Acabo de assistir a um Globo Repórter sobre pesca no Brasil, que me deixou decepcionada – com a superficialidade com que o tema foi tratado. Esses dias mesmo, comentei com o André e com o Jorge sobre a diferença vista em muitos dos grandes jornais estrangeiros, que se aprofundam e mostram uma opinião muito mais sedimentada e atual.
No Brasil, parece que o fato de termos 80% de analfabetos funcionais deprime os jornalistas a tal ponto que não se animam a se aprofundar em nada, por medo (com razão) de não serem entendidos pelo grande público, que é quem dá audiência/venda, e que é o que importa no final das contas (a pagar). Textos profundos não dão ibope. (Há exceções, é claro. Mas são cada vez mais isso: exceções claras.) Os jornais são um business e os profissionais ali dentro estão subordinados, por mais que se esforcem ao contrário, ao poder do CEO. Aqui e no exterior. Problemas de mentalidade da empresa, talvez?
Mas enfim, prossigamos.
Foco errado
A reportagem não poderia ter sido mais desfocada. Aliás, minto: havia foco, mas no ponto errado. A sensação que tive foi de matéria paga – pela indústria pesqueira. O ecólogo e seus “problemas” foram retratados de maneira lateral, assim como o pescador de Rondônia que sustentavelmente sabe que se pescar todo o pirarucu de uma vez, amanhã não terá mais. Eram exemplos de “exotismo” – o mainstream da reportagem era a produção em larga escala, saudável ao desenvolvimento do país.
Mostraram-se várias cenas de pesca de arrasto, uma atividade proibida pelo IBAMA em diversos estados brasileiros até 3 milhas da costa, e que todos já sabemos ser extremamente danosa aos estoques pesqueiros. Mostrou-se o “drama” da vida do pescador de navio artesanal (com sonar? Em que difere hoje de um navio industrial, aliás? Uma linha muito tênue, quase invisível, as separa hoje em dia…).
Os problemas da pesca no Brasil
Mas não se mostrou o “drama” de todas as espécies marinhas, inclusive raias e tubarões-martelo, que são cada vez menos vistas, e muitas até já em vias de extinção. Claro, o antropocentrismo impera: o foco do programa era o Homo sapiens, essa espécie que, para sobreviver, usa as demais do planeta sem piedade, inclusive eliminando-as – mas esquece que sem a interação que o une a essas outras espécies, também tem grandes chances de colapsar.
Visitei inúmeras comunidades pesqueiras por esse Brasil varonil, da Amazônia ao Rio Grande do Sul. Em todas elas, fiz a mesma pergunta: como anda a pesca no Brasil? A resposta dos pescadores é unânime: mal, muito mal. Cada vez os pescadores precisam ir mais longe, gastar mais tempo no mar, para pegar a mesma quantidade de peixes – ou até menos. Em Itaúnas, lembro claramente a expressão usada por um pescador para definir o mar que ele cresceu enfrentando: rastelado.
Clara contradição
E perante esta realidade nada bonita, temos o paradoxo. De um lado, listas feitas por órgãos idôneos de pesquisa mostrando o colapso numérico da maior parte das espécies de peixe comerciais. Por outro lado, um governo federal que acredita que pescamos pouco (?!?!?!) e quer aumentar a produção pesqueira em 40%. É de chorar.
A reportagem do Globo Repórter se esforçou em mostrar a suposta realidade da indústria pesqueira. Então, pergunto eu: por que não assinalou a dualidade que esta indústria vive de maneira mais pungente, ao invés de criar a ilusão de que ainda temos peixes à vontade no nosso litoral? A cena da rede de arrasto cheia de arraias ainda me dói na cabeça só de lembrar. É dessas cenas que infelizmente a massa da população guarda na memória. Porque mostra fartura, é isso que ela sugere acima de tudo. Infelizmente, fartura seria a última palavra que eu usaria para me referir aos estoques pesqueiros atuais.
Um problema lastimável que, a depender de reportagens assim, continuarão sendo ignorados pela maioria. Ou pior: desinformados. Um desserviço total.
Tudo de mar – sempre?
P.S.
- Para fazer justiça à reportagem, fala-se do problema da sobrepesca da sardinha. E só. O escorregão está justamente aí: como se apenas a sardinha estivesse em problemas sérios. Jornalismo deprimente.
- Pior de tudo: deve ter um mês no mínimo que não assisto a algo na Globo . Ligo a TV pra ver seriados e CNN, só. Depois dessa “experiência” de hoje, então, o canal não terá minha audiência por mais um bom tempo.