Romance no Hawai’i?

por: Lucia Malla Havaí, Ilhas, Kauai, Oahu, Viagens

Viagens românticas nutrem o sonho e a imaginação das pessoas em geral. Ir para “aquele” lugar especial, com “aquela” pessoa que amamos é sempre gostoso de pensar. Entretanto, tenho dificuldade em classificar um local em si como romântico. Pra mim, mais de 90% do romance de uma viagem dependem da interação com a pessoa que está com você, e não do lugar em si.

Veneza, por exemplo, é considerada um dos destinos mais românticos do planeta. Quando lá estive, minha única companhia era minha mochila nas costas. Adorei me perder pelas ruelas e canais de Veneza – embora não tenha sentido/visto/vislumbrado nenhum romance. Estava sozinha, e isso me bastou naquele momento. Já ouvi pessoas desistirem de visitar lugares interessantes por não terem com quem ir – e eu olho pra essas pessoas com um grande ponto de interrogação. Se eu tivesse esse mesmo questionamento, não teria ido a mais da metade dos locais onde fui na vida.

Entretanto, é claro, viajar acompanhado da pessoa amada é mais legal, divertido e interessante, sem dúvida. A troca de experiências, as conversas, os momentos mágicos, o companheirismo, tendem a aflorar, o que contribui mais para o sucesso total da viagem. Até os eventuais problemas são encarados com espírito mais relaxado. Ou na falta de outro termo, mais… romântico, enfim.

Um dos lugares mais “vendidos” como destino turístico romântico no mundo (principalmente para casamentos e luas-de-mel) é o Havaí, onde moro. Mais enfaticamente, o Havaí representa o sonho do casamento “simples” numa praia tropical, com colares de flores no pescoço (os leis), brisa do mar, coqueiros, um belo pôr-do-sol e aquela sensação de isolamento do mundo. É o desejo da ilha deserta revisitado pelos padrões atuais. Só você e o seu amor eterno. (O Havaí é considerado o local mais isolado do planeta: a terra mais próxima das ilhas está a cerca de 3,000 km ao sul, na Polinésia). Com alguns milhares de dólares, você contempla esse sonho – é o que fazem muitos americanos, japoneses e coreanos. Casar no Havaí (ou passar a lua-de-mel por lá) está na lista do “ser chique”, e a indústria por trás dessa idéia rende milhões e sustenta as ilhas, a grosso modo.

E eu, como moradora, já vi a cena de noivas pela praia sendo fotografadas (vestidos e estilos os mais variados possíveis) muitas vezes, e passei a acreditar que nenhum marketing turístico foi melhor elaborado e mais bem-sucedido no planeta que o do Hawaii. Vou explicar minhas razões.

Antes de mais nada, deixo claro que para mim o Havaí é realmente um dos paraísos na Terra. Não discordo dessa idéia que a indústria do sonho construiu, apenas tenho razões diferentes para acreditar nesse aspecto. É paraíso não pelo que se vê nos folhetos de agências de viagens, não pelo romance fantasiado, mas pela cultura, pelo povo e suas tradições, principalmente pela diversidade de ecossistemas e belezas naturais num lugar tão pequeno: tem desde praias para surfe radical a montanhas com neve para snowboard, passando por florestas tropicais, cânions sedimentares, praias cristalinas, arco-íris quase diários, vulcões em erupção, cidade grande (Honolulu tem quase de 1 milhão de habitantes e fervilha de atividades interessantes), vilarejos com meia dúzia de casas, áreas desérticas, cachoeiras,… recantos para todos os gostos. Essa diversidade e essa cultura são o que fazem para mim a diferença no conceito de paraíso.

Entretanto, é o Havaí-romance-dos-sonhos-e-dos filmes-de-Elvis que as pessoas acham ser verdadeiro, fruto desse marketing bem-sucedido. E por quê é apenas sonho?

Vista aérea de Honolulu, com o vulcão Diamond Head ao fundo e o Oceano Pacífico envolvendo a ilha de O’ahu. Abaixo, praia de Waikiki, onde a maior parte dos casamentos (e dos sonhos) dos turistas se realizam.

Em primeiro lugar, boa parte dos turistas românticos que desembarcam em Honolulu para casar ou lua-de-melzar não saem de Waikiki, a praia mais famosa da ilha de O’ahu. Waikiki, um bairro de Honolulu, é o retrato mais descarado do estereótipo americano: era um alagado estuarino até 1921 (quando o canal de Ala Wai foi construído) e se tornou uma praia por aterro usando areia branca de outras ilhas (principalmente da vizinha Moloka’i), com o local geograficamente escolhido de acordo com a posição do sol (garantindo belos pores-do-sol diariamente), o volume de chuvas na área (é um dos locais menos chuvosos no Havaí, o que garante quase sempre dias ensolarados de céu azul pra todas as fotos), o vento quase inexistente (apenas a brisa do mar é válida nos sonhos), a serenidade do mar (ao contrário do que todos imaginam, surfe em Waikiki é visto pelos nativos como desinteressante – as ondas de lá são apenas para iniciantes), a presença de um vulcão típico dormente ao fundo, o Diamond Head (mais uma vez, para sair bonito na foto) e outros fatores previsíveis de bons lucros no turismo. Um lugar que deveria por definição agradar principalmente adultos enamorados, mas que também fosse acessível a crianças, solitários, idosos, famílias inteiras, enfim, todos os gostos possíveis. E esse marketing foi bem-sucedido. Passeando pelas ruas em Waikiki – diga-se de passagem, um bairro em que os moradores da ilha mesmo pouco vão – é fácil esbarrar com toda essa miríade de “clientes”, a entrar e sair das inúmeras lojas chiques ou de algum dos vários hotéis à beira-mar. Convite certo ao consumismo desvairado tão americano de ser.

