Eu adoro viajar, como todos devem estar carecas de saber. O que poucos sabem é que um dos momentos que mais me inspira numa viagem é quando não entendo absolutamente nada do que o povo local fala/escreve/expressa. Há ali uma incógnita deliciosa; uma oportunidade de prestar atenção na sonoridade e na musicalidade da língua sem se ater ao que efetivamente está se falando, ao significado; uma abertura para novos sons, sotaques e possiblidades fonéticas.
Para muitos, entretanto, estar “lost in translation” é um pesadelo. Entendo: é o momento em que você sai totalmente da sua zona de conforto e isso tem grandes chances de ser uma experiência traumatizante, principalmente num país alheio. Há a sensação de insegurança contínua – porque a língua é um dos portos mais seguros de um viajante, e quando você desancora dela, o barco pode ficar à deriva. Há o medo de ser mal-compreendido. Há a ansiedade a cada tentativa de interação, frustrada ou não. Há principalmente a sensação de impotência linguística. E há, é claro, as emergências, médicas e quetais, quando comunicação clara é imprescindível, e você torce a cada segundo no país de língua estranha para não passar por um apuro desses.
(Mas minha experiência parca me diz que não há (quase) nada que uma boa mímica não resolva, em qualquer canto do mundo, mesmo em algumas emergências.)
Nesta última viagem, fomos à Croácia e confesso que para mim, os primeiros minutos andando por Split, cidade na costa central croata, se perdendo em um monte de indicações ininteligíveis, foram os mais intrigantes da viagem. Não pela paisagem ou qualquer outro atrativo físico local, e sim pela impossibilidade completa da comunicação. Há um quê de liberdade bizarra em não entender e não ser entendido literalmente.
A língua croata (ou hrvatski, em croata) deriva do eslavo e é escrita em alfabeto romano, o que a torna a meu ver ainda mais intrigante, já que são caracteres aos quais estamos familiarizados. Mas as possibilidades de mistura são tão diferentes que encantam. O croata possui uma série de acentos estranhos, encontros consonantais impensáveis ao nosso ouvido latino. Para vocês terem uma noção do quebra-cabeças que é, copiei abaixo da página da Wikipedia sobre croata como são escritos os meses do ano:
Siječanj – Janeiro
Veljača – Fevereiro
Ožujak – Março
Travanj – Abril
Svibanj – Maio
Lipanj – Junho
Srpanj – Julho
Kolovoz – Agosto
Rujan – Setembro
Listopad – Outubro
Studeni – Novembro
Prosinac – Dezembro
Tentei usar a sonoridade que a Wikipedia mostrava, e percebi que nenhum mês soa parecido com nenhuma língua que conheço. Fascinante.
À venda nas cestas de uma rua de Split, ovos pintados para a Páscoa. A moeda local é o kuna (KN), enquanto o euro não chega.
Em todas as placas, letreiros, conversas e cartazes, o mesmo enigma. A senhora da barraquinha, o menino indo pra escola, o adolescente rebelde, o homem que fumava um cigarro: todos unificados pelo entendimento da mesma língua, e eu, noves-fora do cenário. São esses momentos, de total lost in translation que me reafirmam a beleza do viajar. Que tornam a caminhada impagável. E que nos mostram que a vida é mesmo uma grande viagem de aprendizado contínuo.
Tudo de bom sempre.
A única palavra que eu consegui entender de imediato em croata. 😀
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– Apesar da curtíssima estadia, aprendi a falar obrigado (hvala, fala-se “hualá”) e bom dia (dobro jutro, fala-se “dobru ultro”) e… só. 😀
– A segunda língua da Croácia deve ser o alemão, porque a todos que nos dirigíamos para tentar perguntar algo, logo nos retrucavam com “sprechen sie deutsche?” e não o chavão “do you speak english?”.
*Hrvatska é o nome Croácia em croata. Daí vem o .hr, do final dos websites croatas.