por:
Lucia Malla
Animais, Ciência, Corais, Ilhas, Ilhas Marshall, Micronésia, Oceanos
Publicado
28/04/2008
Na semana passada, eu recebi um email simpaticíssimo da Sabrina Xavier, com uma notícia sobre as descobertas coralinas no atol de Bikini, nas Ilhas Marshall. A reportagem enviada pela Sabrina era a tradução feita pelo jornal Público, de Portugal, de uma nota da agência internacional de notícias Reuters. E contava uma história que eu meio que já comentei por aqui, com o tempero extra de que agora está “validado cientificamente” – foi publicado num jornal peer-reviewed.
Mapa da República das Ilhas Marshall (RMI) com seus atóis. No canto esquerdo inferior, dá pra ter uma idéia de onde fica esse país no globo: no meio do Pacífico. Mapa retirado do artigo original.
O atol de Bikini esteve fechado por 50 anos à presença humana por causa dos testes atômicos realizados pelos americanos ali na década de 50. Foram feitos 23 testes nucleares em 7 áreas diferentes do atol, com um total de 76 megatons detonados. A maior cratera feita foi a de Bravo, que abrigou a última explosão em 1958. A radiação espantou os humanos do local por razões óbvias. Só que ao retirar os humanos do atol, a consequência mais imediata foi deixar o ecossistema marinho em paz. E depois de 50 anos, o resultado da ausência humana no atol é uma explosão – não atômica, mas de biodiversidade. A Zoe, a Silvia e a Maria, pesquisadoras responsáveis pelo levantamento das espécies em Bikini que a reportagem comenta, realizaram levantamentos de espécies de coral em diferentes pontos do atol e perceberam a incrível resiliência do ecossistema (resiliência é a capacidade de um animal ou grupo ou ecossistema em sofrer danos ou perturbações e absorvê-los ou adaptar-se a essas perturbações). Ou seja, depois de uma bomba atômica que destruiu completamente os recifes do atol, os corais voltaram a se estabelecer naquele ambiente. Isso é que é resiliência… (Parênteses: Relatos contam que “choveu” poeira branca sobre Rongelap logo após a explosão nuclear, e essa poeira branca eram os restos mortais dos recifes de corais pulverizados.)
Mapa esquemático do atol de Bikini mostrando em verde os locais dos testes nucleares e sua força em megatons. Em laranja, vemos as ilhas do atol, e em azul o contorno da área de recifes que é característica da formação de atol. Mapa retirado do artigo original.
Zoe contabilizou em seu estudo 183 espécies de coral escleractíneo (“duros”) em Bikini – é mais do que toda a costa brasileira em diversidade de espécies de coral. Provavelmente, para a recolonização da área, as espécies vieram por correntes marinhas dos atóis vizinhos (principalmente de Rongelap) e/ou de outras regiões do Pacífico. Das espécies existentes antes da bomba, as pesquisadoras acreditam que 28 espécies desapareceram totalmente da região – um número que eu considero baixo para o Pacífico. Ainda assim, são perdas. Dessas espécies perdidas, a maioria vivia dentro do lago do atol e não resistiram absolutamente à pulverização. Entretanto, 11 espécies foram contadas pela primeira vez na região – uma delas pela primeira vez no Pacífico, a Pectinia africanus. Esses resultados mostram que não só o ambiente se recuperou, mas conseguiu formar um recife funcional e receber novas espécies sem maiores desequilíbrios. O ecossistema está saudável. E Bikini se tornou o mais novo “laboratório vivo” para estudos de grandes impactos em vastas áreas de ecossistema marinho.
Não é qualquer turbulência que consegue fazer desaparecer essa diversidade…
A resiliência mostrada pelos corais do atol de Bikini, depois de tamanha devastação, são uma esperança de que podemos quem sabe reverter o quadro atual de destruição atual dos recifes de corais. Basta tirar o componente humano da equação. 🙂
Tudo de coral sempre.
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– As 3 pesquisadoras que citei acima são também as responsáveis logísticas pelas expedições do NRAS de levantamento de fauna das Ilhas Marshall em que meu marido participa.
– Para mais fotos dos atóis das Ilhas Marshall e sua fauna marinha, veja as galerias da ArteSub: Namu, Ailuk e Rongelap.
– E uma dúvida besta de português para a qual não consigo achar resposta em gramática alguma: o substantivo designativo “de atol” (como em “formação de atol”) é atolífero, atolino ou atólico? Se alguém souber a resposta, por favor me ilumine! 🙂
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Lista completa dos posts da Semana do Recife de Corais no blog da Malla:
– Semana de Recifes de Corais 2008