Sobre jornais online

por: Lucia Malla Antigos, Blogosfera & mídia social, Cotidiano

O Chico fez a pergunta, muito simples: “Que jornais você lê?” e comenta no post que um conhecido dele respondeu enfaticamente: “O melhor jornal do mundo é o jornal da minha cidade.” Embora sucinta, a resposta a meu ver é simplória: lhe falta o desafio de entender o mundo.

Em nossa sociedade super-informada e informatizada, fica realmente difícil se manter a par de todas as novidades, notícias, escândalos e afins que acontecem – a não ser que você queira viver em constante stress, é claro. A palavra-chave do mundo de hoje é escolha. Palavra e poder, porque está nos dedos de cada um escolher que tipo de informação considera prioritária e que tipo de informação pode ser deixada para trás. Entretanto, a informação que hoje você ignora pode ser importante amanhã na roda de amigos, então você deve ler mais – olha o círculo vicioso aí. Nunca sabemos que lado da moeda escolher.

Se pensarmos nessa dicotomia do conhecimento na era virtual, na paranóia que é viver em sintonia com as notícias mas querer descansar delas, perceberemos o quão importante é escolher a fonte adequada para saciar melhor a sua vontade. Por exemplo, generalizando geral, respondi ao Chico assim:

“Eu leio para notícias gerais o NYTimes, o Guardian e a Al Jazeera. Muito raramente a BBC. No Brasil, não tenho preferência, acho todos os jornais online muito fracos. E leio quando dá tempo uns jornais bizarros, como o Chosun coreano, o New Zealand Herald, o AllAfrica News e o Der Spiegel. Diferentes jornais trazem diferentes perspectivas de uma notícia, muito ligadas à realidade local, e isso é muito interessante, em minha opinião.”

Resolvi desenvolver esse comentário aqui no blog, detalhando minha opinião mais alongada sobre as frases que o compõem. Antes de mais nada, deixo claro que leio quase 100% dos jornais online e é sobre eles que eu sei falar. Também estou atenta para o fato de que para mim ler em inglês não é um problema, mas sei que o é para boa parte das pessoas – portanto minha pseudo-análise dos jornais já ficará de pé quebrado, muito umbiguística, quiçá fora da realidade. Mas a deixo aqui de qualquer forma como um exercício de “para pensar”.

Não leio jornais todos os dias, sou uma leitora “mezzo frequente mezzo ausente”. Minha resposta ao Chico revela minha opção geral sobre um meio onde sou apenas consumidora: todos os sites acima possuem RSS feeds, a ferramenta que me satisfaz plenamente na busca por informação seletiva, pois em boa parte desses jornais posso escolher categorias de notícias que mais me apetecem (ciência, turismo, etc.) e me restringir a lê-las. Mantenho-me informada principalmente do que me interessa. Ou seja: um jornal sem RSS feed é para mim um jornal não-lido (ou quase nunca lido, já que meu sogro assina o sem-RSS-Jornal da Tarde versão papel e quando estou em sua casa, leio-o simplesmente porque está ali, na minha frente).

O NYTimes é muito completo, um jornal que fala de tudo um pouco – e bem. É incisivo e claro ao dar a notícia, sem muito lero-lero. O Guardian tem um caderno de ciência e ambiente excelente. A Al Jazeera tem em minha opinião o melhor time de jornalistas do mundo, sem nomes muito conhecidos, simplesmente pessoas que sabem escrever bem, de forma agradável e sucinta. Além de trazerem reportagens interessantes sobre o Brasil, do caos aéreo a análises econômicas, tudo com a perspectiva de quem está de fora, isento do calor da discussão.

Dos jornais brasileiros online de notícias gerais, vou com a maré mesmo, porque nenhum me satisfaz plenamente como consumidora. Há o mesmo problema em quase todos e o mais degradante nem chega a ser a clara parcialidade ao dar a notícia – isso existe no mundo inteiro, basta que você saiba separar o joio do trigo e esse aspecto pode passar batido. Nem mesmo os erros crassos e primários de levantamento de dados, fatos e afins – jogue a primeira pedra quem nunca errou na vida. Em minha opinião é a eterna tradução das notícias internacionais um dos aspectos mais irritantes, porque dá a pior sensação ao meu eu consumidor final que está ali lendo – a de preguiça do jornalista, cuja profissão é… escrever, saber montar um texto. A desculpa para a cópia-tradução literal em Inglês-101 eu nem gosto de pensar: por conta da “agilidade da informação”. “Se alguém fez melhor, por que eu não posso copiar, não é mesmo?” Isso só me faz afastar dessa roleta de enganação. Prefiro ler a reportagem original, na fonte, e é o que eu termino fazendo com frequência e por isso a frustração com os jornais brasileiros.

