Ontem estava conversando com um amigo pelo Messenger e começamos a viajar sobre o tempo. Na realidade, o papo começou quando, ao comentar sobre a viagem do André, me dei conta de que na vida dele não existiu o dia de hoje – ou existirão poucas horas. Ou seja, um dia que não existiu.
– Como é que é???? Que viagem é essa???
O dia que não existiu
É simples, mas não muito. Ele pegou um vôo de Seul para Honolulu ontem (18/nov) à noite. Após 10 horas de viagem e ajuste ao fuso, ele chegou em Honolulu no dia 18/nov de manhã (!!!), ou seja, ia viver o mesmo dia inteiramente de novo. Isso acontece porque ele cruzou o Meridiano Internacional da Data, e voltou literalmente no tempo. Aí ia passar o dia de hoje (19/nov para mim, 18/nov para ele) no Hawai’i, e no dia 19/nov (para ele) de madrugada embarcará num vôo para Majuro, Ilhas Marshall, onde mais uma vez, atravessará a Linha do Tempo, e, em menos de 5 horas, já estará em seu destino já no dia 20/nov. Ou seja, ele viverá menos de 6 horas do dia 19/nov. Ahn?????
Isso é de dar nó na cabeça. Imaginem só: ele NUNCA vai viver plenamente o dia 19/nov/2004!!! Um dia que não existiu na vida dele. Qualquer psiquiatra ou filósofo ia achar que essa situação poderia gerar um desajuste qualquer no ser humano, e eu concordo. Lembro que quando morava no Hawai’i e viajava do Brasil para lá, ficava totalmente perdida ao chegar em Honolulu, após quase 24 horas de vôo, no mesmo dia apenas com poucas horas de diferença da hora que eu saí originalmente.
Minha experiência com viagens no tempo
Parece besteira, mas isso afeta seus miolos de alguma forma. Geralmente, eu durmo feito pedra após essas “viagens no tempo”. Quando cheguei aqui na Coréia, por exempo, vindo diretamente do Brasil com um pit stop no Hawai’i para pegar meu gato Catupiry, também tive um dia que não existiu direito. Afinal, fui pra frente e pra trás do tempo algumas vezes. Resultado? Vagamente me lembro dos meus primeiros dias por essas bandas, pois grande parte deles passei dormindo e ajustando ao fuso totalmente trocado.
E na volta pra Coréia? Afinal, na volta ele vai viver o mesmo dia duas vezes (????). Surreal.
Eu sei que biologicamente falando a vida em nada se alterará com essas situações, mas se for parar pra pensar… é super-estranho! Sabemos que no fundo, o tempo e suas divisões em unidades (horas, minutos e segundos) são meras formalizações organizacionais saídas da mente humana. Poderíamos ter convencionado em algum momento da história que 1 dia equivaleria a 48 h, ou seja 2 aparições do sol. E aí? Tudo seria diferente, mas nem tanto, porque é uma questão de convenção, não é mesmo? Ou convencionar que um ano seriam 125 dias, metade do eixo de translação ao invés do eixo inteiro. E aí?
Por isso que Einstein já acreditava na viagem no tempo. A gente é que até hoje não entendeu a sacada esperta dele… hehehehhe
Viajando mais
A Linha Internacional da Data (ou Meridiano Internacional da Data) está no meio do Oceano Pacífico. Só passa em cima d’água, mas chega bem próximo (pra frente ou pra trás, não importa) de Samoa, Ilhas Cook, Tokelau, Alasca e Tonga. E está a uma hora de fuso do Hawai’i, Ilhas Marshall, Fiji, Nova Zelândia e o super-norte da Rússia.
O dia que existiu em sua íntegra para mim
Esse deveria ser o nome dessa parte do post. Enquanto André perdeu um dia, vivi intensamente o dia de hoje. Deixando essa história, quando páro pra pensar, ainda mais bizarra. Vamos aos fatos, que como dizia minha estimada vovó Didi: “Não quero saber de novidade.” (Imagine essa frase com um sotaque pesado de sergipana.)
Acordei muito cedo com o Catupiry me arranhando de fome. Tive que levantar. Arrumei-me e peguei o metrô até Seul (1 hora). Fui ao Simpósio de Proteômica Funcional, no Marriott Hotel – aliás, valeu pela comidaiada que foi servida durante todo o dia, hehehehe! Tinha prosciutto!! Estava desejando prosciutto há alguns dias… Palestras em inglês, palestras em coreano. Nas palestras em coreano, fiquei (re)lendo um livro que adoro sobre o Everest. Algumas informações úteis ao meu trabalho, outras nem tanto. Muito boa a palestra da Dra. Ahn, do Colorado, sobre problemas em análise de espectrometria de massa, e inibição do PTP1B (gente, é a enzima que eu trabalho, ok?) por uma Rho GTPase – ok, galera, pulemos essas informações super-técnicas.
Acidente no metrô e outras viagens
Aí volto para casa, já às 6:30 da tarde. Entro no metrô. Após uma estação, tudo pára, e todos descem. Houve um acidente mais a frente. Pra falar a verdade, não sei o que aconteceu até agora direito, pois eu era a única estrangeira no metrô inteiro, e fiquei com aquela cara de ponto de interrogação. Uma menina muito gentil – como existem pessoas realmente boas no universo! – percebeu minha sem-noçãozice e falou num inglês ok que deveríamos andar até a próxima estação, que era onde eu iria fazer a conexão para a outra linha do metrô que vem até minha casa. Andar no frio??? É isso mesmo. Putz!
40 minutos depois de conversar com essa mocinha (que estudou inglês nas Filipinas, era uma estudante de universidade e estava de passagem comprada para a França, entre outras coisas que conversamos), chegamos à estação de Sadang, e lá um batalhão da polícia enorme estava em fila. Será que é bomba? A neura de ter vivido nos EUA volta toda, e logo acho que não é uma boa idéia pegar o metrô naquela hora. Nessa hora, a mocinha boazinha foi embora pro seu destino – que à propósito era completamente oposto – e me vejo perguntando a um policial se posso pegar o metrô linha 4 (“Sá! Sá! Ansan caiô” repito e faço mímica ao mesmo tempo). Como ele não falava inglês mas entendeu o meu “4”, me indicou a catraca, no que instintivamente acreditei ser: “Pode ir, a linha 4 não tem problemas”. Ufa!
Mais trabalho
Chego em Ansan. Lembro que esqueci de alimentar minhas células e elas não podem passar o fim-de-semana naquele meio de cultura nojento que já deve estar lá. Táxi até o laboratório. Nisso já são quase 8:30 da noite… Faço o trabalho em 30 minutos, e ligo para o sr. Kwon (nosso ” Korean personal manager” da empresa) pedindo pra ele ligar pra uma companhia de táxi e que estarei esperando lá embaixo o mesmo. 20 minutos se passam. Finalmente, o táxi.

Chego em casa às 9:30 da noite, e um gato voa em cima de mim ao abrir a porta. Está varado de fome. Alimento o gato, tomo uma água e venho para o computador escrever esse post. E penso: “André, sorte sua não precisar viver esse dia cheio de contratempos…”
Tudo de bom sempre.