Continuando com a viagem pelo sul do Brasil, fomos à Imbituba, cidade do litoral sul catarinense e capital brasileira das baleias francas (Eubalaena australis). É nesse pedaço de litoral que a espécie vem todo ano, de julho a novembro, se reproduzir e ter os filhotes. Estávamos em outubro. Logo, nós não podíamos perder a oportunidade de ver a baleia franca em nossa viagem pelo sul do Brasil.

Praia do Porto, em Imbituba, vista do mirante. O morro que vemos ao fundo é o da trilha do Farol, de onde se tem uma visão pro mar aberto muito tranquilizadora.
Praias de Imbituba
Imbituba em si é uma cidadezinha simpática, onde visitamos algumas praias. A Praia do Porto é onde há um porto grande (duh!). A Praia da Vila, onde se realizará uma das etapas do WCT desse ano – ou seja, uma praia excelente para surfe. A praia da Ribanceira, onde predominam os windsurfistas. Além disso, a praia de Ibiraquera, que parece ser a que as baleias mais gostam.
Mal chegamos em Imbituba e fomos fazer a trilha do Farol, no canto esquerdo da praia da Vila. Trilha simples, de 1km e pouco de sobe-e-desce em rochedos, ao final vê-se um farol feito de azulejos brancos e toda a imensidão azul do mar de Santa Catarina. Bela visão.
Vendo as baleias da praia
Mas estávamos ali por causa das baleias. Do mirante da cidade, dava para ver alguns pares de mãe e filhote nadando perto da praia – perto mesmo, a uns 50m da arrebentação das ondas. Eis daí aliás o seu nome “baleia franca” (em inglês, right whale): por ficar tão perto da costa e tanto tempo na superfície, era facilmente caçada por qualquer um, inclusive pescadores com barquinhos pequenos, que simplesmente a arrastavam para a praia depois de arpoá-la. Ou seja, era a baleia “certa”, “franca” de ser pescada, e seu nome já deriva do uso abusivo que fazíamos da espécie.
No passado, dizia-se que as baleias francas foram as responsáveis por “tirar o mundo da escuridão”, já que seu óleo foi o primeiro utilizado na iluminação pública das cidades ainda no século XVIII – e para fazer cimento em boa parte das construções antigas.
Pausa para ouvir o Roberto falar da dizimação da baleia franca
A baleia franca foi considerada extinta na costa brasileira na década de 70 – lembra da triste ecomúsica do Roberto Carlos “As baleias“ de 1981?
“Seus netos vão te perguntar em poucos anos/ pelas baleias que cruzavam oceanos/ que eles viram em velhos livros ou no filme dos arquivos dos programas vespertinos de televisão/ (…) de uma cauda exposta aos ventos/ em seus últimos momentos/ relembrada num troféu em forma de arpão”.
Pois é, quando Roberto escreveu a letra desta música, a população de baleias francas no Brasil chegara no menor número de toda a história, praticamente não era mais avistada na costa – não sei exatamente se foi essa dura realidade que o inspirou, mas imagino que tenha feito parte na decisão de escrever sobre o tema.
Estima-se que a população de baleias francas original (antes do massacre crônico em busca de sua espessíssima camada de gordura) era de 70,000 baleias, e elas visitavam anualmente até a altura da costa da Bahia. A última baleia arpoada no Brasil foi em 1973, ali em Imbituba – uma franca, óbvio. Hoje, depois de anos de preservação e um trabalho intenso de recuperação, a população de baleias em todo o hemisfério sul é de cerca de 7,000, ou seja 10% da população original, apenas.
Proteção da baleia franca
Desde 1987, é proibido por lei federal pescar e/ou molestar cetáceos marinhos (baleias e golfinhos). Em 2000 [link do decreto-lei em pdf] foi criada a Área de Preservação Ambiental da Baleia Franca, uma região de 156.100 hectares que vai da costa sul da Ilha de Santa Catarina (onde está Florianópolis) até o Balneário do Rincão, no extremo sul do estado (mapa aqui). Com essas medidas, a população de baleias pode aos poucos se recuperar. E, mesmo ainda em processo de recuperação, vale ressaltar que o número de baleias vem aumentando a cada ano.
No passado, os humanos ganhavam dinheiro com a baleia morta. Hoje, em tempos de prática ecológica mais aflorada, de leis mais claras e exigentes, e com cada vez mais baleias aparecendo no litoral catarinense (e com mais humanos morando na região), o ideal que vejo é o desenvolvimento do ecoturismo – ou seja, a comunidade local lucrando com a baleia viva, ano após ano. Isso já é feito na Península Valdés, na Argentina, onde a maior parte das baleias francas se concentram no hemisfério sul. Em Valdés, já existe todo um esquema de ecoturismo da baleia franca, e a região lucra bastante a cada temporada com a vinda das baleias.
Santa Catarina tem o mesmo potencial ecoturístico com baleias que Valdés – maior até, porque há mais atividades possíveis de se fazer em geral em SC que na Península Valdez. Respeitando-se as leis básicas, pode-se investir em divulgar a biologia e importância biológica da baleia franca pro ecoturista e envolver a população local nessa empreitada. Essa estratégia é, a meu ver, a mais adequada e a mais rentável para os moradores locais.
Passeiod e avistagem de baleias francas
Contactei no dia que chegamos em Imbituba a Carolina, bióloga do Instituto Baleia Franca (IBF), com sede na descolada Praia do Rosa, e combinou-se a saída de barco para ver a baleia na manhã seguinte. Antes mesmo disso, do mirante da cidade, dava pra ver grupos de baleias nadando na praia do Porto. Muito vagarosas, elas se deslocavam pra lá e pra cá. A ansiedade de vê-las de perto só foi aumentando.

