por:
Lucia Malla
Animais, Comportamento, Ecologia & meio ambiente, Faça a sua parte, Mudanças climáticas
Publicado
06/04/2007
Hoje de tarde, como sempre faço, abri minha caixa postal de email. Algumas poucas mensagens, mas uma em particular me chamou a atenção: o remetente era Leonardo DiCaprio.
Óbvio, imediatamente pensei: spam. O filtro não funcionou e esse email acabou vindo parar no lugar errado. Olhei a linha do assunto, e uma outra palavra me chamou a atenção: “polar bear“. Aí atentei pro fato de que ao lado do nome de tão celebrado do ator, havia uma sigla: NRDC.
A ficha caiu. NRDC (National Resources Defense Council) é uma ONG americana que trata de problemas de áreas degradadas e espécies ameaçadas – e hoje obviamente cita aquecimento global como um de seus fronts de luta ambiental (que novidade). Eu recebo updates grátis deles por email, desde que uma amiga minha que trabalhava com eles há muito tempo me cadastrou lá. Como eles às vezes trazem notícias interessantes, nunca me preocupei em me descadastrar. Até que hoje, essa surpresa.
“Dear Lucia,
If you watched the Academy Awards, I’m sure you were as proud as I was that An Inconvenient Truth won the Oscar for Best Documentary.
The Oscar is a milestone in our fight . . . but now I’m asking for your help to keep the momentum going.
For the next few days, we have a narrow window of opportunity in which to help one of the first well-known victims of global warming: the polar bear.
Through my work as an NRDC trustee and their new Polar Bear S.O.S. campaign, I’ve learned that polar bear populations are already suffering the effects of a rapidly warming Earth: their birth rates are falling, fewer cubs are surviving, and more bears are drowning.
Each one of us can help polar bears by signing an Official Citizen Comment in favor of their protection under the Endangered Species Act.
When you do so, you’ll also be sending the Bush Administration a message loud and clear: that it must reckon with the pollution that is overheating our globe and threatening all living things.
I’ve already signed my own Official Citizen Comment — and used the Tell a Friend page to spread the word about this important campaign to my friends and family.
Now I’m asking you to do the same. We only have until April 9 to submit these Comments. To reach our goal of 500,000 signatures, we’re really going to need your help.
Let’s keep the winning streak we started with An Inconvenient Truth going . . . by winning this critical protection for the polar bear . . . and turning down the heat that threatens so many species on Earth, including our own.
Sincerely,
Leonardo DiCaprio NRDC Trustee
PS: I just finished an important environmental documentary film called The 11th Hour about the state of the world and humanity. Please watch out for it, it will be released this year.”
A carta basicamente pede apoio para a assinatura de uma petição para a preservação do urso polar. O uso de uma celebridade hoje tão ligada às causas ambientais é claramente uma jogada de marketing mais que propícia – já vejo hordas de adolescentes assinando a petição porque, afinal, “foi o próprio Leonardo quem escreveu pedindo“. Que “honra”, não?
Embora possa parecer ingênuo, essa é paradoxalmente uma das vantagens que vejo no filme de Al Gore – e há outros que concordam nesse aspecto. Ele trouxe para a mesa de jantar, para as rodinhas de violão da escola e para os círculos de amigos no boteco da esquina um debate que até então estava restrito à torre de marfim da Academia. Ele aproximou a massa de um problema científico, e isso para mim é uma vitória, principalmente num mundo onde a pseudo-ciência ainda infelizmente desvia (e ganha!) atenção da ciência de fato. Por mais que as discussões pela mídia a fora ainda estejam muito capengas, pelo menos as pessoas têm tentado se esclarecer sobre o assunto. Elas buscam as definições que os cientistas tanto falam e a mídia tanto martela, esforçam-se para entender o modelo. O problema é que climatologia é um tema muito complexo. O que falta é a academia entender que, devido a essa complexidade, precisamos levar o público pela mão até a informação segura, publicada em jornais revisados, explicar da forma mais simplificada possível, mostrar as dificuldades do campo. E é aí que está o papel social do cientista.
