A vida cotidiana em Mata Utu, na capital de Wallis & Futuna é bastante peculiar.
Talvez por termos visitado o país na semana entre Natal e Ano Novo – quando normalmente o comércio fica mais devagar – o comércio e repartições abriram por poucas horas. Por isso também, a pausa de almoço era sagrada. Muitos aproveitavam para dormir sob a sombra dos coqueiros. Ou então se refrescavam com um mergulho no mar.
Estávamos ali para aproveitar o país (principalmente o mar). Mas era difícil se mobilizar. O calor úmido tropicalíssimo e abafado era exaustivo no meio do dia.
Terminamos alugando um carro no centro de Mata-Utu. Dirigimos então por nossa conta por alguns dias. Vale ressaltar: o carro era ultra-velho, estava bastante lamacento e era o único disponível na locadora, Que, por sinal, ficava dentro da loja de perfumes (!?!?).
Ida ao escritório de filatelia de Mata-Utu
Na única agência de correios de Mata-Utu, localizada em frente ao antigo palácio real, a maior sala é dedicada à coleção filatélica, orgulho do país.
Estivemos nesta agência numa manhã de dezembro. A atendente fez questão de nos informar que era a décima vez que um estrangeiro aparecia ali naquele ano. (Entenda-se estrangeiro como alguém que não era francês nem de territórios franceses.)
E éramos, claro, os primeiros brasileiros. Embora um dos moradores tenha garantido que há muitos anos uma brasileira casada com um suíço velejador aportara em Wallis por alguns meses. Sei lá o quanto isso pode ser verdade. Mas o fato é que Wallis parece ser mesmo um lugar esquecido do mundo. Portanto não duvido da legitimidade dessa afirmação.
Ver o tempo passar
O tempo em Wallis rege o rumo das atividades, e definitivamente segue o ritmo da maré. Se a maré está baixa, os barcos expostos no seco não podem sair pra pescar. Então que se façam outras atividades – ir ao mercado, por exemplo.
Quando a maré enche, hora de ir para o mar. Ou passear em algum dos motus, ilhotas próximas à barreira de corais que circunda a ilha principal e próximas à costa de Wallis.
À tardinha, a juventude se reúne próxima ao porto para conversar e ver o sol se pôr, enquanto as crianças brincam na rua beira-mar. Uma inacreditável rotina parada no tempo.
As bizarras igrejas de Wallis & Futuna
A religião católica é predominante e dita muitas das regras sociais de Wallis. Em cada vilarejo do país existe pelo menos uma suntuosa igreja. Todas com uma bizarra e única arquitetura em tijolo preto & branco, com decoração vividamente colorida. Mereceram um post à parte, tamanha estranheza causam a qualquer um. Aliás, é só do que se fala nos fóruns online sobre visitas a Wallis.
Em todos os motus que circundam Wallis, há pelo menos um altar/capela com uma cruz. Aleem de pedaços de tecidos, oferendas deixadas pelos wallisianos que vão até estas ilhotas para pescar, descansar ou fazer piquenique. A missa de domingo em alguma das muitas igrejas da ilha é dos eventos mais importantes da sociedade wallisiana. Serve de ponto de encontro das famílias e de celebrações de diversas datas importantes. Nestes encontros, ocorrem rituais que misturam a fé católica com a tradição melanésia.
Visita à fortaleza tongana de Talietumu
No passado mais distante – em torno de 1400 AC – Wallis tinha forte influência do povo das ilhas Samoa. Entretanto, sofria invasões constantes dos guerreiros de Tonga que, embora não tenham conseguido manter a ilha para eles, construíram diversas fortalezas que garantiam sua posição estratégica. (Há de se ressaltar que, embora na região Melanésia, Wallis é tradicionalmente polinésio, assim como Tonga.) Estas fortalezas tonganas são das mais interessantes relíquias arqueológicas existentes entre os países do Pacífico – talvez só não superem Nan Madol.
A de maior destaque é a fortaleza de Talietumu. Em Talietumu, ainda podemos ver os caminhos de pedra feitos para o rei, que, de acordo com a cultura tongana, não pode encostar o pé no chão. Há também resquícios arquitetônicos da muralha, da torre de observação e de diversos prédios, incluindo a fale, espécie de construção tradicional central à vida cotidiana de quem ali residia.
Monumento aos wallisianos
No passado mais recente, o país participou da resistência francesa ao nazismo, enviando 50 cidadãos wallisianos para lutarem com Charles De Gaulle. Em Mata-Utu, no quarteirão onde ficam os escritórios do governo federal, há uma placa homenageando estes patriotas do Pacífico que deram suas vidas pela França-mãe.
Visita ao Lago Lalolalo
Em termos de atrativos naturais, além dos motus, Wallis conta com um lago peculiar, o Lalolalo. O lago é uma cratera vulcânica alagada. Visto de cima, forma um círculo perfeito na parte sudeste de Wallis, circundado por uma floresta densa. Para chegar até ele, não há sinalização alguma indicando a estrada até o Lalolalo, nem aos demais lagos de origem similar que existem em Wallis – você vai ter que perguntar a quem estiver na estrada.
De sua borda, percebe-se que se está em um penhasco totalmente vertical a cerca de 30 metros da água. Muitos pássaros habitam os arredores do lago e há nele algumas espécies de peixe.
Mergulho em Wallis & Futuna
Mergulhar no lago Lalolalo exige um rapel perigoso. Mas Pascal, o responsável pela única operadora de mergulho da ilha, a Évasion Bleue, afirma que já o fez algumas vezes e que não há muito o que se ver. São 80 metros de profundidade de pouca vida e muito silêncio. O silêncio, aliás, é a principal atração desta bizarrice natural.
O mesmo Pascal leva para o mergulho nos recifes de corais de Wallis. Estes recifes são dignos de muitas e repetidas visitas, tamanha a qualidade da vida que ainda aflora ali. (Para mais detalhes sobre o mergulho em Wallis.)
Passeio de barco nos motus
A ilha conta com quatro canais principais em sua barreira de coral. Neles, decerto, a riqueza da biodiversidade de peixes é impressionante. Apesar da pressão pesqueira, a saúde dos corais ainda é evidente. Talvez seja dos últimos refúgios do planeta não impactados pelo turismo ou pelos humanos.
A um raro turista (como nós éramos ali), a principal diversão em Wallis é passear nos motus. Em Mata-Utu, há quatro deles bem em frente ao porto: Luaniva, Fugalei, Nukuione e Nukuifala. Visitamos todos e mergulhamos ao redor de todos eles, afinal. Na maré baixa, a areia entre Luaniva e Fugalei fica à vista. É então possível cruzar de uma ilha a outra à pé.
O mesmo acontece ao sul de Wallis, entre os motus de Nukuatea e Îlot St. Christophe.
Por ser pequeno e totalmente protegido pela barreira de corais externa da ilha, é possível tranquilamente dar a volta em Nukuatea nadando e snorkelando. E observando os corais e peixes que abundam. Ou então subir a escadaria que leva à capela do motu.
Ou simplesmente sentar na beira da praia, com a água quentinha típica dos trópicos, apreciando o ritmo das marolas e da maré, como um bom wallisiano faz.
Independente da escolha, entretanto, Wallis ainda exala em suas ruas o bucolismo de um lugar pouco explorado e muito bem esquecido das hordas de pessoas. Um verdadeiro paraíso perdido no meio do Pacífico, sonho de tantos e realidade de tão poucos. Que os wallisianos consigam manter esta raridade silenciosa assim… por muito tempo, enfim.
Tudo de Pacífico sempre.