O Rito das Cordas

por: Lucia Malla Antigos, Música, São Paulo

O ano era 1995. Andando de bobeira pela Savassi, em Belo Horizonte, encontrei uma loja de CDs que estava liquidando tudo, para fechar as portas. A loja estava vazia, mas eu resolvi entrar e ver se garimpava algo de útil no meio daquelas bancas sem organização alguma onde a maior parte dos artistas listados era desconhecida para mim. No meio da bagunça da loja, achei um CD de um trio de músicos de fusão conhecidos, com um baixista que eu conhecia e apreciava, Stanley Clarke, um violinista que eu adoro, o Jean Luc Ponty, e um violonista que eu acho cansativo de se ouvir, o Al Di Meola. Chamava-se “The Rite of Strings”.

O disco me seduziu pela capa vermelha. A presença do Meola me incomodava, mas como estava muito barato e eu gostava do Clarke, resolvi levar – lembro que comprei também um do John Patitucci nessa mesma leva, o “Another World”. De volta em casa, fui sedenta ouvir o tal disco, chamado “The Rite of Strings”. Sem maiores expectativas.

Que boa surpresa! O cd era tão maravilhoso, um som tão rico e exuberante vindo de um “simples” trio de cordas (violino, baixo acústico e violão), que o disco passou dias dentro do meu cd player – e eu o devorando com a máxima voracidade musical que se pode imaginar. Comecei a cantarolar as músicas de cor – e como se trata de um disco instrumental, eu ficava fazendo sons estranhos seguindo a melodia que a minha cabeça não cansava de repetir sem parar, pelas ruas da cidade. O som magnífico ecoava profundamente, elevando meu coração e trazendo um estímulo sonoro completamente novo aos meus ouvidos. Virei então uma verdadeira malla sem alça: passei a mostrar aquele som encantado a todos meus amigos músicos de Viçosa, inclusive Pablo e Gabriel, que também caíram de amores pelo som desse trio mágico.

Desde esse momento em 1995, “The Rite of Strings” é um dos meus favoritos de todos os tempos de música instrumental. Mas nasceu então a sede de ver shows, mais gravações dessa banda junta. Só tinha um problema: esse era aparentemente um trabalho único, uma gig de uma vez só, pois os músicos tinham suas carreiras já consolidadas em outras bandas e círculos. A impressão que eu tinha era de que aquele disco tinha sido o resultado de um encontro de amigos que decidiram tocar numa tarde de sábado, ou algo assim. Nenhum outro material sobre esse encontro era achável e lembro que se fez grande alarde entre meus amigos quando Pablo comentou que vira na TV em um canal obscuro um pedaço do show. Isso só aumentava no íntimo do meu ser a sede de mais daquele som.

O tempo passou. “The Rite of Strings” continuava sendo um dos cds mais tocados no meu iPod, e eu continuava cativada pelas melodias como no primeiro dia em que ouvi – “Renaissance” é ainda a minha favorita. Comprei sons de cada um dos três músicos em separado, apreciando cada vez mais o trabalho de Clarke e Ponty, principalmente. Os sons de cada um eram excelentes, mas não tinham o mesmo quê especial que o trio produziu no ano de 1995. E nenhuma perspectiva à vista de um dia sequer ver um show desse trio junto. Ficava esse desejo pessoal jogado no campo dos sonhos impossíveis.

Até ontem à noite, quando, de susto, o sonho se realizou. Digo de susto porque meu amigo Gabriel me avisou há alguns dias atrás num email rápido que o trio estaria em Sampa. Procurei imediatamente no jornal e fui comprar meu ingresso. Porque esse show era simplesmente imperdível para uma apaixonada por jazz como eu.

I had a dream – e ele se realizou. Essa foi minha sensação ao sair da sala de concerto. O show foi além das minhas expectativas, fenomenal no mais amplo e irrestrito sentido da palavra. Absolutamente nada tirou o brilho de ouvir aquelas músicas com as quais tanto sonhei ao vivo, depois de 12 anos de espera silenciosa. Apesar do Meola ainda não me encantar sozinho, seu som com o trio se torna o encaixe perfeito. Jean Luc Ponty é um mago do violino que foi aplaudido de pé em seu momento solo. Stanley Clarke fez sozinho um blues de improviso que me deixou arrepiada, além de tocar em duo com Ponty um bebop de Charlie Parker maravilhoso. A essência daqueles 3 músicos juntos foi sentida e ouvida, desafiando cada corda, suspirando cada acorde, derretendo a platéia em um uníssono de alegria contagiante.

Eu estava lá, finalmente em meio ao rito das cordas mágicas. Inesquecível.

Obrigada Ponty, Clarke e Meola, por se juntarem num dia longínquo de 1995 e produzirem essa obra-prima chamada “The Rite of Strings”, que esbanja a felicidade de música inebriante. Obrigada por trazerem aos meus ouvidos após 12 anos de espera a fusão maravilhosa da noite de ontem, eternizada no coração de uma malla.

Tudo de jazz sempre.

O trio no palco: Jean Luc Ponty, Stanley Clarke e Al Di Meola.

*Post dedicado aos meus amigaços Gabriel e Pablóide, figuras de quem sempre lembro ao ouvir esse disco tão especial.



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