por:
Lucia Malla
Blogosfera & mídia social, Comportamento, Ecologia & meio ambiente
Publicado
11/05/2009
A Aline ficou curiosa quando sugeri, num post passado, que lessem o texto dela sobre conscientização de massa, “mesmo que não concordassem com tudo“. Nos comentários ao meu post, ela expressou sua vontade de saber em quê eu discordaria. Como considero o assunto deveras interessante e minhas “discordâncias” são na realidade poucas, decidi escrever num post. Assim sendo, chamar mais pessoas para essa conversa bacana cheia de perspectiva.
Dois pontos-de-vista
O texto da Aline em si criticava um ponto de um terceiro post escrito pela Paula sobre a hora do planeta – evento do qual também escrevi aqui. A Paula escreveu:
“(…) a campanha está errada porque não ensina como continuar a ação de uma hora. Não dá dicas de como transformar seu estilo de vida, nem sequer pede para que você se preocupe com consumo de energia. (…) E nessas, toda a ideia já se perdeu, toda a chance de conscientização em massa virou demagogia, ficou “para inglês ver”.”
A Aline discorda desse ponto. E, por conseguinte, foi a partir dessa discordância que escreveu seu texto. Nele, o primeiro grande questionamento é em que a “massa” já foi conscientizada.
O exemplo do cigarro
De imediato, ao ler o texto, me veio um exemplo na cabeça: malefícios do cigarro. Afinal, na década de 40 era chiquérrimo fumar, símbolo de status, etc. Foram muitos anos de campanha para que finalmente a informação “cigarro faz mal” sedimentasse para a massa. As pessoas ainda fumam? Lógico. Porque o fato de que houve conscientização não significa que o comportamento não exista.
Mas é interessante notar que mesmo fumantes hoje sabem que fumar faz mal à saúde física. Por quê fumam são outros quinhentos. O que interessa aqui, para fins de argumento, é que a informação fruto da conscientização geral está lá, incutida.
É claro, há diferenças entre conscientizar sobre cigarro e conscientizar sobre reciclagem de lixo, por exemplo. Porque, afinal, a reciclagem requer não só a vontade individual. Requer também uma parcela de estrutura administrativa, sob a forma de coleta periódica, instruções de como reciclar, regulamentação sobre onde reciclar (e para onde levar o reciclado), latões sinalizados pelas ruas etc.
(Aliás, lembrei que tenho um texto pré-histórico sobre o lixo pelo mundo, onde fica grifada a importância da existência de um sistema regulamentado para o gerenciamento do lixo.)
Embora a questão de saúde pública do cigarro requeira uma carga de estrutura do governo para auxiliar na “conscientização”, ainda acredito que esta carga é muito maior na questão da reciclagem e outros tópicos ambientais.
Conscientização e culpa
Mas a Aline também levanta um ponto crucial do qual concordo muito. Ela diz:
“Você produz lixo, a culpa é sua. Temos embalagens pra cada vez menos quantidade de produto, mas a culpa é sua. Que deve consumir menos (sem deixar de estimular a economia nacional, claro), escolher materiais reciclados e recicláveis. Individualmente. Pra ser consciente e escapar dessa coisa amorfa e não-pensante que é a massa.”
À parte a contradição básica que ela pontua e em que vivemos (devemos consumir menos MAS não podemos desaquecer a economia que depende do consumo para se “animar”), a Aline deixa claro algo que também noto no discurso geral de temas “controversos” (como política energética, aborto, etc.): a culpa individual. É preciso que a preocupação com lixo, gasto energético e outros quejandos da questão ambiental sejam amplificados para além do indivíduo.
Não digo para rasgar o manual de faça a sua parte nem acharem que isso é uma grande baboseira. Eu, mais do que ninguém, acredito muito no efeito formiguinha, de cada um fazendo um pouco para que o resultado seja maior que a simples somatória de cada ação. Mas há de se convir que não é jogando culpa para cima do indivíduo que a roda vai girar mais rápido.
O xis da questão é informação
Uma vez que você tenha informação, você tem livre arbítrio e embasamento para tomar a decisão que quiser. E, por conseguinte, vestir a camisa da sua escolha. Seja ela a favor ou contra.
Entretanto, de nada adianta a informação se não houver uma política governamental engajada em ajudar a ação individual. Também não adianta colocar a culpa no indivíduo que não faz xixi no banho, enquanto o governo “esquece” (por causa da economia, talvez…) de cobrar menos desperdício de água da indústria de papel, que gasta horrores de água para cada tonelada de celulose produzida e está levando regiões consideráveis à desertificação.
Ou seja, há um equilíbrio necessário de ações. De um lado, cada um fazendo a sua parte da forma que melhor lhes convier, sem culpa. E, por outro lado, a sociedade como um todo, sob a forma de governos, instituições, indústria etc. fazendo também a parte que lhes compete. Todos com o mesmo objetivo. E aí é que mora a grande dicotomia de novo: será que dá para ter nesse caso objetivos comuns?
Idealmente, todos deveríamos nos preocupar com o ambiente em que vivemos, torná-lo o mais saudável possível, etc.
Mas será que isso é viável no mundo real?
O meu ponto é que a sensação que tive, tanto no texto da Paula como no texto da Aline, é que eles são no fundo um mesmo argumento. Ou melhor, uma mesma tangente. A Paula acha que a “massa”, essa “abstração” retórica composta pelos indivíduos, é responsável para no final das contas “fazer acontecer”. A Aline acha que o “governo, a indústria etc.” são responsáveis, pela ingerência do sistema e que é deles que deve vir o suporte necessário. Nenhuma delas está errada, pelo contrário. Mas, em ambos, há uma entidade abstrata. Algo que em geral quando citado, leva ao esvaziamento da estratégia prática, até a um certo comodismo. E aí, por consequência, nós, que não somos nada abstratos, nos esquecemos de que muitas das “respostas” do governo e das instituições são advindas da mobilização da “massa” (ou parte dela) para as diferentes questões.
O que acho é que a gente precisa dos dois níveis de conscientização e mobilização. Por um lado, pessoas (que formam as instituições e a “massa”). Por outro lado, instituições (que são formadas por pessoas e muitas vezes representam a “massa”). Tentar entender melhor essa dinâmica, até educar – as pessoas não acham que são parte do governo, já perceberam? Agir em colaboração.
De volta à hora do planeta
Nesse sentido, a campanha da hora do planeta (assunto que apertou o botão de start de todo esse papo) falha. Porque só olha para um lado da equação, o indivíduo. E, mesmo assim, nas coxas, porque não educa para a questão energética, foco principal da ação. O indivíduo é um lado importante de se olhar? Sem dúvida. Mas esquece de apertar o outro botão sem o qual a máquina não funciona: o botão das instituições. De como elas devem fazer a sua parte dentro da conjuntura que vivemos. Nesse ponto, concordo com a Aline. Uma campanha mais efetiva seria de mobilizar as pessoas a cobrarem ações do governo. Mas aí daria sono, infelizmente.
É isso. 🙂
(Aline, espero que não tenha se decepcionado com minha resposta cheia de aspas – meio confusa, admito – às suas questões…)