O Flavio Prada participa do Faça a sua parte, fala de arquitetura e urbanismo, de ações pessoais, inventa moda e tal. Mas ele não me engana. Seu blog pessoal é um lixo – tipo especial, entenda-se! Brincadeiras à parte, é um blogueiro irreverente e não há como esconder sua pretensão de conquistar o mundo, tornando Riva Del Garda sua capital-mor. Seus posts têm um teor irônico adorável nas entrelinhas. E ele é muito cabeça aberta e tendencioso a idéias de abalar estruturas: quem mais espalharia tão bizarro/maluco dia para comemorar… O quê mesmo? Dada toda essa bizarrice, fazer uma entrevista com o Flavio Prada é um desafio particular para mim.
Como nossas conversas no MSN normalmente demonstram, a probabilidade de se viajar na maionese e desviar do assunto era elevada – à milionésima potência. Somos dois delirantes, e duas pessoas assim, divagando à deriva, só pode dar nisso. Uma entrevista de viagem bem desfocada – e viajandona, na concepção anárquica da palavra. Ainda bem. Viaje junto a seu belprazer e risco nesta entrevista. Eu garanto: vale a pena.

Vamos começar a entrevista…
Flavio Prada: Estou ficando ansioso.
Você se considera mais ecoturista ou é mais adepto(a) aos passeios urbanos?
Flavio Prada: Eu faço as duas coisas e nunca me preocupei em preferir nada. Aliás acho estranho quem prefere algo. Claro que vivendo em cidade me movo mais em ambientes urbanos, mas em geral quando posso estou no meio do mato. Mas acho que ninguém irá se interessar por isso, ou vai?
Interessa sim, Flavio. Há pessoas que nitidamente preferem um ao outro.
Flavio Prada: Bem, não te respondi essa então, mas vamos à próxima da entrevista, hehehe.
Como você escolhe seus destinos? Amigos, curiosidade, internet etc.?
Flavio Prada: Escolho de acordo com a direção do vento, associado ao peso da carteira. Quero dizer, de acordo com budget e do que inspira no momento. Olha, sou tão desprogramado que não tenho um esquema pra nada. Acho que não estou te respondendo de novo, mas veja, eu não me programei pra responder também, de modo que estamos ao léo, ao sabor das ondas.
Estar ao sabor das ondas é bom, não se preocupe… uma hora elas chegam. Quem sabe… numa ilha deserta.
Flavio Prada: Chegam sempre! O mundo é todo feito de ondas.
Sísmicas, inclusive.
Flavio Prada: O mundo, quer dizer, esse planetinha aqui, parece sólido e estático, mas é um samba sem fim. Eu tento acompanhar o ritmo.
A gente faz o que pode… Ou pelo menos, tenta.
Flavio Prada: Eu não tento, eu faço, hehehe!
O homem que faz!
Flavio Prada: Hahahahaha! Mas em geral eu programo viagens longas e mais caras. Outras, são no mais das vezes decididas ou no dia anterior ou no próprio.
Você curte viajar em cima da hora?
Flavio Prada: Sem dúvida. E estando na Europa onde as distâncias são relativamente aceitáveis, pode-se fazer sem susto. Uma sexta à noite se diz: “Vamos à Áustria amanhã?” E no dia seguinte se parte.
Ai, que delícia, Flavio! Agora fiquei com vontade de te visitar… Pra irmos amanhã pra Áustria.
Flavio Prada: Ou Venezia. Ou Milão. Suíça. Montanhas, mar. Aquelas viagens de um ou dois dias. O bom é mesmo decidir e ir.
Descubra uma curiosidade em uma das muitas visitas que fiz ao Flavio na Itália.
Muito bom… e qual foi sua viagem inesquecível? Por quê?
Flavio Prada: Um preâmbulo aqui a esta entrevista: a minha memória, aquela pessoal e intransferível, depois que entreguei o encargo ao computador, funciona em modo intermitente e incostante. Dessa maneira, coisas inesquecíveis me vêm à mente espasmodicamente, tendo dias que a mente se envolve em um furor de nostalgia e em outros que dorme imperturbável.
Bem, posto isso, digo que agora me lembro das belas viagens de carro quando criança. Das viagens de avião que metem medo e por isso emocionam. Ou das viagens com os filhos que perguntam quando vamos chegar. Das viagens improvisadas da juventude com os amigos, onde se tangenciava a delinquência. Belas também as viagens obrigadas, as de estudo, de trabalho. Os deslocamentos do dia a dia. Me lembro às vezes com saudade de uma simples corrida no metrô, onde me encontrei por cinco minutos com a mulher de minha vida naquele momento, mas que perdi de vista no instante seguinte. Essas milhares de mulheres por quem me apaixonei assim por instantes, são uma bela recordação. Olha, podemos estar aqui nesta entrevista por horas.
Que belo isso que você disse! Todas as viagens têm a sua história, e a memória das emoções vividas é que as tornam indeléveis, não?
Flavio Prada: Exatamente. Eu curto o momento, seja ele qual for, porque é só meu e não se repetirá. A fotografia ajuda a reviver essas emoções mas você tem que trazê-las dentro.
Exato. As fotos são os instantâneos daqueles momentos marcantes. E acho que hoje, com as câmeras digitais, aumentou-se a probabilidade desses momentos, mas também meio que se banalizou, você não acha? Há uma dicotomia que insiste em deixar a dúvida.
