Ando muito atrasada com esse blog (e os dos amigos). No meio dos vários múltiplos afazeres dos últimos dias, terça passada ainda arrumei tempo à noite para ir realizar mais um sonho – pela quarta vez! Fui ver no LG Arts Center, em Seul, o show do Pat Metheny Group, da turnê “The Way Up”. Show, aliás, que estava sendo gravado (e nas próximas 4 apresentações durante essa semana) para produção de um DVD. Algo como “Live in Seoul“, sei lá. Mais uma experimentação musical.
Meu primeiro show do Pat Metheny: We Live Here no Rio
É impossível para mim não comparar com os shows anteriores que fui dele, em BH, Rio de Janeiro e Boston, de diferentes turnês. Cada um com sua característica peculiar. O show do Rio em 1995, da turnê “We Live Here” tinha Armando Marçal (filho da Portela) na percussão. Na platéia aparentemente toda a sua família, pois não paravam de salvar o grande músico.
Esse show do Rio também ficou na memória como o maior caô que consegui dar num show. Por confusão do segurança do antigo Metropolitan (que achou que eu era fotógrafa oficial da casa por causa da máquina e do bleizer vermelho), assisti ao show com meus amigos na primeira fila, onde só os convidados de honra estavam. Lista que, aliás, incluía Sonia Braga e Milton Nascimento. Embora ainda na era filme, as fotos ficaram quase-perfeitas dada a distância.
Pat Metheny em casa em Boston: Speaking of now
No show de Boston, em 2002, da turnê “Speaking of now”, foi a vez do próprio Metheny e o Lyle Mays, seu pianista amigo de fé e irmão camarada, sentirem-se em casa. Isto ocorreu porque ambos moraram naquela cidade no passado. Embora sem fotos, neste show, a platéia era em boa parte de amigos do próprio Pat. O que colaborou certamente para que ele nos presenteasse com um show longuíssimo, sem fim, onde a platéia de certa forma interagiu mais.
Experimentação musical: The Way Up em Seul
Esse show de terça, em Seul, foi marcado por um experimentalismo inovador. Que é, aliás, o que para mim caracteriza o bom músico, a capacidade de acompanhar a evolução da música geral como um todo e incorporando ao seu estilo original o que há de melhor na inovação, não tentando se adequar a nova música. Se minha opinião antes já era de que o Pat Metheny (e suas guitarras mágicas) era o segundo melhor músico vivo do mundo (o primeiro é o Hermetão, lógico!), agora tenho ainda mais certeza disso.
O show em Seul
Ao chegarmos ao LG Arts Center com meia hora de antecedência ao show, ouvimos uma música de fundo que parecia muito a introdução de “Music for 18 musicians”, do Steve Reich. Aquela música incessantemente monossilábica, que irrita a alma. E cuja magia está entretanto exatamente na irritação crescente.
Continuum
A música não parava, e deu 8 horas da noite, e o Pat Metheny entra no palco, começa a tocar sozinho, e a música atrás irritando sem parar, e eu já querendo gritar pra alguém desligar aquele som (“que insensibilidade desse pessoal!”), e o cara lá tocando a guitarra dele, quando de repente, toda a banda entra pela entrada da platéia tocando aquele barulho irritante, o que me fez cair a ficha de que o show havia começado desde o momento em que pisei no local, e aí a banda começou a tocar em conjunto, e o show chama-se “The Way Up” porque as músicas não param, são sequenciais, e estão sempre numa harmonia crescente, acordes crescentes, e o disco tem apenas 4 músicas e no show todas ficam interligadas, sem paradas, e o que as interliga é esse som contínuo, que não para em momento algum, vários solos maravilhosos de todos os intrumentos, bateria, baixo, teclados, xilofones, percussão, e a música crescendo acompanhando agora o painel com um céu que nunca chega ao fim, ou a foto de um prédio que nunca termina, ou a foto de uma emersão subaquática que nunca chega na superfície, é claustrofóbico,
e a música em si nunca chega a um ponto, um porquê, uma razão, continua o som crescendo, aquela inflexão de ondas que deixa a todos hipnotizados, uma viagem sem fim, estou dentro da toca do coelho da Alice, estou no labirinto do Minotauro, estou presa no epicentro de um furacão, é por isso que chama “The Way up“, o tempo todo indo pra cima, a música não para, a música não para, a música nunca chega, até a música culminar num clímax que leva àquela música de fundo irritante, que após 68 minutos, finalmente…
Para.
Ufa.
Experimentação musical inovadora
Esta experimentação musical da continuidade foi a primeira vez que vi no trabalho do Pat Metheny. Os fãs de carteirinha vão me dizer que o “Zero Tolerance for Silence” (disco minimalista ao extremo) já era esse tipo de experimentação. Ou ainda que a própria música “We Live Here” de 95 era assim, pois havia um momento crescente que de repente acabava como um trovão.
Mas vou dizer que o que ouvi é algo completamente novo. É algo Reichiano. Aliás, eu diria até que com uma influência direta do “Quarteto de Helicópteros” do Stockhausen. É algo ainda mais, algo de músico que está antenado com os diversos momentos de experimentação musical do mundo. Algo de gênios. (Apaixonada pela música do Pat? Eu?? Imagina!)
Pat Metheny fala
Ao fim dessa primeira parte do show, finalmente ele chega ao microfone para as poucas palavras de sempre. Afinal, Pat Metheny é um dos tímidos mais chavões do meio musical. Fala da gravação do DVD em Seul, fala da nova banda (com um brasileiro desconhecido na percussão), fala o mínimo de coreano.
E começa então a parte do show que acho que a maioria ali estava esperando. A hora de ouvir as canções mais famosas, mais batidas. Hora de ouvir o bruxo Lyle Mays e seus dedos-árvores em um piano e dois teclados conectados a laptops (Macs, claro) promover os momentos emocionantes. Também é hora de ver Pat detonar uma guitarra quíntupla. Hora de chorar (mais uma vez) ao ouvir “Last train home”. A parte em que os xilofones se concatenam, afinal, não tem como segurar a emoção.
Leia mais: O dia em que vi Pat Metheny falar de seu método de improviso musical no Festival Mundial de Ciência.
Música do céu
Porque a boa música também é aquela que te faz chorar de felicidade. E se o céu existe, e se algum dia depois de morrer, a gente vai pra lá, é com “First circle” e “Last train home” que somos recepcionados no portão de entrada, enfim.
Tudo de bom sempre. Com música no coração.