Zappeando

por: Lucia Malla Música

O post de hoje foi escrito a 4 mãos, 2 teclados e milhares de quilômetros de distância. Mas ouvidos interconectados. Não está aqui. Está lá no impop. Minha viagem de fã de carteirinha do tubarão amarelo e as considerações de não-fão (portanto, bem mais ponderadas) de el Tiagón. Uma ode ao Zappa.

Sugestão: leia no volume máximo. Zappeando.

Tudo de Zappa sempre.

“The Yellow Shark”

Eu não entendo de música. Faço minhas viagens musicais, apenas, e são ultra-pessoais. Mas fui inspirada a escrever sobre. O que me inspirou para tal crime ao impop foi um texto compartilhado pelo Tiagón no seu GReader. Vindo do PQP Bach, falava da fase de música orquestral de Frank Zappa. Mais exatamente, do célebre London Symphony Orchestra (que eu adoro, diga-se de passagem). 

Impossível falar em Frank Zappa sem citar sua ironia e crítica a absolutamente tudo que passava por sua vida – e algumas vezes tenho a impressão de que essa era a forma que ele achava de mostrar algo de valor às pessoas: ironizando. Das músicas do início de sua carreira, com Mothers of Invention – que culminaram no delicioso We’re only in it for the money, de 1968, uma crítica clara ao flower-power álbum de 1967 Sargent Pepper’s, dos Beatles. Até o The Yellow Shark, último disco de composições dele lançado em 1993, meses antes de sua morte em dezembro. Lembro, aliás, de ler no obituário da Veja sobre o fato. 

A genialidade de Zappa no Yellow Shark

The Yellow Shark é uma compilação de músicas da sua carreira tocadas pela orquestra alemã Ensemble Modern, na época uma das poucas a valorizar o experimentalismo zappônico. Mas para entender o impacto musical de Yellow Shark, é necessário relembrar Jazz from hell (1986), ou pelo menos uma faixa do disco: “G-spot tornado“. 

Jazz from Hell é o ápice do experimentalismo de Zappa com o synclavier, um sintetizador  onde ele gerava composições as mais tresloucadas sem uso de nenhum instrumento e as executava ao belprazer. Era o “instrumento” perfeito para o seu cérebro super-criativo e fervilhante de ideias. Jazz from hellé o jazz livre feito por uma máquina – o modo Zappa de criticar o free jazz, talvez.

“G-spot tornado”, com sua levada frenética, fecha o disco e deixa o ouvinte meio que ao fim de uma luta quase sexual com o som: a música termina em pleno clímax. De acordo com o próprio Zappa, “G-spot tornado” era impossível de ser tocada por um ser humano. E foi por causa dessa afirmação que The Yellow Shark virou uma obra singular.

A homenagem em Frankfurt a G-Spot Tornado

O festival de Frankfurt decidiu homenagear Frank Zappa em suas apresentações de 1992. Para tal, a orquestra Ensemble Modern escolheu, junto à Zappa, as músicas a serem tocadas – cuja apresentação em Frankfurt, uma das poucas que Zappa pôde participar, finaliza com “G-spot tornado” conduzida pelo próprio Zappa. Um clássico para fãs. Para as apresentações de The Yellow Shark pela Ensemble Modern, Zappa exigiu que os instrumentos da orquestra tivessem amplificação como uma banda de rock, o que torna a sonoridade muito peculiar. É o que dá amplitude magnífica a “Outrage at Valdez“, por exemplo. Cabe ainda destacar “Welcome to United States“, cuja letra nada mais é que o antigo formulário da imigração americana para pedido de vistos, interpretado da maneira Zappa de ser. 😀

Mas é um Zappa nitidamente emocionado, num senso de êxtase calmo, a imagem que fica do The Yellow Shark (e por isso a capa é simbólica ao extremo). Sua música “intocável” havia sido, enfim, tocada por um bando de humanos.  Suas composições haviam passado finalmente de devaneios da sua cabeça mirabolante para a História da música. Zappa podia descansar em paz.

P.S.

  • Se eu tivesse que escolher três discos pra levar pra uma ilha deserta, Yellow Shark seria um deles.
  • Agradeço ao grande Gabriel por atiçar meu interesse inicial pela música de Zappa. Além das incansáveis horas de som zappônico que me forneceu ao longo da vida.
  • Eu raramente comento sobre música aqui no blog. Mas de vez em quando rola. Aos curiosos, para ler outros posts musicais, clique aqui.


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