“There’s no place I’d rather be…”

por: Lucia Malla Havaí, Havaí, Ilhas, Ilhas, Mallices

Era uma manhã ensolarada de outono/2001 em Boston, quando uma das minhas amigas adentrou na sala de cultura do laboratório e me perguntou sem cerimônias:

“Em que lugar você quer morrer?”

Tomei um susto. Como assim? Nunca pensara nessa questão bizarra, afinal quero viver ao máximo. Além disso, para a maior parte das pessoas, escolher um lugar não é opção factível. Acontece e pronto.

Mas morte também não é opção; é fato. Só não sabemos a data em que ocorrerá, mas ocorrerá para todos. E minha amiga continuou:

“É porque dizem que o local onde você quer morrer é aquele em que você se sente mais feliz.”

Esta conclusão ficou na minha cabeça. Na realidade, comecei a pensar com seriedade no spin-off que a questão traz consigo: Em que lugar eu me sentia mais feliz? Tornei esta questão uma acirrada busca interior e passei a encará-la com carinho, bom senso e emoção. A cada dia, pacientemente, mastigava no íntimo do meu ser, analisando locais.

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(Mas quem garante que a felicidade é um lugar? Pode ser um estado de espírito, um sorriso, uma atitude… depende de cada um, né? Absolutamente nada é mais pessoal que a busca de nossa própria felicidade.)

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Dia 01 de junho de 2002. Estou num vôo vindo de San Francisco, na Califórnia, rumo ao desconhecido. Quer dizer, o conhecido apenas via revistas de surfe, filmes de Hollywood e programas da National Geographic. Estava chegando ao Havaí. O sol brilhava.

Era meio-dia quando o avião começou a se aproximar das ilhas. De cima, o mar de um azul que eu nunca vira antes me anestesiava. Lágrimas. Quando saí do aeroporto, minha ex-chefe me esperava para levar ao dormitório onde ficaria nos primeiros dias em Honolulu, antes de achar um apartamento para alugar. No trajeto do aeroporto até a universidade, passamos pelo centro da cidade, por Ala Moana, por Waikiki. A Universidade do Havaí em Honolulu fica no vale de Manoa, onde arco-íris abundam todos os dias (o excesso de umidade do paredão montanhoso cheio de ravinas permite tal maravilha). Parecia estar num sonho.

Quando eu saí do carro, menos de meia hora em terras havaianas, a tranquilidade: me sentia em casa.

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O índice de pessoas que se “cansam” do Havaí é paradoxalmente imenso. Paradoxal porque supostamente o arquipélago é a definição de “paraíso” por excelência – ou pelo menos é o que a maior parte da mídia e de Hollywood gostam de passar. Chamamos de “island fever” ao desejo incontrolável de ir embora, voltar ao continente, por não se adaptar às restrições da vida numa ilha isolada. Não é fácil, porque as opções ao final são realmente poucas: em 4 horas, você dá a volta de carro por toda Oahu. Há mar por todos os lados. Em geral, o island fever acontece nos primeiros 6 meses de residência ilhéu e é o que espanta a maioria dos que largam tudo para viver no tal “paraíso”.

Vi muitos ha’oles desistirem, principalmente aqueles que chegam iludidos de que o Havaí é como as Organizações Tabajara, onde “seus problemas acabaram”. Apesar de constar numa lista em 1º lugar em qualidade de vida nos EUA (e a gente sabe como esse negócio de lista é controverso…), o estado tem problemas sérios, não é um lugar muito fácil de se viver, e a restrição física é apenas o primeiro dos problemas. Há uma grande “segregação nas entrelinhas” entre havaianos e não-havaianos, e isso gera tensões. Transporte público que não cobre toda a ilha. O custo de vida assusta. Trânsito pesado na hora do rush. Sistema de tratamento de esgoto caótico. Escolas públicas de baixa qualidade – Obama estudou no Punahou, uma escola privada, pra ficar num exemplo que todos conhecem. E o pior de todos os problemas para mim: baratas, muitas baratas. 😛

Mas passaram-se meus primeiros 6 meses, e nada de querer ir embora. 1 ano, e nada. Mesmo com todos os problemas que o Havaí me esfregava na cara, eu já me adaptara e Honolulu tinha se tornado oficialmente minha casa por opção, era a minha escolha, que respondia ao spin-off da pergunta da minha amiga. O lugar onde eu me sentia feliz.

De modo que poucas vezes chorei tanto quanto no dia em que tive que deixar Honolulu, rumo a uma oportunidade melhor para minha carreira e para minha vida pessoal na Coréia. Viajante inata, apaixonada por experiências novas, o desconhecido da Coréia me atraía. Mas a minha casa pessoal, que eu sonhara, já encontrara. E estava saindo dela pela primeira vez.

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No filme “The Score”, o personagem de Robert De Niro fala em certo momento que você deve pensar o que você quer da vida, onde você quer estar daqui a 25 anos e começar devagar a conquistar, step by step, esses desejos. Até seu sonho se realizar. Vagarosamente.

Foi ótimo estar na Coréia, maravilhoso ficar um tempo no Brasil curtindo família e amigos, viajando muito e me enveredando por caminhos profissionais nunca dantes trafegados. Tudo isso fez parte, foram realizações e momentos que precisava vivenciar. Aprendi muito.

E a caminhada de aprendizado continua (em algum momento enquanto vivos para?…), rumo aos meus planos megalomalucos futuros. Este agora é mais um pequeno passo. Cheio de obstáculos e recompensas, entremeado de novidades, dúvidas, calafrios e desafios complicados. Mas ainda assim, um passo.

Chegou a hora de parafrasear Renato Russo na nova etapa que começa:

“Mesmo com tantos motivos

Pra deixar tudo como está

Nem desistir, nem tentar

Agora tanto faz…

Estamos indo de volta pra casa”

Aloha Hawai’i. É muito bom estar de volta.

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O título deste post é a primeira frase da música “Hawaiian roller coaster ride”, do desenho animado “Lilo & Stitch”, que se passa no Kauai, uma das ilhas havaianas. O filme não é dos melhores, mas eu adoro a leveza que esta música me faz sentir… Porque neste momento da vida “não há outro lugar em que eu queira estar…” Esse lugar realmente me emociona. Compartilho aqui o clipe da música e deixo o convite para, a partir de hoje, me acompanharem nas aventuras de uma Malla no Havaí:


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Tudo de aloha sempre.



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