Eu cresci em Vila Velha. Infância pelas areias da Praia da Costa, Espírito Santo. E, naquele período pré-internet, pré-celular e pré-Google, quando eu viajava pra casa dos meus parentes no nordeste e eventualmente encontrava pessoas que não conheciam o ES, sempre que me perguntavam “de onde você é?”, eu respondia toda animada: “De Vila Velha!”.
Aí aparecia de vez em quando alguém para retrucar com um “Ah, já estive lá, tem umas pedras vermelhas bonitas à beça!”. E eu, claro, murchava e dizia baixinho: “Não, não é essa Vila Velha. É a outra, no ES.” E a pessoa parecia desapontar-se com tal resposta. E eu meio que cozinhei essa birra da Vila Velha do Paraná, que todo mundo conhecia mais que a minha Vila Velha. Enfim, coisas da infância.
A “Taça”, ícone do Parque Estadual de Vila Velha.
Mas um dia a gente sai da bolha. E eis que no curso de Biologia cursei uma disciplina de Solos bem geralzona, e com aulas de campo para se lambuzar na lama, literalmente. Eis que num belo e latossolo dia, numa dessas aulas entre mar de morros e gnaisses, o professor comentou de Vila Velha. Falou sob um ponto de vista super-interessante e completamente diferente do contexto que eu, quando criança, cansei de ouvir. Então o botãozinho do interesse platônico pela geologia e geociências em geral ligou ali.
E aos poucos foi crescendo portanto a vontade de conhecer a outra Vila Velha, famosa justamente pelas suas formações geológicas.
Mas o mundo dá voltas. E então que em 2008, na nossa jornada pelo centro-oeste e sul do Brasil, um dos últimos locais por onde passamos foi justamente no Parque Estadual de Vila Velha, no Paraná.
Não estava nos planos iniciais visitá-lo. Mas, à medida que chegávamos perto do Paraná, mais a minha vontade apertava, e aí não teve jeito. Já que estávamos em Curitiba, por que não esticar até Vila Velha, né? E foi então o que fizemos.
Pegamos a BR376 saindo de Curitiba, rumo a Ponta Grossa. Antes, tentamos encontrar uma fazenda que vendia cracóvia, mas não encontramos e seguimos viagem. E de repente, numa dessas retonas de rodovia, avistei láááá longe umas “pedras” vermelhas no alto de um morrinho. Jamais imaginei que o parque ficasse tão perto da rodovia!
O Parque Estadual de Vila Velha foi criado em 1966, o que o faz uma das primeiras áreas de conservação oficial do Brasil. Afinal, é um patrimônio geológico importantíssimo. Isto ocorre por ser quase um pináculo de arenito que “emergiu” devido à movimentação tectônica (entenda-se terremotos) em algum momento dos últimos 300 milhões de anos. Esta é a idade aproximada do terreno. Acredita-se entretanto que esse processo de emersão ocorreu há ~1.8 milhão de anos.
O arenito é uma rocha sedimentar, muito suscetível à erosão hídrica e à cimentação por óxido de ferro. As esculturas naturais que hoje são o chamariz do parque nada mais são que milhares de anos de ação de chuvas, ventos e afins, sobre as rochas. O arenito de Vila Velha pertence ao que os geólogos chamam Grupo Itararé, que abrange boa parte da Bacia do Paraná. Este arenito foi formado de uma grande glaciação na época Carbonífera, quando a região estava mais perto do polo sul.
O arenito de perto.
Geologices à parte, nós chegamos no Parque quase ao meio-dia, sol a pino e um calor de deserto. Na entrada, uma organização primorosa. Depois de Foz do Iguaçu, achei o parque melhor preparado para o turismo que visitei no Brasil até hoje.
Há na entrada uma sala com as informações históricas, geológicas e ecológicas do parque. Além disso, os monitores são super-prestativos, respondendo todas as perguntas na maior paciência possível.
O parque é dividido em 3 áreas (Arenitos, Furnas e Lagoa Dourada). Nós decidimos só visitar os Arenitos, porque queríamos seguir viagem no mesmo dia.
Há diversas formações que lembram rostos, objetos ou animais. Para cada uma delas, aliás, há uma lenda ou uma história interessante. Os monitores contam tudo que podem.
No dia que fomos, o parque estava super-vazio – éramos apenas nós e um casal de gringos. Os monitores meio que deixaram a gente andar à vontade, vagar mesmo pelas esquinas da selva de pedra vermelha. A cada curva da trilha, um novo suspiro. “Olha lá, que lindo!” E cada um conta o que aquela rocha de 30 metros de altura te faz lembrar. Uma viagem literalmente.
(A trilha dos Arenitos, por sinal, é toda calçada e bem cuidada, bem aos moldes dos melhores parques nacionais do planeta, feita pensando no acesso fácil aos mais idosos, crianças e cadeirantes que também queiram conhecer a maravilha – um novo suspiro de felicidade pela iniciativa.)
E para mim, a viagem teve um sabor especial. Trouxe à minha memória todas as lembranças de infância, das confusões entre a minha Vila Velha e a outra Vila Velha. Pois bem, eis que a visita, com todo o esplendor geológico que eu aprendi apreciar, serviu para me confirmar algo do qual eu já desconfiava mas não queria assumir: a outra Vila Velha, na sua exoticidade peculiar, é tão fácil de se apaixonar quanto à minha – e também conseguiu reservar seu lugar especial no coração desta Malla que passeia pelo mundo.
Tudo de bom sempre.
Maioridade: 18 Anos do blog Uma Malla pelo Mundo.
Começo 2021 no blog resenhando um dos livros que mais me marcou em 2020, "Slavery…
Quando pensamos em receitas para uma boa saúde e longevidade, geralmente incluímos boa dieta e…
Eis que chegamos à maioridade votante. 16 anos de blog. Muitas viagens, aventuras, reflexões e…
O ano de 2020 tem sido realmente intenso. Ou como bem disse a neozelandesa Jacinda…
Nesta maratona de resenha de livros que tenho publicado durante a pandemia, decidi escrever também…
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Malla!!
Eu fui nesse lugar quando tinha 15 anos e adorei!!!
Pois é, Deise, e eu demorei taaaanto pra ir... mas valeu a pena esperar. Eu adorei também. :)
Eu conheci o Parque em 1986 (será que é melhor dizer o ano ou a idade?). Bom, ainda era criança e curti pouco. Quem sabe um dia volto para explorá-lo melhor!
Liana, diz o ano. A idade entrega de vez. :D
Com razão, Isis! Esse parque é uma delícia! :)
Amoooo esse lugar! Assumo que puxo um pouco a sardinha para meu estado natal...
ahhhhhhhhhhhhhh QUE LINDO ! QUE COISA MAIS LINDA PENAS QUE NÃO MORO PERTO !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Em quanto tempo eu consigo visitar o parque todo?
Pergunto isso, pois vou passar por Curitiba em uma viagem, e se eu conseguir visitar o parque em poucas horas, a parada é viável. Senão terei que ir um dia até lá especialmente para ver o parque.
Oi Suelen, em poucas horas vc consegue ver a parte mais central do Parque, a trilha Arenitos, onde ficam as esculturas naturais. Se vc tiver o dia inteiro, aí dá pra tentar fazer todo o circuito, incluindo Furnas e Lagoa Dourada.