Li o livro “The Wizard and the Prophet”, de Charles Mann (“O Mago e o Profeta”, não sei se já foi traduzido para o português) seguindo a recomendação da Camila. Afinal, ela comentara ter sido impactada por ele.
Por ser um livro sobre visão ecológica de mundo em tempos de aquecimento global – um tópico que muito me interessa – me empolguei a lê-lo também. As resenhas pela internet eram todas positivas. Ainda mais que muitas delas ressaltavam a incrível capacidade de Charles Mann de não nos dizer nunca de que lado da disputa ele se encontra – do lado “mago” ou “profeta”. Logo no prólogo, aliás, Charles Mann diz que é “mago” às 2as, 4as e 6as. É “profeta” às 3as, 5as e sábados. E no domingo ele não sabe que lado seguir. 😛
É um livraço. Posso dizer com tranquilidade que transformou minha forma de enxergar o mundo atual. Mas é super-difícil destacar em uma resenha especificamente por quê este livro é impactante. Porque se você lê-lo, vai perceber que são basicamente descrições de diversos momentos da ciência e da tecnologia nas últimas décadas. Momentos estes em que participaram dois cientistas relativamente desconhecidos, William Vogt e Norman Borlaug.
Mago ou profeta?
Estas descrições da ciência ganham o rótulo de ser uma ideia de “mago” ou de “profeta” para o futuro, de acordo com a identificação maior que apresentam com o trabalho de Vogt ou de Borlaug. O que soa bem sacal, honestamente. Mas com este pano de fundo, em meio a tanta descrição (que muitas vezes parecem ir a lugar nenhum), é assustador o quanto cada entrelinha de cada historinha que Charles Mann conta traz um insight para nossa visão de vida moderna. E pros desafios que vêm pela frente, principalmente os relacionados às mudanças climáticas.
O livro é dividido em 5 grandes partes. Mas a mais essencial delas é a entitulada “Quatro elementos”. Nela, Mann discute as questões sobre terra (comida), água (potável), fogo (energia) e ar (mudanças climáticas).
Minha predileta foi a discussão sobre energia, principalmente petróleo. Mann descreve com vigor a ideia de “profetas” de que o petróleo vai acabar e de que precisamos mover a sociedade para energia renovável o mais rápido possível exatamente por conta desta escassez. E logo em seguida, expõe que o petróleo ainda demorará muito tempo para acabar. Porque, afinal, nossos “magos” são excepcionais. Aparecerão, portanto, com tecnologia inovadora para extrair mais este ou aquele rincão de terra com petróleo que antes era inacessível. #PréSalFeelings
É nesta dicotomia constante que o livro reside. Entre a visão do profeta e a visão do mago.
Dura escolha
Combinando o fato de que o petróleo não vai acabar com as previsões do IPCC, de que temos pouquíssimo tempo para evitar um desastre completo na atmosfera, Mann nos confronta com uma decisão moral e ética muito mais profunda. A de que nós temos que escolher explorar ou não mais petróleo, descartando sua (possível) escassez como desculpa.
Isto põe uma pressão fenomenal para responder às mudanças climáticas. O peso desta decisão moral é muito maior quando ela passa a ser uma escolha entre o conforto e o desconforto. Quando não é mais simplesmente sobre a finitude do recurso. (Truco se não tem muita gente que se fia nesse argumento… “Quando o petróleo acabar podemos resolver as mudanças climáticas”. Para justificar não fazer nada…)
Entretanto, achei fracos os dois capítulos finais do “The Wizard and the Prophet” (meio que adendos). Mann, com sua facilidade pra destrinchar conceitos, tenta nos capítulos finais explicar o caso dos GMOs (organismos geneticamente modificados). Fiquei com a sensação de que ele precisa escrever um livro inteiro sobre o tema. Afinal, o que ele pincela ali é só a ponta do iceberg. Mas mesmo este final mais fraco não tira de forma alguma o brilho do resto do livro, que é sensacional.
Uma visão arejada pro futuro
De uma maneira geral, o livro me trouxe esta camada nova de informação/indagação para cada questão em mudanças climáticas que nos é jogada: esta é uma posição mago ou profeta? Afinal, podemos tornar as discussões e atitudes mais produtivas se entendermos primeiramente qual o viés sendo apresentado, independente da complexidade. O livro, portanto, me deixou mais otimista. Porque permite um framework mais arejado.
Dois exemplos
Coincidentemente, alguns dias após ler o livro, fui assistir a duas palestras, não interconectadas entre si (mas interconectadas na minha cabeça). A primeira foi de Jennifer Doudna, a cientista que descobriu o Crispr-Cas9. Este é o sistema de edição genética que já está revolucionando a biologia e nossas apostas pro futuro. Por esta descoberta, Doudna é séria candidata a um prêmio Nobel. Doudna trouxe, além da biologia de sua descoberta e das possibilidades médicas e agrícolas, as questões éticas e morais da edição gênica. Não se acanhou em discutir o efeito frankenstein de sua tecnologia. Uma grande wizard/ maga. A palestra tinha um tom otimista arrebatador. Parecia paródia daquela frase besta de facebook: se organizar direitinho, todo mundo se salva.
A palestra seguinte que assisti no mesmo dia era de Chip Fletcher, que é considerado um dos grandes experts no Havaí sobre elevação dos mares. Fletcher foi bem factual. Mas praticamente esfregou na cara da gente os impactos que já estão acontecendo da elevação dos mares no Havaí e no mundo. Além de discutir toda a questão de modificação da infra-estrutura costeira, dos principais desafios que ainda vêm, de suas reuniões com políticos, stakeholders etc. Enfim, também falou de coisas práticas, diversas que a gente lê no jornal. Mas que não junta os pontinhos porque vivemos nesse bombardeio de informações constante.
Mas Fletcher reforça que precisamos dedicar tempo. Para compilar, refletir e digerir estes pedaços de informação, sair da superficialidade, inserir ponderação e argumentos precisos, profundos e embasados. Porque são deles que surgirão maneiras sensatas de enfrentar o problema. Flecther, com seu discurso realista (e um quê pessimista), é um legítimo “profeta”. Afinal, expõe dados e conflitos éticos enquanto profere soluções apenas mitigatórias para um futuro menos sofrido.
Reflexão final
Entrar em contato no mesmo dia com um mago e um profeta da nossa sociedade. Ambos preocupados com decisões éticas e morais. Isto me fez refletir no quão significativa é a grande lição do livro. A de que a maior questão pro nosso futuro é moral e ética. É a escolha que a gente fará, dado este adicional de que há um tic-tac climático constante no nosso ouvido, para reverter os piores efeitos das mudanças climáticas. E portanto trazer um futuro melhor para todos nós e para as espécies com quem co-habitamos no planeta. Escolheremos financiar magos e suas soluções mirabolantes? Ou aceitar soluções proféticas e mitigar problemas com paliativos necessários? Ou talvez uma mistura de ambos?
Vivendo em wizard & prophet mode. Eis uma importante nova contextualização para pensarmos nosso futuro que o livro de Charles Mann trouxe.
Tudo de bom sempre.