Em segundo lugar, a outra boa parte dos turistas românticos se enclausura nos resorts de luxo presentes nas 3 principais ilhas (Oahu, Hawai’i e Maui), afastados de qualquer civilização, onde as cerimônias de casamento são ainda mais chiques e a sensação de paraíso artificial é mais forte ainda. Nesses resorts, vive-se com intensidade o Havaí dos filmes de Elvis – a imagem do romance perfeito se perpetua em vários rituais como luaus, shows de hula, drinks coloridos, tudo embalado num pacote só, de areia branquinha com água cristalina e peixinhos coloridos – talvez até golfinhos, dependendo do resort.

Em terceiro lugar, foi consolidada com os filmes de Elvis Presley uma imagem do Havaí como ilha da fantasia e do amor, onde você chega e ganha colares de flores (isso só acontece se você vai por uma agência ou se seus amigos compram um colar para você numa das inúmeras vendinhas no aeroporto), é recebido por uma havaiana deslumbrante e pode literalmente esquecer dos seus problemas – vivas mais uma vez ao isolamento da ilha de tudo e de todos. Quando morei lá, uma das percepções mais vívidas em mim era a de que os problemas chegavam ao Havaí diluídos: tudo é muito distante da realidade em que você vive, mesmo não estando no circuito “paraíso artificial” dos turistas comuns. Afinal, o arco-íris está quase todos os dias brilhando no céu para todos indiscriminadamente, confirmando que não há problema que não se resolva quando o espírito de aloha está no ar. O Havaí era uma boa fuga da realidade do mundo, independente do marketing utilizado.

O que muitas vezes é deixado de lado pelos turistas de Waikiki: a maravilhosa e única, praia de Hanauma Bay, que está dentro de uma cratera de um vulcão, com um recife de corais lindo cheio de peixinhos coloridos, ideal para snorkell e uma das minhas praias favoritas no planeta; abaixo, cânion de Waimea, na ilha de Kauai, um exemplo da diversidade de relevo e ecossistemas existente naquele pedacinho mágico no meio do Pacífico. Hanauma Bay é um parque estadual, e leis de proteção ambiental restringem o número de pessoas que visitam, para benefício do ambiente.

Toda essa propaganda eficiente da indústria do romance termina por moldar os sonhos das pessoas e traz enormes lucros ao Havaí. Veja bem, não acho que isso seja um pecado, pelo contrário: o Havaí merece ser visitado por todos pelas mais diversas razões, principalmente se entre elas estiver o fato de ser o seu sonho pessoal. O que me incomoda é o turismo de um lugar só – o Havaí é tão maravilhoso, tão diverso e tão bonito, não entra na minha cabeça que alguém passe uma semana lá e não vá a Hanauma Bay, por exemplo, uma praia dentro de uma cratera vulcânica que é um verdadeiro aquário natural e sem dúvida uma das jóias havaianas mais preciosas. É triste que as pessoas não se interessem pela cultura local verdadeira, apenas pelo que lhes foi moldado. Não há o questionamento: “será que os havaianos realmente vivem assim o tempo todo?”; e isso me incomoda um pouco. Mas entendo perfeitamente que existe a questão tempo também: o casal compra um pacote turístico de casamento/lua-de-mel por 4 dias no Havaí, quer viver um sonho colorido tropical naqueles 4 dias, se afastar da realidade e se divertir, não quer esquentar a cabeça fazendo tours chatos ou cansativos. Quer mais é entrar no espírito de aloha mesmo. O que só mostra mais uma vez o quanto o marketing de turismo do Havaí foi realmente bem-sucedido: traga o ideal de paraíso para um lugar e as pessoas virão visitá-lo. Verdadeiro campo dos sonhos.

O Havaí dos sonhos: o “estado do arco-íris” e seus maravilhosos e românticos pores-do-sol… Esse aí, em Waimea bay, no North Shore da ilha de O’ahu.

E sonhos são sonhos. Não temos domínio total sobre eles. Deixar que sejam moldados ou não é uma decisão individual: você permite ou não que a propaganda te seduza. “Mais vale um gosto que dinheiro no bolso”, já diz o ditado popular.

Eu particularmente, prefiro que a chamada “viagem romântica” dependa mais do paraíso mental a dois, e menos do paraíso real em si. No Havaí ou no Haiti.

Tudo de bom sempre. E feliz dia dos namorados!

P.S.: Devo confessar que o Havaí realmente possui um dos mais belos pôres-do-sol que eu já vi. E que a presença quase diária de arco-íris no céu me emociona, sempre. Portanto, não é propaganda enganosa – é propaganda bem-feita, confiando no produto que se tem em mãos. Mas isso porque eu sou uma romântica assumida…



1524
×Fechar