Minha amiga Gisele trabalhou por muito tempo pesquisando mioglobina. Esta é a principal proteína carregadora e armazenadora de oxigênio e ferro no músculo dos vertebrados. A Gisele estudou a relação da mioglobina com os hormônios da tiróide em camundongos já há um certo tempo. Mas até hoje, quando ouço falar em mioglobina, é da Gigi, cientista das mais simpáticas com quem já dividi erlenmeyers, que lembro com carinho.
Então que estava hoje assistindo TV quando uma notícia me fez dar aquele sorriso moleque-nostálgico. Pesquisadores de Liverpool finalmente demonstraram um mecanismo em potencial que explica como os mamíferos aquáticos conseguem ficar tanto tempo embaixo d’água sem precisar respirar. Baleias, golfinhos, focas e afins, são animais pulmonados. Mas ainda assim mergulham a profundidades incríveis, ficando muitas vezes horas por lá. Como não sufocam? De onde tiram oxigênio embaixo d’água para respirar?
A estrutura que faz a diferença
A resposta darwiniana da notícia é fofa como uma foca. Estes animais evoluíram um tipo diferente de mioglobina. Em animais terrestres, a mioglobina em grandes concentrações vira uma proteína “grudenta”. Este grude facilita que se agregue facilmente às outras e dificulta o transporte de oxigênio.
Já os mamíferos aquáticos têm esta proteína em altas concentrações no músculo, também. Mas elas não “grudam” entre si. Porque a proteína deles possui uma diferença estrutural, com mais cargas positivas ao redor, que gera um efeito de ímã. Afinal, cargas similares se repelem. Então a mioglobina do músculo deles não gruda uma na outra. Pelo contrário, se afastam. E com isso, a capacidade de acumular oxigênio de um mamífero aquático é aumentada em muitas vezes.
O impacto fisiológico de ter mais oxigênio disponível na musculatura é fenomenal, permitindo às células dos animais respirarem tranquilamente enquanto ficam períodos longos embaixo d’água. E o impacto evolutivo desse respirável mundo novo é o que já sabemos: ao evoluírem tal capacidade, estes mamíferos puderam explorar um novo ambiente, e aumentar sua possibilidade de sobrevivência.
Não é o máximo? #alôkadabiologia
(É claro, esta é mais uma das adaptações que estes animais sofreram para aguentar o difícil ambiente aquático. Mas definitivamente uma das mais cruciais. Pois toca numa das bases fisiológicas para a sobreviência animal, a obtenção de oxigênio para viver.)
Enquanto na TV o pesquisador responsável pela descoberta de hoje comentava sobre o assunto, e um monte de imagens de focas e leões marinhos ocupavam a tela, eu me lembrava da Gisele. De seus Northern Blots de mioglobina e das aventuras paulistanas pelas quais passamos juntas, num tempo longínquo do espaço-tempo. Saudades, Gigi. 🙂
Tudo de bom sempre.
P.S.
Por uma coincidência “focal” deliciosa, sábado passado o André foi snorkelar em Shark’s Cove, no North Shore, com um conhecido e… Quase foi “atropelado” embaixo d’água por uma foca-monge havaiana! Esta foca é um animal ameaçadíssimo de extinção. Há cerca de 1200 restantes apenas. Portanto, a probabilidade de encontrar uma é bem baixa.
De acordo com ele, nem ele nem a foca esperavam se ver. Porque ambos tomaram um “susto” de curiosidade ao darem de cara um com o outro embaixo d’água, naquela cena que parece saída de desenho animado. A foca, com uma mioglobina muito melhor adaptada que a dele, foi mais rápida na fuga. E mergulhou para as profundezas e desapareceu poucos segundos depois de vê-lo. Mas, mesmo com o encontro efêmero, ele conseguiu registrá-la. Como podem ver na foto acima para nosso deleite. 🙂
*Post dedicado à Gigisele, of course.