Mulheres invisíveis

por: Lucia Malla Ciência, Comportamento, Livros

50% da população humana está subrepresentada em diversos bancos de dados, análises e tomadas de decisão. São as “mulheres invisíveis” e é sobre esta estatística macabra e tenebrosa que se debruça Caroline Criado-Pérez em seu livro “Invisible Women – Exposing data bias in a world designed for men“. O livro ainda não tem tradução em português, infelizmente.

Invisible Women - Caroline Criado-Pérez - Mulheres Invisíveis

Falta de dados e bias

É um livro sobre dados, acima de tudo. Ou melhor, sobre a falta deles. O que, por consequência, torna as mulheres invisíveis na sociedade. Mas, mesmo dentro dessa enormidade de não-dados, a autora consegue pinçar os poucos dados que existem para montar um painel geral robusto e assustador do quanto a diminuição da mulher na sociedade é sistêmica, muito mais enraizada e profunda que imagina nossa vã filosofia.

Criado-Pérez desafia a cada página o conceito de “critérios objetivos” para qualquer análise de dados. Isto porque a maioria destes “critérios objetivos” na realidade foram decididos por homens com o bias inconsciente da vida masculina, sem levar em conta diversas nuances da vida feminina. Este bias só existe porque há pouquíssimos dados que incluam as mulheres. Além disso, quando muitos argumentam que no mundo do “big data” este problema acabará – afinal, os dados de todos sem exceção estarão sendo agregados -, a autora contra-argumenta mostrando que até os critérios “objetivos” de algoritmos (criados por cientistas de computação, ou seja, pessoas, lembremos bem), têm um forte bias que termina “esquecendo” das mulheres.

Há trechos revoltantes, que te dão um nó no estômago. O pior de todos aparece no capítulo em que ela descreve a falta de banheiros públicos femininos na Índia, e o quanto isso contribui para o aumento da violência sexual feminina nas camadas mais pobres da sociedade. Só lendo para se entender o tamanho do buraco desesperador a que estas mulheres estão submetidas por decisões majoritariamente feitas por homens e para facilitar a vida dos homens, apenas.

Mulheres invisíveis na ciência

O livro discute inúmeros outros exemplos desta sistêmica falta de dados femininos, que prejudica desde aspectos simples, como escolher um caminho para casa, e que gera problemas mais complicados, de saúde e violência sexual. Mas não apenas discute: traz dados e mais dados para corroborar suas argumentações. O que mais me impressionou neste livro foi o trabalho de levantamento de dados e literatura sobre o sexo feminino, principalmente quando sabemos que esta é precisamente o buraco da maior parte das análises. Pérez-Criado foi a fundo, e mostra de maneira clara todos os buracos de diversas decisões e aspectos de nossa sociedade, exatamente porque as mulheres não estão neles representadas, ouvidas ou analisadas.

Destes exemplos, o que mais me chocou foram os ligados à minha área de trabalho, a ciência. Não só a falta de representatividade da mulher na ciência. Mas também o quanto fomos sistematicamente “esquecendo” de analisar o sexo feminino na pesquisa científica por séculos. Ao ponto de ser necessário que as instituições financiadoras idôneas fizessem regulamentações pelas quais o financiamento da pesquisa só é liberado se você usa ambos os sexos nos experimentos. Porque se deixassem sem esse tipo de regulamentação teríamos ainda trabalhos e mais trabalhos publicados apenas analisando o sexo masculino em experimentos. E pior: inferindo que no sexo feminino os mesmos resultados ocorrerão, sem dado algum para suportar esta inferência. Pois inúmeros exemplos de drogas que ou não funcionam ou funcionam demais (e chegam a matar) em mulheres mostram que esta inferência é completamente equivocada.

Soluções

Pois a autora Caroline Criado-Pérez não apenas aponta os problemas. Ele sugere alguns questionamentos cruciais e simples para que as análises de tudo pelo mundo sejam mais inclusivas. Interessantemente, tudo passa pelo mesmo ponto: representatividade. Nas palavras de Criado-Pérez:

“The solution to the sex and gender data gap is clear: we have to close the female representation gap. When women are involved in decision-making, in research, in knowledge production, women do not get forgotten.”

“A solução para a falta de dados de sexo e gênero é clara: nós precisamos acabar com a falta de representatividade feminina. Quando mulheres estão envolvidas no processo de tomada de decisão, em pesquisa, em produção de conhecimento, as mulheres não são esquecidas.”

É só com esta representatividade maior que consideremos começar a resolver o problema da falta de dados femininos. “Invisible Women” é sensacional e você termina a leitura com mais questionamentos indeléveis, que te levam a refletir a cada momento da vida. Recomendo muito, para mulheres e homens.

P.S.



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