Flavio Prada: Sim, eu percebo que quando vou em um lugar pela primeira vez, em geral tiro muitas fotos, mas percebo que quando volto pela segunda vez, e não perco tempo em documentar, a vivência é mais forte. Como você disse, é uma dicotomia interessante, fotografar com a câmera e/ou com a mente e o coração.
Veja neste post o talento fotográfico do Marcelo, filho do Flavio.
A vida é sempre duvidosa. Isso que é lindo, não?
Flavio Prada: Sem dúvida. Até porque partir para uma viagem tem um sentido de enfrentamento da realidade, de buscar a força e a coragem para tudo o mais na vida. Porque no nosso cotidiano nos cercamos de certezas o mais possível, por questões as mais várias, mas quando se quebra esse ritmo monótono, nos aproximamos do que somos de verdade, nos aproximamos do animal que reage ao ambiente e está é muito atento e com os olhos abertos. A viagem é sempre uma viagem pra dentro de nós mesmos e por isso marca e nos recarrega.
A viagem, antes de ser pra um lugar, é interna. É o sonho. O instintivo.
Flavio Prada: Sim. Por isso é importante viajar, estar em movimento e estar atento. Senão nos esquecemos da pasta de que somos feitos e não existe nada pior do que se afastar de si mesmo.
E nessas viagens todas, teve alguma que você não gostou? Por quê?
Flavio Prada: Bem, tive experiências desagradáveis aos montes, mas tudo serve pra compor o quadro. Acho que o belo é ter o quadro com todas as cores. Inclusive, certas coisas são relativas. Um momento terrível que pareceu durar uma eternidade pelo desespero, com a distância do tempo, faz sorrir, quando não vira piada. Eu já quase morri afogado por exemplo, mas não posso dizer que não tenha gostado. Se não fosse aquilo, eu não seria o que sou hoje.
Acho também, como você, que toda experiência conta. Mesmo as mais amargas. Tudo são cores no imenso quadro da vida.
Flavio Prada: Sim, já tive problemas de saúde viajando e é terrível, mas lembrando hoje, tenho a clara noção que o tempo passa e tudo muda; hoje estou aqui, tranquilo. Valeu também andar pelos lugares feios e horríveis pelos quais passei. Valorizaram ainda mais os belos.
E essa coisa de belo e feio é tão relativa, né?
Flavio Prada: Essa é uma discussão antiga e infinita e até vale a pena fazê-la, não aqui claro, mas essa do belo e o feio é a noção mais imediata, mas também a mais superficial de que se usa para avaliar algo. Vamos dizer que, na minha escala de 10, tem peso 1 no cômputo geral.
Ok, continuemos a entrevista então… 🙂
Flavio Prada: Vamos, sempre em movimento…
Qual a comida mais exótica/estranha que já comeu numa viagem?
Flavio Prada: Bem, uma vez na Alemanha acho que tive uma sequência de coisas que me fez sofrer um pouco. Era o chucrute mais azedo que eu pudesse imaginar, a cerveja era também azeda e quando eu disse que queria uma balinha pra adoçar a boca me deram uma coisa de liquirízia, que em geral aprecio, mas que me fez cuspir longe, onde aproveitei e demonstrei o quanto sou fino.
Hahaha! Cerveja azeda não dá. O chucrute tinha pimenta?
Flavio Prada: Não, era muito muito azedo, pior que limão verde.
Você tem alguma mania ao viajar? Tipo colecionar fotos de orelhões, beijar o chão ao chegar, etc.?
Flavio Prada: Tenho tantas manias que elas se confundem. Não saberia dizer uma específica ao viajar. Tipo?
Sei lá, eu coleciono fotos de orelhões, por exemplo. Mas orelhões divertidos 😀
Flavio Prada: Não, nesse sentido não tenho, não.
Qual sua trilha sonora preferida durante uma viagem? Alguma música em especial?
Não, vai do Milli Vanilli a Chopin e Debussy, passando por Zappa, Beatles e Texeirinha. Tô brincando. Não tenho preferência, somente o que o momento me reserva.
Você gosta de Zappa?!?! Que legal, eu adoro!
Flavio Prada: Ele é (era) genial e nasceu no mesmo dia que eu.
Sério? É então o dia das pessoas de humor refinado.
Flavio Prada: Deve ser, hehehe!
Qual o souvenir mais exótico que já trouxe de algum lugar?
Flavio Prada: Geleia de mocotó pro meu filho, que trouxe do Brasil em março.
Colombo?
Flavio Prada: Não, aquelas de duas cores, branca e rosa, um nojo.
E ele gostou? Como ele sabia da existência disso?
Flavio Prada:Porque alguém já tinha trazido pra ele e ele adorou aquilo.
Ah, a influência das amizades na vida de uma criança…
Flavio Prada: Pois é…
Deixa então agora uma dica sua especial, Flavio Prada.
Minha dica é uma repetição de algo que já disse: não fiquem parados!
Quase um lema de vida. A sua próxima viagem é para…
Flavio Prada: Eu acho que domingo faço um pulo até Avio, somente 30 Km, e vamos visitar um castelo que é conhecido por ser mal assombrado.
Cuidado com os fantasmas… E boa viagem! 🙂
Flavio Prada: Obrigada Lucia. Valeu pela entrevista.
Leia o post especial que o Flavio escreveu pro blog da Lucia Malla.