Apesar do título parecer nome de banda indie e ter a cara de título sugerido pelo Tiagón, este não é um post de bereteios criativos como vocês encontram pelas bandas de lá. É infelizmente bem concreto: o teor de mercúrio, um metal pesado, no peixe nosso de cada dia.
Afinal, saiu esses dias um estudo feito aqui no Hawaii em que os pesquisadores mediram a quantidade de mercúrio em diversos peixes que são vendidos no mercado – e consequentemente consumidos pelas pessoas. O que eles descobriram foi muito interessante.
O mercúrio é um metal pesado que chega ao mar via despejos de poluentes nos rios ou pela atmosfera. O mercúrio da atmosfera vem de basicamente 2 fontes: erupções vulcânicas (portanto fonte natural) e poluição (fonte antropogênica: queima de carvão nas usinas termelétricas ou atividades de mineração, em sua maioria). Uma vez no mar, o mercúrio-metal-pesado é convertido por bactérias e elementos do plâncton a metil-mercúrio, e este sim é o agente causador de todos os problemas neurotóxicos que a gente ouve por aí associados com ingestão de mercúrio há tempos.
O metil-mercúrio é facilmente assimilado pelos seres vivos, incluindo a gente. Uma vez no organismo, ele se acumula e gera stress oxidativo nas células, principalmente no cérebro. O organismo basicamente não dá conta de tão poderoso agente, e à medida que a concentração de mercúrio começa a subir, o organismo começa a não ser capaz mais de se desintoxicar sozinho, porque as enzimas responsáveis pela desintoxicação de metais pesados que a gente tem começam a ser inativadas. Com o tempo, o acúmulo exagerado pode levar a problemas neurológicos graves e de comportamento. (Exemplo clássico aqui.)
Nossa principal “fonte” de mercúrio direta é a dieta, principalmente via peixes. O metil-mercúrio tende a se bioacumular na cadeia alimentar, o que gera elevados índices de tal composto pesado nos animais do topo da cadeia. Por conta dessa bioacumulação, o FDA americano já há algum tempo recomenda que mulheres grávidas e crianças pequenas diminuam a quantidade de peixe ingerida, principalmente das espécies mais pelágicas, para evitar que cérebros ainda em processo de formação já sofram com os danos causados pelo acúmulo de metil-mercúrio. Mas, que peixes podem e não podem ser ingeridos?
Foi em cima dessa pergunta que muitos pesquisadores se debruçaram – e vêm se debruçando em cada vez mais lugares no mundo. Aqui no Havaí, este tópico tem aparecido com cada vez mais frequência nos jornais locais, o que demonstra uma preocupação real em responder a pergunta.
Daí que o estudo publicado no PNAS há algumas semanas traz em si uma revelação interessantíssima para o manejo da pesca – e para o nosso nível de contaminação por mercúrio, diga-se de passagem. Os pesquisadores descobriram que os peixes que se alimentam mais ao fundo acumulam mais mercúrio em sua carne, enquanto os que comem mais no raso acumulam menos. As implicações desse achado são enormes – e a repercussão já começou.
Boa parte da pesca industrial está baseada em peixes pelágicos carnívoros (ou seja, de topo de cadeia alimentar), que se alimentam no fundo: cações/tubarões, atuns, peixes-espada. Estes peixes possuem níveis de mercúrio mais elevados que os demais, como o dourado, que se alimenta mais próximo da superfície. Mas não somente peixes: os pesquisadores também mediram os níveis de mercúrio em crustáceos, lulas e polvos, e constataram que nestes animais o mesmo padrão existe: quanto mais fundo o animal vive, mais mercúrio no seu sistema.
O dourado acima possui menos mercúrio acumulado em seu organismo que a espécie de atum abaixo. Ambos são consumidos por nós, espécie humana.
E para mim, a frase que o pesquisador-líder do estudo disse no press-release da universidade é a “moral da história”:
“O fundo do mar é remoto, difícil de ser estudado e muitas vezes ignorado, mas nossos resultados claramente mostram como a biologia está diretamente conectada aos interesses humanos, tanto de pesca como de saúde. Alguns dos peixes que a gente se delicia na mesa de jantar crescem numa dieta de criaturas estranhas e exóticas a mais de 1,000 pés de profundidade no mar.”
Pense nisso na próxima ida à peixaria. 😉
Tudo de informação sempre.
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– Li essa história sobre mercúrio e profundidade primeiro no antenado blog Deep Sea News, antes mesmo de sair o release da Universidade do Havaí. E depois tem quem ainda ache que blogs são “fracos” como fonte de informação em 1a mão… afe.
– Publicado também no Faça a sua parte.