Saiu o artigo sobre cartilagem de tubarão que eu mais aguardava ver no Pubmed. Está na revista Cancer do início de julho. A Cancer é uma revista científica indexada. Aliás, uma das melhores dentre as que tratam do assunto câncer.
Parênteses
Pra quem não sabe, as revistas científicas são avaliadas de acordo com seu “fator de impacto”. O fator de impacto é um cálculo considerando a quantidade de vezes que a revista é citada por outros artigos assim como o número de artigos publicados, entre outros parâmetros. Este cálculo é feito por uma associação, a Thomson ISI.
Algumas instituições de ensino utilizam o fator de impacto para avaliar o currículo de seus funcionários (e candidatos a tal). Valorizam publicações em revistas de impacto X – no Brasil, em geral, acima de 2. Esse número vai de 0 a 52 (dados de 2003). Nature, a Cell e a Science, por exemplo, têm fator de impacto em torno de 30. Uma parte das revistas, entretanto, fica em torno de 10. Por fim, uma imensa maioria abaixo de 2. O número grosseiramente reflete quantos leitores em potencial um artigo publicado numa revista terá. É claro que esse método tem falhas. Fim do parênteses.
Eficácia da cartilagem de tubarão
Pois bem. Eis que um grupo baseado em Minnesota (com colaboradores do Nebraska, Dakota do Sul e do Norte, Kansas, Flórida e Illinois, nos EUA) finalmente pôs um fim à lenda da cartilagem de tubarão. O grupo fez um estudo sério e elegante financiado pelo Instituto Nacional do Câncer americano. No estudo, pacientes acometidos de câncer de mama e cólon que se trataram com cartilagem. Veja que lindo.
“RESULTS: Data on a total of 83 evaluable patients were analyzed. There was no difference in overall survival between patients receiving standard care plus a shark cartilage product versus standard care plus placebo. Likewise, there was no suggestion of improvement in quality of life for patients receiving the shark cartilage, compared with those receiving placebo. CONCLUSION: This trial was unable to demonstrate any suggestion of efficacy for this shark cartilage product in patients with advanced cancer.” (O grifo é meu.)
Não houve diferença alguma na sobrevivência geral entre os pacientes tratados com cartilagem de tubarão e os pacientes tratados com placebo. Bem claro, não?

Sofisma
Os defensores do uso da cartilagem de tubarão, principalmente os vendedores de cartilagem, sempre vinham com a mesma história ao debater a eficácia do produto com pesquisadores. Afinal, não havia um estudo que indicasse que a cartilagem era inócua. Ou seja, não havia um argumento contra.
A base científica da idéia de que cartilagem seria um agente anti-câncer era fraquíssima. Basicamente, a ideia de que tubarões vivem no planeta há milhões de anos e têm baixo índice de desenvolvimento de câncer. Como são peixes cartilaginosos, provavelmente é a cartilagem que os protege, certo? Errado! Isso é um sofisma. Algo como dizer: ora, vivemos no planeta há milhares de anos, não morremos de ataque alienígena, somos humanos, os únicos seres vivos com cérebro desenvolvido, então deve ser nosso cérebro privilegiado que nos previne disso. Vamos portanto isolar o componente cerebral que nos protege de alienígenas. Para isso, matamos boa parte dos humanos, transformamos o cérebro em pó e vendemos às pessoas como proteção a ataques alienígenas!
(Aliás, isto é mentira. Porque tubarões têm câncer.)
Entretanto, mesmo frente a esse tipo de argumento, os cientistas, ecólogos e afins ficavam sempre com aquela cara de tacho. Porque no fundo, não havia mesmo estudos que comprovassem o contrário. Havia, sim, estudos defendendo. Por exemplo, estudos publicados em revistas obscuras de impacto nulo (perto de zero) e bem exaltados pelos interessados na venda, para embasar suas viagens na maionese. Isso quando não eram assumidos fatos não afirmados pelos estudos, algo como maçãs a partir de laranjas. Ou ainda quando extrapolavam dados obtidos em coelhos para humanos sem o minimo de precaução. E, com isso, vendem o produto com suporte “científico”. Nãããão!!!
Checagem dos fatos
Toda vez que você vir qualquer “comprovacao científica” de algo que cheira à picaretagem, dêem uma olhada por cima na revista ou nos números do estudo e como o mesmo foi feito. Se quem quer te vender um produto de uso medicinal não quiser te mostrar um estudo, desconfie. Para ser verdadeiramente científico, portanto, o estudo tem que estar publicado na rede gratuitamente. Vá ao santo Google. Além disso, procure informações claras. Ou ainda pergunte ao médico. Não acredite de primeira. Exerça sempre seu bom senso, enfim.
Pode não ter muito impacto agora esse artigo (e a maior parte das pessoas pode achar ainda uma perda de tempo). Mas, pelo menos, essa história engambelatória da cartilagem de tubarão parece estar mais próxima de um fim depois desse artigo na Cancer. Parabéns ao grupo que arregaçou as mangas e o desenvolveu.
Os tubarões, mesmo estando alheios às confusões e predações humanas, agradecem a iniciativa.
Tudo de bom sempre.