Em meu último post de desafio, deixei a foto de uma igrejinha para que as pessoas tentassem descobrir onde fica. Confesso que achei que seria um desafio facílimo, já que tal construção fica muito perto de São Paulo. Mas até agora, ninguém acertou, então minhas inquietações afloraram tanto, que finalmente deixei lá a resposta. O fato é que o desconhecimento de uma cidade tão pertinho de Sampa me levou a viajar supor que as pessoas talvez não conheçam os arredores de onde moram… Aliás, nem a própria cidade, já que eu mesma, viajante inveterada, carioca da gema, levei 23 anos para subir no Corcovado. Ainda mais outros 32 para finalmente conhecer a simpaticíssima Vista Chinesa.
O que é viajar?
Isso revela um lado da nossa natureza humana em busca sempre da novidade. Queremos o novo, mas o novo não precisa ser só “novo”: precisa ser “distante” da nossa realidade. As pessoas não encaram ir a cidade vizinha como uma “viagem”. Viajar parece ser apenas o ato de ir a mais de (x + y) quilômetros (cada um escolhe seu limiar para resolver a equação), embora nada efetivamente defina isso num livro. Mas na nossa cabeça é assim. O que me leva a outra viagem na maionese, claro.
O que é viajar, afinal? Viajar significa, na definição mais simples do Michaelis:
“viajar vi.a.jar (viagem+ar2) vti e vint 1 Fazer viagem; ir de um lugar para outro ou outros: Viajar para algum lugar. Viajar pelos sertões. Há muito já não viajo.”
Ou seja, o mero andar de um ponto X a um ponto Y. Nessa definição mais que abrangente, ir na padaria da esquina pode ser uma “viagem”. Eu gosto dessa definição, porque ela nos tira de um monte de amarras que temos com o ato de viajar. A principal delas é a financeira (que parece ser a maior amarra da maior parte das pessoas). Simplifica o ato.
Como se tornar uma viajante inveterada
Desde criança, meus pais me incentivaram a viajar. Ainda bebê, aliás, havia um instinto de querer conhecer outros mundos, “viajar” – e eu arrastava sacolas plásticas de supermercados com roupas dentro pela sala de casa, indicando às visitas que queria conhecer um pouco do mundo físico delas. Aparecia uma dessas “excursões” de escola e eu era talvez a única da minha classe que não precisava nem perguntar se podia ir: tinha certeza que meus pais me apoiavam nessa empreitada. Isso porque meu pai era (e é ainda) uma pessoa que curte muito cair na estrada.
Aí na adolescência e pré-vida adulta, quando estava na faculdade, eu me pegava sem dinheiro algum. Mas queria viajar, e ao primeiro sinal de 20 reais eu comprava uma passagem pra cidade vizinha e passava o dia lá, no estômago apenas um pão de queijo e um cafémas na cabeça a inquietação para conhecer outros mundos. Às vezes uma senhorinha bondosa, dessas que vão à igreja todo fim de tarde, me via olhando curiosamente pelas ruas de uma cidadezinha qualquer perdida de Minas e me oferecia um café em sua cadeira na varanda – e um tico de prosa deliciosa, trazendo lições universais de uma vida inteira entre dois pedaços de broa. E eu viajava ali, sentada numa calçada nova.

Relatos de viagens que nos fazem viajar
Eu adoro relatos de viagens. Meus, dos amigos, de desconhecidos… É das minhas leituras prediletas em qualquer momento da vida. Não à toa, adoro todos os blogs de viagem que conheço que contam verdadeiras histórias em seus posts, principalmente os recheados de fotografias e emoções. A Luisa e a Emília são minhas mestras nessa vertente, por exemplo. Os relatos de viagens me fazem viajar com eles, entender perspectivas e inquietações diferentes. E gosto de perceber a perspectiva que as outras pessoas têm de uma mesma situação, o quão diferente é essa percepção de um mesmo destino e o quão isso muda de acordo com quem o experimentou. Adoro as inquietações dos outros.
Por exemplo, recentemente, a blogosfera brazuca foi inundada por posts de viagem a um mesmo destino, “culpa” de um evento propagandístico-marketeiro. Mais que análises midiáticas (que disso eu não entendo mesmo), eu, viciada declarada em relatos de viagens, adorei a “experimentação” quase científica. Afinal, o fato de ouvir em relatos de viagens as histórias de tantas pessoas em curto espaço de tempo sobre o mesmo ponto é impagável. Porque, muito mais que meras descrições das atrações legais de um lugar bonito (isso qualquer guia de viagens já faz), elas também trazem o olhar de cada um e realçam a realidade pungente de que viajar é, muitas vezes, se incomodar.
Em minha opinião, faz bem esse incômodo que um lugar novo oferece: é ele que nos faz pensar, refletir. São as inquietações da experiência nova, distante da nossa realidade, seja ela na padaria da esquina, na calçada de uma cidadezinha, em Pernambuco ou em Bangkoc que nos levam a aprender algo. Que embaralham nossa perspectiva acomodada de vida e que tornam o ato de ir e vir muito mais complexo do que a mera definição. Que nos permitem entender porque esse é um direito humano fundamental. O mundo seria mais bacana se mais pessoas viajasssem. Porque viajar enriquece a nossa aventura de viver.
Viajemos e nos inundemos de inquietações sempre, para quem sabe, perceber com outros olhos a nossa própria realidade rotineira.

Tudo de bom sempre.