Acabei de inventar essa palavra: contra-voz. Pode até ser que ela já exista, mas eu nunca ouvi, e nunca li. Então, no meu mundinho mundano, ela não existia e eu criei. Significado: a ausência de voz – característica que eu admiro deveras na música.
Ontem estava eu no metrô em Seul ouvindo música no mp3 player – Yamandú Costa ao vivo, mais especificamente – e comecei a matutar com meus botões: por que as pessoas em geral não gostam de música instrumental? Por que a música instrumental não vende? Por que é considerada elitista? Bom, tentar entender o gosto de cada um não é tarefa de ninguém, mas gostaria de entender por que a voz é um aspecto tão fundamental para o sucesso sonoro. A voz é preponderante! Parece que as pessoas gostam de ouvir os demais falando, cantando, expressando verbalmente o que sentem e pensam.
Prefiro música instrumental. Isso remonta à minha adolescência, quando andava no meu bairro com um grupo de (futuros) músicos. Enquanto todos se embalavam com lambadas, Legião Urbana e afins, lembro-me claramente do Dudu arquitetando uma maneira de ter um trio elétrico no Carnaval pra colocar uma banda de jazz que tocasse Chick Corea em bom e alto som. Esses meus amigos ouviam música instrumental de forma alucinada, devoradora. E de ouvir Pat Metheny pra começar a ouvir Miles Davis é um pulinho à toa. E quando você menos percebe, já está impregnada de John Coltrane até o último fio de cabelo.
Meu primeiro contato com esse mundo viciante foi “First Circle” do Pat Metheny, ainda hoje uma música muito especial para mim. (Chamo-a de “música do céu”, pois se o céu existe mesmo, pra mim é essa música que os anjinhos tocam lá no portão de entrada recepcionando a galera que chega requisitando paz eterna.) Depois vieram as inúmeras tardes ouvindo Chick Corea Acoustic Band, Allan Holdsworth, Jaco Pastorius.
Até que um belo dia, alguém me emprestou um disco do Hermeto Pascoal. Pronto, não deu mais pra parar de ouvir. (Li em algum lugar que a vida musical de certas pessoas divide-se em AH e DH: antes e depois do Hermeto. A minha com certeza foi dividida assim.) Mas a questão principal sempre martelava na minha cabeça: por que a maioria das pessoas pra quem eu mostro isso não gosta? Acha um som distorcido, chato, irritante? Será que eu estou errada? Porque essas pessoas são a maioria!! Devo estar necessitada de um bom psiquiatra, só pode. Bom, como a música faz tão parte da minha vida quanto as roupas que eu uso, comecei a me rodear de músicos e pessoas que também curtiam o mesmo som. Semelhante atrai semelhante, a velha lei.

Toninho Horta e guitarra em jam session no seu bar (Aqui Ó, em Belo Horizonte).
O Brasil tem sons dos mais qualificados e refinados do planeta. Em lugar algum em minhas andanças por aí achei a criatividade e a qualidade musical que é polida e esmeirada pelos instrumentistas tupiniquins. Nomes desconhecidos da maioria, mas que enriquecem a nossa música, multiplicam fatorialmente o impacto que temos no exterior e se escondem calados na alma de estrangeiros. E não falo de bossa nova, não! A bossa foi a forma melosa com que a música de qualidade conseguiu atravessar a fronteira. Mas a música instrumental brasileira (MIB ) atravessa diariamente, calada, de mansinho, e ninguém valoriza, ninguém se lembra dela.

Gabriel e Carol, seus sortudos! Com Hermeto Pascoal (lindo!!) num backstage no Brasil…
Pois eu valorizo, e muito. Viva àqueles que nos mostram diariamente que a voz é dispensável quando se trata de penetrar na alma das pessoas por ondas sonoras! Viva Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Yamandú, Guinga, Chico Saraiva, Edu Ribeiro, Pascoal Meirelles, Toninho Horta, Juarez Moreira, Robertinho Silva, Arismar do Espírito Santo (e seu filho Thiago), Vitor Assis Brasil, Nivaldo Ornellas, Sizão Machado, Cláudio Dauelsberg, Duofel, Carlos Bala, Marco Antonio Araújo, Proveta, Nei Conceição, Márcio Montarroyos, Naná Vasconcelos, Nenê, Jovino Neto, Itiberê, Vinicius Dorin, Família Morelenbaum, Alberto Continentino, Lelo Nazario, Rodolfo Stroeter, Raphael rabello, Paulo Moura, Nico Assumpção, Yuri Popof, e tantos outros que estão (ou estavam) por aí provando que o brasileiro não é só bom de samba, não!!
Tudo de bom sempre, sempre, sempre, sempre, pra música instrumental brasileira!
Eu amo esse pessoal: Edu Ribeiro, Thiago do Espírito Santo e Yamandú Costa. Pra mim, eles fazem pela música brasileira um trabalho incomparável de excelente qualidade.
PS: E a questão continua… por que não instituímos a contra-voz como instrumento em 2005?