Somos mamíferos

Em geral, essa é uma das primeiras lições da aula de ciências na escola: você aprende logo cedo que o Homo sapiens, vulgarmente conhecido como espécie humana (você!), é um vertebrado que pertence à classe Mammalia – ou seja, em não-latim, somos mamíferos. Assim como morcegos, macacos, golfinhos, elefantes, cavalos e outras 5,400 espécies.

Temos notocorda como os demais vertebrados (sapos, peixes, jacarés, etc.), regulamos nossa temperatura corpórea como as aves o fazem também, mas a característica principal que nos separa dos demais grandes grupos de animais e nos faz adquirir uma classificação à parte, o que nos torna especialmente mamíferos, é a presença de glândula mamária na fêmea, uma glândula que evoluiu a partir das glândulas de suor, especializando-se na produção de leite. Mamar, portanto, é o que nos define biologicamente: o leite nos une.

Filhotes de mamíferos aquáticos ao redor de suas mamães em busca de proteção e alimentação: peixes-bois e golfinhos rotadores. Curiosidade malla: a foto dos golfinhos é a que eu tenho na minha área de trabalho do computador em casa. Eu amo essa foto.

O leite materno é a principal fonte de alimentação do animal recém-nascido em todas as 5,400 espéces citadas acima, incluindo humanos. Sua composição é diferente em cada espécie, possuindo os nutrientes básicos necessários para a sobrevivência nos primeiros dias, meses e, em alguns casos, anos de vida. Interessantemente, nem todos os mamíferos possuem um bico final do duto mamário tão acentuado para puxar ou sugar o leite materno. Os mamíferos aquáticos, por exemplo, têm minúsculas tetas, e o filhote precisa ficar “lambendo” a pele da mãe para se alimentar. Como por exemplo, o peixe-boi.

O filhote de peixe-boi nasce após 13 meses de gestação e mama por cerca de 2 anos. Ou seja, o cuidado parental envolvido na manutenção da espécie é de no mínimo 3 anos – mais curto que dos humanos, sem dúvida. Desde que nasce, fica em volta da mãe, para cima e para baixo. A glândula mamária da fêmea de peixe-boi fica embaixo do membro superior (que é um braço vestigial), onde em humanos corresponde à axila. Entretanto, a glândula mamária do peixe-boi não tem como armazenar o leite, e por isso, o líquido fica saindo o tempo todo. E o comportamento do animal se torna muito interessante de se observar exatamente por conta dessa particularidade: o filhote fica o tempo todo perto da mãe porque o leite a toda hora aflora. De vez em quando vem e dá sua lambidinha nutritiva. Por 2 anos nesse grude fofo e vital.

E se a mãe morre antes do filhote completar seu ciclo de amamentação? Nesse caso, outra mãe-peixe-boi do grupo local substitui, e o filhote não deixa de se alimentar em momento algum. Sem leite, ele não pode ficar. Incrível como o bicho evoluiu esse altruísmo pelo grupo, muito legal.

Filhotes de peixe-boi sendo alimentados por suas respectivas mamães. Repare como o filhote lambe a região debaixo da nadadeira, onde o leite “brota”. Estas fotos foram tiradas em Crystal River, na Flórida, em março passado. A de baixo foi a que abriu a reportagem da Mergulho mês passado.

O leite da fêmea do peixe-boi é muito rico em gordura (13%) e proteínas (7%) – assim como de golfinhos, também um mamífero aquático. Para termos de comparação, o leite de vaca tem em torno de 3.4% de gordura e o humano, 1.1%. Tanta gordura no leite provavelmente foi selecionada por atender a uma adaptação necessária ao ambiente em que o animal vive: debaixo d’água, onde a perda de calor é muito maior que na terra. Qualquer mecanismo fisiológico que guarde calor para o peixe-boi, como o aumento da camada de gordura, o beneficiará contra a hipotermia. Lembre-se: os mamíferos mantêm a temperatura corpórea de 37˚ graus, ou seja, é um grande gasto energético para que o peixe-boi viva numa água que na maior parte do tempo é fria. Precisa de muita energia na dieta para não perecer, principalmente nos primeiros momentos da vida.

Energia que, primordialmente, vem do leite materno, um ganho evolutivo imenso para a sobrevivência do grupo dos mamíferos. E cada peixe-boi, assim como nós, depende desse líquido como garantia fisiológica para um futuro saudável. Mais um capítulo maravilhoso da sempre intrigante história da teia da vida, que dessa vez põe peixes-bois e humanos em um só invólucro.

Tudo de mamífero sempre.

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– Esse post faz parte da blogagem coletiva sobre Amamentação que a Denise Arcoverde está organizando. Estamos na Semana Mundial da Amamentação, e eu convido todos a darem uma passada pelo blog da Denise para ver/ler/discutir/aprender com os outros participantes sobre o assunto. Vale a pena.

– As fotos desse post saíram dessas duas galerias da ArteSub: golfinhos rotadores e peixes-boi da Flórida.



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