uma das maiores paredes de escalada indoor do mundo e uma pista de treinamento de mountain bike que passa inclusive por uma cachoeira artificial e uma florestinha. A REI está para Seattle como a Kathmandu está para a Nova Zelândia e Austrália: ela vende uma idéia, muito mais que simples produtos, como bem falou Rafael Lima. Afinal, uma loja cujos balconistas ao serem contratados recebem a “sugestão” de escalar o Rainier (ou qualquer montanha interessante) e cujo website oferece o endereço das filiais também em coordenadas de GPS nao é realmente uma loja qualquer de alpinismo. Vale a pena ir lá conhecer a loja mesmo se você não for comprar nada, apenas para experienciar um pouco do que é o mundo em camadas de goretex. Eu, é claro, como fã do estilo outdoor, passei um belo fim de tarde na loja, me divertindo com cada centímetro de ilusão aventureira que minha cabeça vislumbrava e ali era oferecido.
Um dos sinais de que você não está numa loja qualquer: a REI tem uma pista de mountain bike própria.
Se você parar de ler esse texto aqui, a impressão que fica é de que Seattle é uma cidade de pessoas altamente agitadas, prontas para uma aventura cheia de adrenalina com um copo de café na mão, certo? Nada podia ser mais errado que isso. Paradoxalmente, o povo de Seattle tem um estilo relaxado de viver tão contagiante, que até o trânsito reflete isso: os motoristas são lentos, as pessoas andam devagar pelas calçadas, sorriem para os demais transeuntes, e fazem questão de ajudar um típico turista acidental – como eu.
E como típica turista, facilmente me contagiei na semana que passei lá por essa calmaria. Não podia deixar de ir nos intervalos da conferência algumas atrações que fazem de Seattle uma cidade visitável também a pessoas não-adeptas de esportes radicais, e o fiz no ritmo próprio: devagar e degustando tudo ao máximo. Não me preocupei em “perder” algumas atrações, me concentrei em aproveitar as poucas que escolhi visitar no pouco tempo disponível que tinha. A mais importante delas, sem dúvida, é a Space Needle (a torre de Seattle).
Fui almoçar na Space Needle (ao contrário do esperado, o almoço não é caro). O restaurante gira do alto de seus mais de 100m, e permitindo uma visão 360 graus da cidade e das redondezas – e que redondezas! No dia em que lá estive, o céu estava azulzinho, dia lindo de sol, e o monte Rainier brilhava no horizonte atrás do centro da cidade. Também claro no horizonte estava a cordilheira Olympic e a cordilheira Cascade, que termina no Canadá. O Lago Union visto de cima me lembrava a todo momento porque a cidade tem vocação para aventura: entre mar e montanha, o contato com a natureza a todo momento. A visão da Space Needle me cativou, e fiquei tão empolgada que, no fim da tarde, depois do dever cumprido nas palestras da conferência, me dirigi ao terminal de lanchas. Resolvi pegar um ferry boat e ir até a ilha de Bainbridge, em frente a Seattle, só para poder atravessar a baía e ver o horizonte de arranha-céus em outra perspectiva. Valeu a pena, porque na ida, o sol estava se pondo (embora fosse mais de 9 da noite) e na volta, o sol já tinha se posto completamente, era noite, e pude ter o mesmo horizonte em 2 momentos diferentes de iluminação. Delírio fotográfico naquele que já considero o segundo mais lindo skyline do mundo (o primeiro ainda é o de Hong Kong).
Um pedaço de centro de Seattle com o monte Rainier no fundo. Abaixo, o horizonte de arranha-céus visto da baía de Elliot ao entardecer.
Num outro dia, decidi passear pelo bairro universitário, onde, dizem as boas línguas, nasceu o movimento grunge – não podia deixar de reverenciar o estilo local em algum momento, né? Naquele clima alternativo realmente dá para imaginar por que Kurt Cobain foi o que foi. Vi várias pessoas nas ruas que pareciam saídas de um clip do Pearl Jam ou de um show do Alice in Chains, direto da década de 90. Mas ao mesmo tempo, aquela pacatez não-rebelde, aquele ar de cidade relaxada e desencanada por completo. Muitos cafés, muitas lojinhas alternativas e o campus da Universidade de Washington. Andar descontraída por ali é um bom passeio de fim de tarde, ótimo para espairecer a cabeça e vivenciar uma minúscula parte da Seattle underground. No bairro universitário, Seattle ainda “smells like a teen spirit“.
Devo dizer que Seattle me conquistou. Talvez seja o clima outdoor que reina. Talvez seja a magia da neve do Monte Rainier. Talvez seja a organização das ruas e calçadas, com um povo sorridente a desfrutá-las. Talvez seja a utopia grunge, um estilo musical que nunca entendi muito bem. Não sei direito por que, mas fato é que Seattle, com ou sem adrenalina, se tornou uma das minhas cidades favoritas dos EUA continental. Seattle rocks: seja em tons grunges cafeinados ou nos penhascos desafiadores do Rainier.
Tudo de bom sempre.
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