Ser cientista

por: Lucia Malla Antigos, Ciência, Educação, Mallices

Sou cientista. Adoro falar isso às pessoas, principalmente para ver a reação de cada um. A maioria, ao ouvir essa afirmação, começa seriamente a duvidar das minhas faculdades mentais; outros, mostram preocupações de natureza econômica (acreditam que a ciência não paga bem em qualquer lugar do planeta); e há aqueles ainda que acham a profissão tão glamourosa quanto astros de Hollywood, algo para pessoas “muito inteligentes, beirando a genialidade” (!). E tem ainda um último grupo, os que acreditam na versão ficção científica da coisa: ando por aí de jaleco branco e luvas roxas, dando risadas malignas, com planos para conquistar o universo e carregando tubos de ensaio saindo fumacinha, como no desenho do Dexter.

Ser cientista

Na realidade, não é nada disso. O glamour eu deixo para aqueles que contribuíram com algo incrivelmente significativo, como Watson, Crick, Einstein, etc. Mas esses são uma minoria. Ser um cientista de carne e osso requer acima de tudo paciência: essa é a regra número 1. Seu experimento tem 99% de chance de dar errado por algum motivo que vai além da Lei de Murphy – mas você continua tentando mesmo assim. Requer estudar pro resto da vida – sim, eu disse PRO RESTO DA VIDA! Nunca parar de ler, pesquisar, e muitas vezes isso inclui trabalhar em fins de semana, feriados, etc. em cima de um problema que para qualquer pessoa soaria quixotesco.

Sou bióloga. Sim, esse é o meu título real. Entretanto, prefiro o de cientista. Sempre achei que biólogos deveriam ser capazes de responder prontamente a perguntas que vão desde detalhes anatômicos de um cacto à ecologia de tundra, passando pela nomenclatura dos nudibrânquios e pelos tipos de fósseis disponíveis no Quênia. Algo que, obviamente, eu não sei responder. Posso saber como procurar a informação, e ler sobre o assunto, e quem sabe até argumentar um pouco, mas de cor e salteado… necas! Portanto, não acho que seja bióloga por inteiro.

Ser cientista tem outra aura. Engloba mais você saber pensar com a lógica científica. Em teoria, cientista pode ser qualquer um que se preocupe em estudar um campo qualquer e desenvolva seu raciocínio de forma lógica, que bole hipóteses plausíveis de refutação, e que esteja aberto a discussões, principalmente, passível a erros. Portanto, prefiro ser cientista, e poder errar.

A ciência é uma carreira apaixonante para os que gostam (como eu!) mas pode ser também muito ingrata. A possibilidade de fracasso é considerável, na maior parte das vezes seus experimentos não mostrarão nada concreto a você, sua interpretação pode ser primária e infantil, você tem que lidar com um show de egos inflados e, às vezes, ganhar pouco. E por que cargas d’água então somos cientistas?

Porque a busca do conhecimento é a melhor e mais fascinante viagem que existe. Enquanto tiver saúde e disposição, estarei à busca do desconhecido. Seja ele em que campo for. Sabe aquela máxima: “Só sei que nada sei“? Cada vez que soluciono um problema mais percebo o quanto essa frase é verdadeira, o quanto somos ignorantes, o quanto temos potencial, e o quanto precisamos ler, estudar, fuçar e aprender mais e mais.

Entretanto, muito me preocupa a divulgação da ciência. Saber para si mesmo é importante e de fácil aquisição, mas saber passar seu conhecimento para os outros é um dom que poucos tem. A maioria da imprensa leiga falha nesse sentido. O mesmo artigo que eu leio cientificamente correto na Nature é traduzido para um jornal brasileiro de grande circulação da forma mais distorcida e espalhafatosa possível. Entendo que a intenção é facilitar para a maioria, mas às vezes essa “facilitação” beira o ridículo, e o tiro termina saindo pela culatra. O uso de comparações absurdas é o erro mais frequente que percebo, mas o pior de todos é a falta de lógica e argumentação. Tenho a sensação de que as pessoas não sabem mais pensar, que isso não é mais valorizado e ensinado, e o texto de uma revista precisa ser tão mastigado, mas tão mastigado, que se torna patético.

Nesse sentido, sinto que como cientista faço pouco pelo mundo. Deveria ajudar mais a disseminar o conhecimento, de forma clara e sucinta. Mas, mergulhada em meus devaneios profundos e especificos sobre fisiologia da diabetes num laboratório na Coréia do Sul, essa tarefa torna-se cada vez mais distante.

E eu vou me tornando cada vez mais bióloga de uma nota só, e cada vez menos cientista.



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