E entra aí o comentário do conhecido do Chico. Acho que a maior parte das pessoas não gostam de sair da zona de conforto delas, sempre optam por aquilo ao qual já estão acostumadas, e por isso o melhor jornal do mundo é aquele que está ali, do ladinho da sua casa, a qualquer hora, pronto para te mastigar a informação do jeito que você já sabe que vai ler. Essa aversão ao desafio do novo reflete em tudo: de viagens aos jornais que você lê, à forma como se informa. Tenha certeza que o jornal coreano vai colocar a perspectiva dos coreanos em relação aos assuntos em destaque (está certíssimo ao fazer assim, por sinal), e com isso assustará os não-coreanos com costumes e perspectivas exógenas em muitas sentenças. A maior parte das pessoas foge é desse choque cultural, do nó na cabeça que dá ao nos informarmos por um jornal que não traduz os nossos costumes cotidianos, o nosso umbigo. Há mais uma vez uma ironia: queremos a informação geral, mas ela não pode sair da nossa perspectiva cultural.

E há uma apatia da perspectiva mundial nos jornais brasileiros – e nos coreanos, sul-africanos, australianos, etc. Ou seja, essa parece ser uma escolha geral das redações e vem daí a dificuldade em se ter bons jornais “de tudo”, como o NYTimes ou a Al Jazeera. Um reflexo do comodismo generalizado ao qual as pessoas se acostumaram. Mas eu gosto de me “incomodar” culturalmente, e a solução que achei reflete isso: ler jornais de lugares bem diferentes. Não porque me interesse saber que as tropas de Tonga serão despachadas pro Iraque; meu interesse é tentar olhar o mundo com a perspectiva das pessoas em seus próprios locais e de suas culturas e problemas, refletidos nas palavras dos repórteres – e é por isso que eu abomino as traduções de agências de notícias tão comuns no Brasil, porque elas nos fazem perder a essência da nossa perspectiva, que deveria estar salpicada nas entrelinhas das reportagens. Ou talvez essa seja a essência: somos bons em cópias. Prefiro não acreditar que sejamos apenas isso.

Mas aí eu chego numa constatação intrigante: o que é local para mim, não o é para o vizinho. Então, o Chosun é um jornal local para os coreanos, e portanto, cai na mesma simploridade do comentário acima: é o melhor jornal do mundo porque é o mais fácil para o Mr. Kim ler. Mas não o é para mim, Lucia Malla, que estou do outro lado do mundo, vivendo uma realidade completamente diferente – portanto, ele me é desafiador, e me instiga a querer entendê-lo.

Cada um sabe o que mais lhe apetece, e não sou eu que vou dar pitacos nas leituras de cada um. O desafio me instiga – é por isso eu amo a minha escolha por ser cientista. O que esse post reflete é simplesmente a forma como a minha escolha é feita: baseada na minha sede de revirar conceitos e culturas na minha cabeça, de enfrentar o desconhecido com sorriso no rosto, de perceber a riqueza de soluções aos mesmos problemas que cada povo tem, de entender o mundo pela perspectiva dos olhos do outro, sem o julgamento maniqueísta de preto nem branco, feio ou bonito, bom ou ruim. Apenas… diferente. Como uma grande viagem para conhecer o verdadeiro significado do que é ser humano – em todas as nuances e borrões.

Tudo de bom sempre.

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*Viagens NYTimeanas:

– Li um post no Kottke onde ele faz um apanhado das relíquias que o NYTimes liberou ao mundo vinda direto dos seus arquivos. Vai da reportagem original sobre o naufrágio do Titanic até a primeira menção sobre a World Wide Web ou sobre a TV em suas páginas. Um prato cheio para quem gosta de história.

– É claro, eu não ia deixar de fuçar nos arquivos também e deixo aqui pitadas do que achei interessante: um relato do comércio EUA-Brasil de 1851, as impressões de uma viagem expedicionária pelo Amazonas feita por um militar americano em 1854, uma reportagem sobre a interessantíssima idéia de se implantar um único documento de identidade para todas as Américas e dar adeus a passaportes (um delírio inviável na atual conjuntura pós-11/setembro, infelizmente) e, bóbvio, inúmeras reportagens sobre a primeira expedição everestiana (fracassada) relatada pelo Times, em 1933.



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