Quando pensamos em receitas para uma boa saúde e longevidade, geralmente incluímos boa dieta e prática de exercícios. Mas eis que Matthew Walker, pesquisador da Universidade da Califórnia, argumenta muito bem que esta duplinha deveria ser, na verdade, um trio: dieta, exercícios e sono. (Sempre esquecemos da importância do sono, não é mesmo?) Pois Matthew Walker argumenta de maneira clara e objetiva pelas páginas de seu livro “Why We Sleep” (“Por que nós dormimos” em português) por que nós dormimos e por que precisamos dormir bem. É, afinal, um livro inteiro sobre sono – e sonhos.
(Li o livro na versão em inglês, portanto citações serão no original com minha tradução.)
Missão: dormir
Logo na introdução, Walker estabelece uma regra bem particular para a leitura de seu livro.
“Should you feel drowsy and fall asleep while reading the book, unlike most authors, I will not be disheartened. Indeed (…) I am actively going to encourage that kind of behavior from you. (…) So please feel free to ebb and flow into and out of consciousness during this entire book. I will take absolutely no offense. On the contrary, I will be delighted.”
“Caso você se sinta embriagado e caia de sono enquanto lê este livro, ao contrário da maioria dos autores, não ficarei chateado. (…) Aliás, vou encorajá-lo a este tipo de comportamento. (…) Então, por favor, sinta-se à vontade para entrar e sair de sua consciência por todo o livro. Não ficarei em nada ofendido. Pelo contrário, ficarei encantado.”
Com este simpático aviso, Walker já expõe o objetivo maior do livro: fazê-lo dormir (bem). E, pelo menos para mim, seu objetivo foi alcançado. Porque ler a palavra “sono” tantas vezer no texto me deu muito sono. Como livro de cabeceira, antes de dormir, foi ideal. Afinal, não conseguia ler mais de um capítulo por noite porque o sono imperava.
Biologia do sono
Matthew Walker começa explicando evolutivamente por que nós dormimos. Explica a diferença do nosso sono para o sono dos demais animais, tanto em quantidade quanto em qualidade. Aliás, é interessantíssimo ler sobre como outros animais dormem, inclusive o que provavelmente sonham, baseado nos estudos da atividade cerebral.
O autor comenta também sobre o ciclo circadiano e suas peculiaridades, reguladas pelo hormônio melatonina. Discute a biologia do sono, desde a bioquímica até a atividade cerebral que caracteriza as diferentes fases de sono.
De bioquímica, aliás, aprendi que níveis altos de adenosina no cérebro são cruciais para iniciarem a sensação de sono. Interessantemente, a cafeína (meu vício) bloqueia o receptor de adenosina no cérebro, o que dificulta a sensação de sono. E o autor sugere parar de tomar café lá pelas 15h, para que tenhamos uma boa noite de sono.
Além disso, Matthew Walker descreve as diferenças e a importância do sono em cada uma das fases da nossa vida. Algumas questões são instigantes. Por exemplo, o autor advoca que tiramos muito do desenvolvimento normal da criatividade do adolescente ao fazê-los sair da cama cedo para a escola. Adolescentes têm seu ritmo circadiano levemente alterado para mais tarde, portanto seria mais sensato deixá-los dormir um pouco mais. Isto ajudaria no desenvolvimento adequado do cérebro deles, que ainda está em preparação para a maturidade da vida adulta.
Fases do sono
Por todo o livro fica claro que, enquanto dormimos, muita coisa acontece no cérebro e no nosso organismo. Não é um período de “descanso” apenas. É um período de reboot e consolidação da memória (e da saúde fisiológica em geral). Na primeira fase, o NREM, as informações capturadas e estocadas durante o dia são peneiradas e direcionadas. Saem da armazenagem temporária no hipocampo para a memória segura no córtex cerebral.
Já na segunda fase do sono, o REM, as memórias estabelecidas são integradas com a sua autobiografia. Ou seja, com tudo que você já viveu e guardou no cérebro desde o início de sua vida. Nós sonhamos durante o REM. E o sonho, portanto, é peça-chave deste processo de integração das memórias e emoções, além de combustível fundamental da criatividade.
