O ano de 2020 tem sido realmente intenso. Ou como bem disse a neozelandesa Jacinda Adern outro dia, “francamente terrível”. Então, já que a sensação de apocalipse parece ser geral, resolvi pular etapas e aprender logo sobre o fim de tudo. Mas tudo mesmo. Afinal, “The End of Everything (Astrophysically speaking)”, de Katie Mack e que em português seria “O fim de tudo (astrofisicamente falando)”, nos transmite de maneira fluida as principais hipóteses vigentes para o fim do universo em que vivemos. Ou seja, o apocalipse final.

Sobre a autora: astrofísica Katie Mack
A autora do livro é Katie Mack, uma cosmologista teórica da North Carolina State University. Katie é ativa usuária do twitter (@AstroKatie), onde nos presenteia com incríveis tiradas irônicas, cheias de sarcasmo, sobre astronomia em geral. Como ela mesmo se descreve, ela adora “catástrofes cósmicas”. E nada pode ser mais catastrófico que o fim do universo, né?
Sinceramente, foi o jeito claro com que Katie Mack explica sobre temas complexos no twitter que me conquistou. E que me levou a querer ler seu livro de estréia. Afinal, ela é tão didática e acessível que poderia transformar um assunto complicadíssimo em algo mais digerível.
Foi exatamente o que Katie Mack fez. Treinada ao espaço de 280 caracteres, ela manteve sua concisão ao explicar conceitos de astrofísica teórica desde os mais simples como o de espaço-tempo, até os mais viajandões, como o falso vácuo do campo de Higgs. Entretanto, tendo mais espaço a cada capítulo, pode também nos presentear com uma riqueza de detalhes maior para cada história de descoberta, cada observação luminosa e cada cálculo matemático que pode levar ao fim do universo. “The End of Everything” não contém nenhuma equação (para não assustar ninguém), mas consegue nos fazer ficar curiosos pelas equações de que tanto comenta. Portanto, é um livro perfeito de introdução para leigos que querem aprender mais sobre o fim do universo.
O começo do universo
O livro começa contando a história de como surgiu o universo. O Big Bang, afinal, que é popularmente tratado como a “explosão inicial”. Confesso que neste capítulo Katie Mack me levou a cantar mentalmente a música do Barenaked Ladies da abertura de “The Big Bang Theory” non-stop.
“Our whole universe was in a hot, dense state/ Then 14 billion years ago expansion started…”
“Todo o nosso universo estava num estado quente, denso/ Até que há 14 bilhões de anos a expansão começou…”
Porque foi assim que o universo começou. Mas, como tudo na vida, há sempre um início, um meio e um fim. O meio do universo é onde estamos. É a partir dos dados angariados neste momento intermediário da nossa vida que podemos hipotetizar diferentes maneiras de como o universo acabará.
Quando será o fim do universo
As estimativas variam muito. Afinal, astronomia costuma lidar com milhões e bilhões de anos corriqueiramente. Mas o fato é que o universo deve terminar daqui a uns 200 bilhões de anos. Devemos nos preocupar? Absolutamente não – a não ser pela curiosidade científica maravilhosa inerente a esta questão. Até porque, muito antes disso, o sol já terá queimado todo seu hélio e se tornado menos ativo, tendo engolido a Terra e sendo, enfim, engolido por outras nebulosas.
Como será o fim do universo
Já COMO será o fim do universo é a questão central de “The End of Everything”. O livro discute quatro possibilidades aventadas pelos cosmologistas teóricos do mundo. Todas são incríveis demais.
- Big Crunch
- Heat Death
- Big Rip
- Vacuum Decay
O Big Crunch seria o caminho oposto ao Big Bang: o universo em contração contínua, depois deste período de expansão, aos poucos voltando à densidade inicial. No Heat Death (também chamado de Big Freeze), à medida que o universo se expande, a matéria diminuiria de densidade cada vez mais. Então, somente radiação existiria. Neste contexto, as leis da termodinâmica diminuiriam a temperatura até o mínimo possível ao mesmo tempo que a entropia seria a máxima possível. Isto causaria um vazio gigantesco a caminho da escuridão isolada.
Já no caso do Big Rip, que pode ocorrer em ~188 bilhões de anos, a expansão contínua do universo levaria as galáxias a se alongarem tanto que aos poucos vão evaporando. Com isso, a força gravitacional vai desaparecendo, o que leva planetas e estrelas à explosão.
Vacuum Decay
A última possibilidade de fim do universo, o Vacuum Decay, é a mais radical de todas. Além de minha favorita.
De acordo com a explicação de Katie Mack, vivemos num universo sob o campo de Higgs (lembra do Bóson de Higgs? Pois, o mesmo). Neste campo, pode ser que estejamos num “estado falso”. Isto porque pode ser que o campo de Higgs tenha um “estado verdadeiro”. Mas mesmo sendo “falso”, é nele que todas as leis da natureza que conhecemos funcionam.
Entretanto, há um potencial de transferência do campo de Higgs de um estado “falso” para um estado “verdadeiro”. Para que aconteça, basta que haja energia potencial suficiente para “empurrar” esta mudança. O gráfico abaixo ilustra estes estados do universo – e me deixou ao mesmo tempo estupefata e maravilhada.

Caso o campo de Higgs mude para seu estado verdadeiro, todas as leis que conhecemos da matéria e energia não se adequam mais. O resultado é o mais catastrófico e incrível possível: o universo inteiro desapareceria mais rápido que um piscar de olhos. Porque tudo, toda a matéria existente, se desestabilizaria imediatamente.
Não é fantástico? E a gente vive todo dia com esta possibilidade! (Minusculíssima, óbvio, mas ainda assim…)
Para pensar antes do fim de tudo
Apesar de ser, afinal, um livro sobre destruição e catástrofe, “The End of Everything” termina com diversas notas positivas. Katie Mack escolheu perguntar a diversos cosmologistas teóricos suas reflexões sobre a vida, sabendo o que sabem sobre as possibilidades do fim de tudo. Estas reflexões são preciosas, porque contextualizam muito das nossas emoções, tanto na prática quanto na filosofia que carregamos pela vida.
“At some point, in a cosmic sense, it will not have mattered that we ever lived.”
(Katie Mack)
“We’re in so much deeper trouble than the Heat Death of the universe. (…) If I’m going to worry about anything, it’s gonna be those [problems that we face as a civilization], not the Heat Death. I just don’t really have an emotional connection to the death of the universe, but I do to the death of the Earth. […] I don’t want the Earth to die in fifty years.”
(Andrew Pontzen)
Mas, como a própria autora lembra, há uma grande diferença emocional entre “continuamos para sempre” e “não continuamos para sempre”. Saber que há um fim de tudo nos faz mergulhar em filosofices profundas. Como disse Jonathan Pritchard, cosmologista de Londres.
“I very much like our blip-ness… […] the transience of things. It’s the doing. It’s the process. The journey. Who cares where you get to, right?”
A jornada é o que vale. Buscar e descobrir conhecimento científico das leis que regem nossas galáxias, estrelas e planetas já garante ao ser humano, entretanto, uma viagem extremamente prazeirosa pelo universo.
Tudo de bom sempre.
P.S.
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