Biólogas Mônica e Carolina dando a palestra introdutória das baleias na praia do Porto.
No dia seguinte, chegamos na praia do Porto às 9 da manhã, quando o barquinho para ver baleias saía. A praia é retona e o barco é um bote inflável, que não vira de jeito nenhum – para um local com ondas de surfe, importante quesito. O passeio é uma parceria do IBF com a Pousada Vida, Sol e Mar: o Henrique da pousada é o responsável pelo barco e pela logística da operação; parte do dinheiro arrecadado com o passeio vai para manutenção das atividades básicas e de pesquisa do IBF, além das biólogas utilizarem o barco para coletar dados das baleias que visitam a região; em troca, o IBF auxilia durante o passeio, divulgando a baleia franca para os turistas, através de uma palestra antes da saída pro mar (na praia mesmo), onde são explicados aspectos gerais da biologia e conservação da baleia.
Próximas à costa
O passeio começa, então, e o barco vai rumo à Ibiraquera, praia onde as baleias francas parecem se concentrar. O primeiro impacto que temos é com a distância entre baleia e praia: o animal está tão perto da arrebentação, que fica difícil pro barco se aproximar, pelo receio de que uma onda quebre em cima da gente. Da praia, facilmente se vê a baleia, que mais parece um torpedo parado na superfície. De repente, percebemos que há pelo menos 8 baleias ao nosso redor, com filhotes. É uma festa de baleias francas.

Baleia franca com filhote na beira da praia de Ibiraquera (SC). A distância da praia é absurdamente pequena.
Uma das características da baleia franca é facilmente visível quando ela se aproxima do barco, o borrifo em “V”. Todas as baleias borrifam, mas só a franca consegue fazê-lo em formato de V. Isto ocorre devido à forma como o orifício respiratório da cabeça do animal se abre. Além disso, percebe-se também suas calosidades brancas na cabeça, formadas por espessamento da pele da baleia. Esse espessamento termina favorecendo, sobretudo, o acúmulo de crustáceos ciamídeos (cracas) na pele da baleia, tornando-o branco. Cada baleia tem um padrão de calosidade, e isso é utilizado para identificação individual visual dos animais que visitam o Brasil.

A cabeça da baleia franca se caracteriza pela presença das calosidades brancas.

A baleia franca não possui dentes, e sim essas estruturas filtradoras da foto, feitas de queratina, chamadas “barbatanas” – que ficam dentro da boca, entenda-se bem. Ela se alimenta de krill na Antártica, e fica todo o tempo em águas brasileiras sem comer – por isso a importância da presença de uma camada de gordura de cerca de 40cm embaixo da pele, para garantir a sobrevivência do animal durante a viagem e estadia pelas águas tropicais.
Conduta do barco de avistagem
Quando uma baleia se aproxima, o barco desliga os motores. Dessa forma, a baleia pode se aproximar sem ser incomodada pelo barulho sub. São enormes: podem chegar a 5 metros e pesar 4 toneladas. Uma das baleias em nosso passeio se aproximou demais: seu corpanzil passou por baixo do barco e tocou-o, dando uma certa emoção para todos ali. Lindo.
Foi difícil dizer tchau para as baleias. A vontade que dá, afinal, é de ficarmos ali o tempo todo, analisando deslumbrados cada respirada, cada caudada que ela dá, suas interações e brincadeiras com o filhote.
Mas depois de quase 2 horas no mar, era hora de voltar à terra, com a certeza de que interagir de perto com a baleia franca respeitando seus limites é a melhor maneira de tornar as pessoas mais conscientes da importância da sua preservação. E serei franca, como a baleia: eu acredito na aproximação controlada como forma eficiente de educação ambiental para as pessoas em geral. Além disso, cada vez que eu tenho uma dessas experiências, mais me convenço de que no final das contas, com ecoturismo bem-feito, ganham as baleias (ou o animal em questão que se quer preservar). Que mais boas iniciativas, integradas com leis e comunidade, venham pelo mundo a fora.
Tudo de bom sempre.
P.S.
- Em Imbituba, também fica o Museu da Baleia de Imbituba, hospedado onde a última armação baleeira do Brasil funcionava.
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