Sobre fazendas marinhas

por: Lucia Malla Ciência, Ecologia & meio ambiente, Economia, Havaí, Oceanos

Fazendas marinhas
Vista aérea da costa de Manila, Filipinas: mar loteado.

Não é de hoje que o ser humano usa o mar como fonte de seu sustento e sobrevivência nem que transformam áreas da costa para produção de seu alimento. Os antigos havaianos por exemplo construíram pequenos “lotes” de rocha vulcânica (kuapa) onde mantinham os peixes recifais que viriam a ser sua janta. Caçavam naqueles laguinhos, próximos a sua casa. A escala de tal atividade era minúscula comparada ao que vemos hoje, mas não deixa de ser uma forma de exploração do mar – mais sustentável, mas ainda assim, exploração de recurso.

Entretanto, com o desenvolvimento e crescimento da população no planeta, houve a necessidade de se ampliar a prática da caça para alimentação, que culminou ao fim no que hoje é a indústria da pesca, com frotas inteiras se lançando ao mar para caçar espécies que nos fornecerão a proteína nossa de cada dia. Era necessário cada vez mais pesca para alimentar cada vez mais gente. E indo cada vez mais longe no mar. O aumento da escala, neste caso, gerou consequências: sobrepesca e consequente desaparecimento de espécies. Acho que estamos carecas de saber isso; basta ir à peixaria mais próxima e constatar preço e qualidade.

Então na mesma edição da Science que citei no post anterior, que comentava sobre os resultados nos recifes de corais da aplicação da ecologia de restauração, há um excelente artigo que comenta sobre estratégias para reconstruir os estoques marinhos do mundo para a pesca. Artigo, aliás, bem do jeito que eu gosto: otimista em soluções. Depois de diversos cálculos e levantamentos, o enorme grupo de pesquisadores responsáveis pelo estudo propõe as melhores soluções para a sustentação do ecossistema marinho e da pesca, que passam quase sempre por melhor gerenciamento:

– criação e delimitação de mais reservas marinhas (pesca totalmente proibida, que serviriam de “berçário” para espécies mais pescadas e ajudaria a aumentar a resiliência do ecossistema);

– aperfeiçoamento das técnicas de pesca e do equipamento usado para tal, de modo que se aumentasse a seletividade específica e diminuísse o bycatch (que é o maior problema de espécies como tartarugas marinhas, por exemplo);

– maior regulamentação (e fiscalização…) de licenças para pesca, de modo a dar privilégio de acesso ao recurso pesqueiro para comunidades locais e restringir o acesso de “forasteiros” a pontos do mar diretamente ligados a essas comunidades.

Claro, há uma dose alta de otimismo em tais soluções e o grupo de pesquisadores demonstra no próprio artigo estar ciente das milhares de entrelinhas e desafios sociais, econômicos, políticos e científicos em cada uma das idéias propostas. Mas no grosso da questão, dado que o entendimento da dinâmica dos estoques marinhos ainda é muito baixo, a mensagem é positiva: é possível se reconstruir o estoque de peixes no mar. Talvez não para todas as espécies, talvez não voltar nos níveis que um dia existiram; mas pelo menos para resgatar um pouco da biodiversidade e manter o ecossistema marinho pelo menos “saudável”.

E há uma alternativa que eles pouco comentam (acho que por causa do interesse bem mais amplo do artigo): o da revitalização do conceito de fazendas marinhas. As fazendas submersas marinhas surgem cada vez mais como uma alternativa para a produção de peixes para consumo humano. Recentemente, o Havaí aprovou a criação da primeira fazenda offshore de criação de atum. A idéia é simples: um megacercadinho no formato de uma esfera (as “ahi spheres“) em mar aberto que deixaria passar as correntes marinhas (portanto a água circularia sem problemas) mas que impediria a saída dos peixes maiores de acordo com o tamanho da malha da rede. A fazenda de atum aprovada para o Havaí geraria uma produção de 6,000 toneladas de atum por ano – o que, convenhamos, é bastante. (Embora o termo “fazenda de atum” seja detestado pelos criadores da ideia, preferem dizer um “lote de alimentação”…)

Meu desconfiômetro se acende em diversos aspectos técnicos desse projeto (há cientistas da UH envolvidos em olhar com mais cuidado para tais questões), mas não posso deixar de constatar que é uma alternativa menos danosa que a atual conjuntura da indústria de pesca (que ainda usa redes de arrasto e espinhel de quilômetros de extensão). Já há aqui mesmo no Havaí outros exemplos de fazendas marinhas, em Kona e ao sul de Oahu, fazendas estas em menor escala que geram bons resultados para a população sem maiores problemas poluidores.

Mas aí outra discussão entra: dada a escala de produção de peixes que precisamos para alimentar a atual população humana, vamos transformar o mar em um grande loteamento? Já há disputas e conflitos pelo mundo por conta do controle de áreas do oceano (principalmente as tais 200 milhas da zona exclusiva), portanto, não é irreal pensarmos em mais disputas surgindo, agora por exemplo por áreas de convergência de correntes, onde essas fazendas provavelmente seriam mais “férteis”. E o quão afetadas serão outras espécies, pela concentração de uma espécie de peixes em um ponto do litoral? É possível mantes a diversidade no entorno dessas fazendas? Qual a escala máxima que uma fazenda dessas pode chegar?

Questões que ainda exigem reflexão. Mas alternativa que é, apesar de tudo, uma esperança. Esperemos, pois.

Tudo de bom sempre.



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