Por que nós dormimos
À pergunta “por que nós dormimos”, a resposta que permeia todo o livro é “para termos saúde e vivermos mais”. Sempre com o respaldo da biologia e da neurociência, o autor realça a importância do sono ao falar sobre os distúrbios clássicos do sono, como a insônia e a narcolepsia, e sobre como o sono reforça todos os demais componentes do nosso organismo. Como dormir bem diminui as chances de desenvolvimento de câncer, diabetes, mal de Alzheimer, problemas cardiovasculares e muitas outras doenças, por fortalecer o sistema imune e endócrino.
Mas o que é dormir bem? De acordo com a cronobiologia e a neurociência do sono, é dormir pelo menos 8 horas por noite, com 5 ciclos distintos independentes de sono NREM e REM. Além disso, uma soneca depois do almoço de uns 90 minutos, tempo para um ciclo de NREM/REM, é altamente aconselhável, já que diminui em mais de 200% a chance de problemas cardiovasculares em adultos.
E como a gente consegue dormir desta forma?
Receita para dormir bem
Walker estabelece 10 regrinhas simples e básicas para dormir bem. Não vou dar spoiler, mas já adianto que são regras bem simples. Ele é contra remédio pra dormir, a não ser quando avaliado por um médico que entenda de sono. Portanto suas dicas são sugestões de simples implementação, como tomar um banho quente antes de dormir, evitar celulares e afins no quarto, ou ter uma rotina de sono, dormindo e acordando no mesmo horário.
(E esqueça os drinks antes de dormir. O álcool é sedativo, não deixa que entremos de forma adequada em NREM devido ao tempo que leva para ser metabolizado. Aliás, Matthew Walker aconselha a beber durante o dia, não à noite.)
Sem sono
“The number of people who can survive on five hours of sleep or less without any impairment, expressed as a percent of the population, and rounded to a whole number, is zero.”
“O número de pessoas que podem sobreviver à 5 horas de sono ou menos sem nenhum prejuízo, expresso como uma porcentagem da população e arredondado, é zero.”
Mas o que mais me chamou a atenção neste livro foi a percepção do quanto a maioria das pessoas não dorme o suficiente, ou seja, são cronicamente sleep-deprived. Não por insônia, mas por pura falta de tempo.
Muita gente tem insônia e ele dedica um capítulo a esse mal do século. Mas Walker defende a ideia de que, enquanto na insônia a pessoa tem oportunidade de dormir e não tem sono, o sleep-deprivation é o estado de quando você tem sono, mas não tem oportunidade de dormir. Por exemplo, quando precisa trabalhar em diversos turnos. Ou viajar frequentemente, cruzando fusos. Ou ainda até por status, porque infelizmente a ideia de que você dorme muito ainda é associada à “preguiça” e não à saúde.
Esta percepção errônea nos prejudica não só individualmente, mas como sociedade em geral. Afinal, vivemos num ambiente em que as pessoas estão menos alertas e mais propensas a doenças graves. As razões para este estado generalizado de sleep-deprivation é que precisam ser atacadas por políticas de incentivo ao sono. Suas horas completas de sono devem ser não-negociáveis. Com dados e estudos científicos sólidos, Matthew Walker deixa claro o quanto não deixar alguém dormir suas 8 horas necessárias é um erro em todos os sentidos. Porque profissionais que dormem mais, estão melhor preparados para o trabalho, são mais inovadores/criativos e terminam por contribuir de maneira mais enriquecedora à sociedade como um todo.
Na dúvida, durma mais
Esta talvez seja a conclusão mais simples deste livro tão rico de pontos a serem discutidos mais e mais sobre a importância do sono.
“The shorter your sleep, the shorter your life.”
“Quanto menos você dorme, menos você vive.“
É incrível exatamente pela oposição clara à horrível frase que permeia muito do nosso comportamento: “dormir pra quê, vou dormir quando morrer“. Apesar das tecnicalidades de alguns parágrafos, Matthew Walker nos convence da importância do sono e nos convida a dormir mais para viver melhor. Como dorminhoca de primeira, curti o convite.
Tudo de sono sempre.