Ciência

Ser cientista

Sou cientista. Adoro falar isso às pessoas, principalmente para ver a reação de cada um. A maioria, ao ouvir essa afirmação, começa seriamente a duvidar das minhas faculdades mentais; outros, mostram preocupações de natureza econômica (acreditam que a ciência não paga bem em qualquer lugar do planeta); e há aqueles ainda que acham a profissão tão glamourosa quanto astros de Hollywood, algo para pessoas “muito inteligentes, beirando a genialidade” (!). E tem ainda um último grupo, os que acreditam na versão ficção científica da coisa: ando por aí de jaleco branco e luvas roxas, dando risadas malignas, com planos para conquistar o universo e carregando tubos de ensaio saindo fumacinha, como no desenho do Dexter.

Na realidade, não é nada disso. O glamour eu deixo para aqueles que contribuíram com algo incrivelmente significativo, como Watson, Crick, Einstein, etc. Mas esses são uma minoria. Ser um cientista de carne e osso requer acima de tudo paciência: essa é a regra número 1. Seu experimento tem 99% de chance de dar errado por algum motivo que vai além da Lei de Murphy – mas você continua tentando mesmo assim. Requer estudar pro resto da vida – sim, eu disse PRO RESTO DA VIDA! Nunca parar de ler, pesquisar, e muitas vezes isso inclui trabalhar em fins de semana, feriados, etc. em cima de um problema que para qualquer pessoa soaria quixotesco.

Sou bióloga. Sim, esse é o meu título real. Entretanto, prefiro o de cientista. Sempre achei que biólogos deveriam ser capazes de responder prontamente a perguntas que vão desde detalhes anatômicos de um cacto à ecologia de tundra, passando pela nomenclatura dos nudibrânquios e pelos tipos de fósseis disponíveis no Quênia. Algo que, obviamente, eu não sei responder. Posso saber como procurar a informação, e ler sobre o assunto, e quem sabe até argumentar um pouco, mas de cor e salteado… necas! Portanto, não acho que seja bióloga por inteiro.

Ser cientista tem outra aura. Engloba mais você saber pensar com a lógica científica. Em teoria, cientista pode ser qualquer um que se preocupe em estudar um campo qualquer e desenvolva seu raciocínio de forma lógica, que bole hipóteses plausíveis de refutação, e que esteja aberto a discussões, principalmente, passível a erros. Portanto, prefiro ser cientista, e poder errar.

A ciência é uma carreira apaixonante para os que gostam (como eu!) mas pode ser também muito ingrata. A possibilidade de fracasso é considerável, na maior parte das vezes seus experimentos não mostrarão nada concreto a você, sua interpretação pode ser primária e infantil, você tem que lidar com um show de egos inflados e, às vezes, ganhar pouco. E por que cargas d’água então somos cientistas?

Porque a busca do conhecimento é a melhor e mais fascinante viagem que existe. Enquanto tiver saúde e disposição, estarei à busca do desconhecido. Seja ele em que campo for. Sabe aquela máxima: “Só sei que nada sei“? Cada vez que soluciono um problema mais percebo o quanto essa frase é verdadeira, o quanto somos ignorantes, o quanto temos potencial, e o quanto precisamos ler, estudar, fuçar e aprender mais e mais.

Entretanto, muito me preocupa a divulgação da ciência. Saber para si mesmo é importante e de fácil aquisição, mas saber passar seu conhecimento para os outros é um dom que poucos tem. A maioria da imprensa leiga falha nesse sentido. O mesmo artigo que eu leio cientificamente correto na Nature é traduzido para um jornal brasileiro de grande circulação da forma mais distorcida e espalhafatosa possível. Entendo que a intenção é facilitar para a maioria, mas às vezes essa “facilitação” beira o ridículo, e o tiro termina saindo pela culatra. O uso de comparações absurdas é o erro mais frequente que percebo, mas o pior de todos é a falta de lógica e argumentação. Tenho a sensação de que as pessoas não sabem mais pensar, que isso não é mais valorizado e ensinado, e o texto de uma revista precisa ser tão mastigado, mas tão mastigado, que se torna patético.

Nesse sentido, sinto que como cientista faço pouco pelo mundo. Deveria ajudar mais a disseminar o conhecimento, de forma clara e sucinta. Mas, mergulhada em meus devaneios profundos e especificos sobre fisiologia da diabetes num laboratório na Coréia do Sul, essa tarefa torna-se cada vez mais distante.

E eu vou me tornando cada vez mais bióloga de uma nota só, e cada vez menos cientista.

Lucia Malla

Uma Malla pelo mundo.

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Ver Comentários

  • Oi Lucia,
    Esta é a primeira vez que leio um texto seu. E sabe que gostei. nem precebi que estava longo. como vc comentou.
    stava achando bem agradavel a narrativa.
    Gostei do texto e das informações.
    parabens!

  • Ah, Edmundo! Valeu a dica. Vou procurar com certeza! A febre do Everest continua... em maio é quando ela pega fogo! :D
    Abraços.

  • eu gostaria de saber quantos anos de estudo que presisa para ser cientista???
    eu tenho 10 anos e tenho um sonho de ser cientista!!!!

  • heloisa, estude direitinho, preste atenção nas aulas de ciência e daqui a alguns anos vc poderá fazer sua escolha dentro da carreira de cientista. E pergunte, pergunte, pergunte ao seu professor. Seja curiosa. :)

  • Olá Lúcia,
    Parabéns pelo post. Realmente o Hermeto traduz o espírito natalino!
    Muito interessante os seus relatos sobre os shows do Hermeto.
    Sobre o seu comentário em relação a ganhar um abraço do Hermeto, te dou total apoio. E ainda vai a dica: espere, após um dos shows dele ter terminado, até ele sair para conversar com o público. Daí e só pedir um abraço que ele dá com o maior prazer. Foi com essa cara de pau que um dia subi no palco em que ele estava tocando teclado. Com meu pandeiro em mãos, logo havia uma legião de pessoas em cima do palco também, só que com instrumentos diversificados. E ao final, como eu disse, quem pediu ganhou abraços. Aconteceu em Maceió...
    Abraços! Tudo de bom sempre!
    Leo

  • meu nome é layza tenho 13 anos e tenho uma certa paixão por tudo q existe, da vontade de pesquizar descubrir da onde veio e etc...
    eu conserteza vou ser uma geologa cientista adoro os fatos principalmente
    o q ta rolando agora o tal de "fim do mmundo em 2012"!!beleza obg

  • oi meu nome é Lucas.
    estou fazendo o 2º ano do ensino medio e tenho dúvidas sobre qual carreira devo seguir mas tenho uma grande vontade de ser cientista!
    Por favor mantenha contato comigo, pois queria saber melhor sobre a maravilha que é ciencia

  • Oi Lucas, o fato de estar procurando sobre "ser cientista" já é o primeiro passo. Continue lendo bastante, sendo curioso e questionando, pois essas são as características marcantes de um bom cientista. E boa sorte!

  • Oi,sou eu denovo.
    So queria lhe agradecer pelo que escreveu, pode ter certeza que me ajudou muito e eu espero que eu possa seguir uma carreira em que tenha quimica pois eu a adoro.
    Por isso se quiser me ajudar mais com outras dicas seria muito util para mim!
    Muito obrigado pela atenção.

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Publicado por
Lucia Malla

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