Nós, cientistas, devíamos seguir o exemplo de Kerry Emanuel, o meteorologista do MIT que, além de pesquisar o aumento da temperatura do mar do Golfo (link para seu artigo da Nature) e ajudar a criar modelos de medição climática, dedica parte de seu tempo divulgando aos leigos a ciência da climatologia, tão complexa e hoje, tão politizada. (Leiam por exemplo esse artigo excelente que ele escreveu para o Boston Review ou vejam o programa “Perfect Disaster: Anatomy of a Super Typhoon” do Discovery Channel, em que ele contribuiu.) Mas Emanuel é apenas um. Precisamos que seu exemplo se multiplique, que mais discussões sérias sejam fomentadas pela sociedade com a participação de academia e público leigo, que alternativas promissoras sejam discutidas, que nosso estilo de vida seja questionado, que exemplos sejam comentados e analisados, que as pessoas entendam a importância científica do tema no dia-a-dia delas e as implicações que as atitudes de cada um têm de fato. Ficar criticando as intenções de Al Gore com o seu documentário ou de Leonardo DiCaprio com seu envolvimento em ONGs e posando para capa de revista, por mais politicagem que seja, é desviar o foco de uma discussão séria com a sociedade sobre ciência para um escanteio de certa forma pouco pragmático. Devíamos aproveitar a oportunidade do tema tão massivamente presente na mídia para elevarmos o nível da divulgação científica e da discussão, e não investirmos em picuinhas. Já está mais que provado que somos responsáveis por parte dos problemas que estão aí. Que tal se vestíssemos a carapuça e procurássemos educar os demais, buscar soluções, e não ficar acusando quem pelo menos faz um pouco pelo ambiente? Eles precisam se tornar secundários.
Se fizermos isso de forma “energeticamente” eficiente (para usar o termo da moda), um email do Leonardo DiCaprio poderá não ser no futuro a estratégia mais efetiva para que uma adolescente se envolva pela causa ambiental de preservação de ursos polares, algo tão distante da realidade dela quanto os jardins suspensos da Babilônia. Ela já estará envolvida, com argumentos muito mais sólidos, porque gente competente propôs-se a educá-la com seriedade, clareza e discernimento. O bom conhecimento é contagioso – e contagiante.
Tudo de bom sempre.
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– Amigos: eu escrevi bastante sobre aquecimento global no início do ano aqui no blog (por isso, o linkfest malla desse texto). A idéia da discussão floresceu muito entre interessados não-cientistas a ponto de criarmos um blog próprio para tal tema, o Faça a sua parte. No início, eram apenas posts de aquecimento global, mas aos poucos o blog foi sendo maleabilizado para reflexões sobre nosso estilo de vida, dicas para sermos mais ecoconscientes, etc. Tem sido uma excelente surpresa ver os textos, comentários e dicas que aparecem por lá – e algumas se relacionam ainda com o tema geral “aquecimento global”. Pode ser um pequeno passo, mas pelo menos é um pouco da teoria da web: caiu na rede, é peixe lido. Por alguém, em algum lugar. Recomendo a visita.
– Esse texto é a minha contribuição para as discussões no Roda de Ciência, cujo tema do mês de março (e estendido para abril) é “Aquecimento global”. Sinceramente, esse tema, na conjuntura atual, está intimamente ligado ao de agosto, a “divulgação científica”. Numa época em que todo dia sai algo no jornal sobre aquecimento, é fundamental a meu ver que reflitamos sobre como anda a divulgação específica desse assunto e que possamos propor melhorias.
ATUALIZAÇÃO EM 05/AGOSTO/2016: Um estudo do PLoS One valida (de certa forma) porque é importante engajar celebridades em tópicos científicos cruciais do nosso tempo – como mudanças climáticas. O artigo analisou a reação ao discurso de Leonardo DiCaprio quando ganhou seu Oscar, no início de 2016. Vale a pena entender o “Leo effect”.