Como já havia citado anteriormente, a Coréia do Sul é um país acessível apenas por mar ou ar, embora esteja numa península no nordeste da Ásia. E esse impedimento de acesso por terra dá-se pela razão mais simples (ou complexa, como preferirem o nível da discussão) do mundo: o vizinho de cima é a Coréia do Norte. A única forma de, pelo sul, vermos um pouquinho do Norte é fazendo um tour na Zona Desmilitarizada na fromteira dos dois países, a DMZ.
Desde o armistício da Guerra da Coréia na década de 50, a península está dividida em duas. Armistício pois em tese a guerra não acabou ainda, não houve um tratado de paz assinado muito menos uma rendição de um dos lados. Numa maneira grosseira de ver a situação, este armistício representa a última fronteira da quase extinta Guerra Fria: o vizinho do Norte comunista, e a “ilhada” Coréia do Sul, capitalista.
Como chegar
De posse dessas informações geopolíticas básicas, acrescido do fato de que o vizinho do Norte decidiu sair das conversações de desarmamento sobre seus brinquedinhos nucleares há 2 semanas sem mais nem menos, partimos sábado passado para um tour na Zona Desmilitarizada (em inglês, DMZ), região de 5 km de largura na fronteira das duas Coréias.
Em Seul, disseram-nos que a única forma de visitar a região era com este tour de um dia. Mas depois percebemos que esta informação era uma meia-verdade, pois todos os micro-ônibus de tour param numa estação chamada Imjingak, e agrupam-se em alguns poucos mega-ônibus, que terão permissão para entrar a área. Em tese, você pode pegar um carro ou trem e chegar até esse ponto, comprar ingresso pro ônibus “agregador” e visitar a DMZ. Embora chamada de Zona DESmilitarizada, é muito bom lembrar que a região está sob comando militar 100% do tempo. Portanto, você está sendo SEMPRE vigiado por um rifle. Ou seja, nada de gracinhas.
Enfim, decidimos fazer o tour empacotado, que embora de natureza essencialmente política (ninguém vem pra DMZ achando que vai ver castelos e pessoas descontraídas ou uma natureza maravilhosa, né?), estranha pela ausência de discussão. As informações são passadas pelo guia com zelo e sem excessos. Imprensei à beça o coitado com inocentes perguntas socio-econômico-políticas de curiosidade mallística. Depois fiquei pensando que, se um daqueles meus companheiros de excursão/soldados americanos fosse um agente da CIA, pode ser que eu nesse momento esteja sendo perseguida por sei lá o quê sem nem saber! 😀
Como é o tour na Zona Desmilitarizada
De Imjingak, o mega-ônibus começa a andar e você passa por um posto militar, onde obrigatoriamente mostra o passaporte (sim, parece que estamos saindo do país, mas não estamos), e entra na DMZ propriamente dita. O tour é bem restrito. Como tudo ali é área militar, poucas “atrações” são visitadas, e em boa parte delas você é proibido de tirar fotografias. O ápice do tour é andar por um dos túneis que foi encontrado no fim da década de 70 e estava sendo escavado pelos norte-coreanos para uma futura invasão do Sul. Um túnel super-úmido, baixinho e fundo, bem fundo. Ao total, até hoje descobriram 4 túneis na fronteira, e o exército sul-coreano/norte-americano estima que hajam mais uns 20 por aí. Uma peneira, essa DMZ.
Do observatório de Dora, a Coréia do Norte
Do túnel vamos pra o Observatório de Dora, onde podemos ver a mais alta bandeira hasteada do mundo (da Coréia do Norte, é claro). Além disso, vemos também a cidade-propaganda da Coréia do Norte. Esta é uma cidade toda falsa, pois ninguém mora lá. Mas era usada no passado para “atrair” sul-coreanos que quisessem mudar-se para a “tranquila e feliz vida” no vizinho do Norte. Dá pra ver também um pedaço da terceira maior cidade Coréia do Norte, e a cidade de Panmunjom, onde as negociações de paz são feitas. As fotos dessa vez são permitidas, mas altamente monitoradas. De ângulo algum você consegue registrar a enorme cerca de arame farpado da DMZ. Além disso, precisa de uma lente telefoto daquelas pra conseguir enxergar qualquer coisa do lado de lá.
Na estação de Dorasan
E a última parada do tour é na estação de trem de Dorasan, que está sendo construída pela Coréia do Sul para, no evento de uma possível reunificação, ligar Seul à Europa, por trem através da Trans-Siberiana. Já pensou? Eu vou querer fazer essa viagem!! E a primeira parada depois de Dorasan será… Pyongyang, a capital da Coréia do Norte!
Política, afinal
Enfim, depois de dar adeus a essa região tensa e problemática, como boa “malla” não consegui ficar sem discutir política. Me fiz várias outras perguntas, e conversei com André, e li um pouco mais. Sabemos que os coreanos querem no fundo a reunificação, a ninguém interessa isso mais que eles. Mas a situação na península é delicada, pois reunificam-se, e aí? Sob que regime político? Aceitar o capitalismo bushista é a última coisa que o seu Kim do Norte quer – e com uma certa razão, viu… E a China, nessa história toda? É o país que mais ajuda financeiramente a Coréia do Norte, em troca de… sabe-se lá o quê! (Aliás, os brasileiros podem visitar a Coréia do Norte entrando pela China, nunca pela Coréia do Sul. Americanos, NEVER NEVER.)
Fato é: o cara tem um exército enorme (de famintos) e a única arma que ele tem pra não ser escrachado, escurraçado da mesa de negociações do planeta são as bombas nucleares. Enquanto a prepotência do discurso da D. Rice continuar imperando, Seul continuará em alerta, visto que é o alvo perfeito (13 milhões de habitantes!) para um devaneio neurótico do “Grande Líder”.
Tudo de bom sempre. Assim espero.
P.S.
- O dono da Hyunday é norte-coreano. Não sei se ele fugiu ou migrou simplesmente pro Sul de alguma forma. Mas foi ele quem financiou a construção da rodovia conectando as duas Coréias, por onde a Coréia do Sul envia diariamente muita comida, medicamentos e materiais de construção para os “irmãos” do Norte.
- Durante o feriado de Ação de Graças (que aqui é em setembro), as famílias separadas pela política podem se rever por três dias. Esse encontro intercala entre Seul e Pyongyang a cada ano. É a única chance para muitos de rever familiares próximos. A TV adora ficar no ar com cenas de choro entre famílias…
- Se você está interessado em ver um bom filme sobre a situação das Coréias, veja “JSA – Joint Security Area”. Filme do sul, que assisti com legendas em inglês. Fala de neutralidade, e é um soco no estômago pros dois lados dessa moeda corroída.
- O lado bom da DMZ: como a região está intocada a mais de 50 anos, cheia de minas terrestres, os únicos que têm passe-livre são animais e sementes de plantas. Várias espécies ameaçadas estão tranquilinhas da silva, crescendo e se multiplicando nesse mega-parque ecológico forçado…
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