Conhecimento

por: Lucia Malla Ciência, Evolução

Há algum tempo, eu e 5 amigos de faculdade começamos a trocar emails, em geral perguntando notícias de cada um, visto que morávamos em cidades diferentes. Nada mais normal entre amigos. Entretanto, não somos um grupo normal e sim um bando de loucos apaixonados/obcecados pelo estudo da vida (e trabalhando cada um em uma área diferente). Logo, esses emails deixaram de lado o caráter estritamente pessoal e se tornaram conversas desinteressadas sobre… biologia. E conhecimento.

E desde então, esses 6 indivíduos malucos (que se tratam por codinomes/apelidos os mais esdrúxulos possíveis e apelidam também os lugares por onde passam e cenas que vivem, criando um dialeto inalcançável aos demais ao redor) trocam emails frequentes sobre diversos aspectos profissionais, práticos, teóricos, acadêmicos, filosóficos e viajantes da carreira de biólogo e da carreira de ser vivo na Terra. Conhecimento aleatório.

Origem da vida na Terra

Na última série de emails, a discussão tem ficado em torno de evolução molecular, ou mais claramente, a origem da vida na Terra. Não quero colocar aqui as idéias profundas e detalhadas que têm sido suscitadas. Mas não posso deixar passar o fato da minha completa desatualização a respeito de conceitos modernos da Biologia. Melhor dizendo, minha ignorância. Após quase 10 anos de formada, sinto que preciso de uma reciclagem profunda em vários conceitos.

Conhecimento

Só sei que nada sei.

My name is LUCA

O primeiro termo desconhecido que veio à tona foi o de LUCA. Que raios é LUCA? Um dos emails clarificou a idéia: sigla em inglês de “Last Universal Common Ancestor”, ou em boa tradução, o “último ancestral comum do universo”. O ser vivo (ou não) que gerou todas as demais formas de vida que vemos hoje. Campo fértil de especulação, é o conceito onde ciência e crenças supra-naturais se esbarram, confrontam-se, esperneiam, e atiram a primeira pedra. É de onde sai, em última instância, toda a base filosófica para as batatadas do “design inteligente” e para os questionamentos científicos reais à teoria darwiniana. Enfim, meu primeiro choque de desconhecimento total.

A idéia do “LUCA” trouxe outra realidade mais assustadora: eu não sabia a atual divisão geral dos seres vivos. Que bióloga sou eu que não tinha essa informação atualizada na ponta da língua???? Já havia me deparado com suspeitas de que alguma coisa tinha sido profundamente alterada. Mas não me passava pela cabeça que essa mudança foi consequência da mudança teórica especulativa sobre a própria origem da vida. Traduzindo em miúdos: no passado remoto e enterrado, tudo se dividia entre os reinos mineral, vegetal e animal.

Reorganizando a vida

Conhecimento

Aqui viveu Lineu. (Em Estocolmo.)

Aí veio Lineu, com sua organização taxonômica clássica. E categorizou mais claramente os grandes reinos, prestando mais atenção às diferenças morfológicas entre espécies e implantando inclusive o sistema de 2 nomes em latim que usamos até hoje para definir espécies como em Homo sapiens. Quando estava na faculdade, há 10 anos, aprendi que havia 5 reinos de seres vivos: bactérias, protozoários, fungos, animais e plantas.

Pois bem, hoje isso acabou. Tudo que é vivente está englobado em uma das 3 divisões: bactérias, arqueobactérias e eucariotos (com células possuidoras de núcleo definido, ou seja, material genético compartimentalizado). A mudança veio a partir dos avanços da biologia molecular, da genética, da melhoria das técnicas de categorização e morfologia. Estes avanços possibilitaram reformular a organização anterior, cheia de falhas e questões. Nunca teremos uma divisão perfeita, visto que quanto mais de perto olhamos para a diferença entre espécies, mais difícil é para separá-la com clareza. Mas já é uma melhoria organizacional, sem dúvida. Subimos um degrau na escada do conhecimento. E eu nem sabia.

Atualizando…

E hoje à noite, o ciclo de desconhecimento se completou ao ligar a TV. Assisti a um documentário do National Geographic sobre evolução humana. Todas as novas teorias, especulações e idéias estavam lá, mostrando que a idéia de que nossa evolução monofilética está cada vez mais separada da realidade do que provavelmente aconteceu. Espécies que eu nunca tinha ouvido falar surgiram na minha tela. Com paleontólogos, arqueólogos e geneticistas comprovando a existência, esfregando aquela informação na minha cara. Um verdadeiro curso básico de conhecimento em evolução humana, que definitivamente estava precisando pra desempoeirar.

Não parou por aí. Bastou eu ficar mais intrigada ainda e procurar me atualizar em campos onde não mais atuo para constatar o quanto estou deixando de conhecer a biologia que aprendi na faculdade. O quanto a ciência mudou – algo inevitável, diga-se de passagem. E para cada novo conceito que surge, precisamos manter a cabeça aberta. Não deixar os preconceitos, dogmas e idéias rançosas e empoeiradas do passado fixarem no cérebro impedindo o novo de entrar.

O novo conhecimento não é isento de crítica, é claro. Afinal, a crítica é a base do método científico. Mas, assim que a hipótese é aceita por experimentação dentro desse próprio método, ela precisa ter um terreno fértil e livre para se ampliar, se memetizar. Não encontrar as barreiras de preconceito. Talvez seja preciso rever os métodos científicos. Aliás, provavelmente outro campo em que ando desatualizada, a filosofia da ciência. (Thomas Kuhn ainda dita idéias?)

Um novo conhecimento a cada segundo

A constatação de que a quantidade de informação hoje é infinitamente maior que a capacidade de assimilação em tempo hábil do mundo ao redor me assusta. A biologia é o meu exemplo pessoal, porque é o que eu vivo. Mas não sou ingênua de pensar que sou a única a enfrentar esse dilema. Nem que ele não exista em outros campos da vida. Constatar que o nosso limite de assimilação é finito gera um incômodo intelectual, cuja solução parece ser apenas estarmos abertos a novas idéias, livres de preconceito. E principalmente, sabendo que aquela máxima antiga é ainda a mais verdadeira: só sei que nada sei.

Tudo de bom sempre.



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