por:
Lucia Malla
Amigos de viagem, Mallices, Memes, listas & blogagens coletivas, Viagens
Publicado
10/08/2005
Há 3 dias, um dos meus amigos embarcou em sua primeira aventura no hemisfério norte. Vai passar um mês aperfeiçoando seu inglês em Vancouver, no Canadá. Na semana passada, trocamos algumas mensagens pelo MSN. Percebi então que ele parecia ansioso com a nova experiência internacional. Tentei acalmá-lo com a minha nova “arma”, o Google Earth. Tirei várias “fotos” aéreas da futura moradia de um mês dele e enviei por email. Mas é claro, fui inócua, já que nunca estive no Canadá antes. Minhas dicas valendo nesse caso apenas para generalizações de viagem e nada mais.

Ah, a vida pós-Google Earth…
Entretanto, cabe aqui explicar que esse amigo é um dos caras mais mentalmente organizados que eu conheço. Desde sempre. Conheci-o em Viçosa, na época de faculdade, quando ele andava pelo campus de bicicleta, apenas com um jaleco, óculos e uma caneta. Não carregava caderno nem livro nem apostila, porque simplesmente não anotava nada em sala de aula. Será que tinha memória fotográfica? – era a pergunta de todos da cidade. Sabia tudo e mais um pouco de estatística, e sua calculadora parecia dotada de poderes mágicos tamanha fluência em operações complexas ela apresentava. Um sujeito destacado da massa, pra dizer o mínimo.
Parênteses
Nessa época, ele morava numa república de estudantes em que um dos quartos era pentagonal com nenhum dos lados similar ao outro, algo pra lá de estranho. Calcular a área exata daquela figura geométrica exótica? Era possível, mas me lembrava sempre um daqueles exercícios passatempo de geometria fractal, que nunca terminavam. Existem quartos quadrados, hexagonais, ou outros números pares, mas com 5 lados? Aos curiosos de plantão, foi dessa visão absurda de uma construção surreal de 5 cantos que surgiu aquela frase ali na descrição do meu blog “…pelos 5 cantos do planeta”. Porque, para mim, na lógica da vida viajante o mundo tem 5 lados, como um quarto surreal cheio de indagações. Fim do parênteses.
Algum tempo depois encontrei-o em Florianópolis (ele havia mudado de faculdade). Impressionei-me naquele momento com sua agilidade mental para as enfadonhas tabelas do Excel. Convenci-me de que existem mais equações complexas no mundo que qualquer vã filosofia pudesse sequer sonhar. Por essas e muitas outras, sempre tive um respeito matemático gigantesco por ele.
Em um desses papos pelo MSN semana passada, ele me pediu para ajudar em sua lista de viagem. A lista estava pra lá de metodicamente organizada, como esperado. Era uma lista em txt (!!) com números que mais pareciam dispostos em uma equação à beira de um gráfico. Como alguém consegue se expressar dessa forma? E me peguei pensando na matemática intrínseca das listas de viagem.
Ele nitidamente tem uma visão numérica do mundo, o que se observa até numa mera lista de viagem. Será que eu conseguiria me livrar de excessos linguísticos, proselitismo repetitivo, etc.? E passar tudo para uma forma matemática simplificada de expressão? Aceitei o auto-desafio. Ora, eu, que adoro viajar, tenho uma metodologia particularmente caótica para fazer uma mala ou mochila, mas será que a linguagem da matemática também poderia de alguma forma metafísica se aplicar a ela? Resolvi usar a mesma metodologia que ele utilizou e testar, enfim, meus delírios. Peguei minha última lista de viagem (feita num bloquinho qualquer, pra começo de conversa) e tentei transformá-la em matemática.
Como organizo minha mala
Em geral, divido uma lista de viagem em: roupas, acessórios, equipamento fotográfico, documentos e produtos de beleza. “Sapato” é um conjunto pertencente ao item “roupas”, por exemplo. Xampus, condicionadores e afins vão em “produtos de beleza”. Mas grosseiramente divido, e isso já é um sinal numérico. Entretanto, tudo em minha lista é altamente especificado, gramaticalmente expresso: 6 camisetas? Não, eu escrevo:
– 1 camiseta laranja que a Márcia me deu; a rosa de manga curta (como se existisse a rosa de manga comprida!), a amarela manchada que a Monalisa detesta (precisaria reenfatizar esse fato para a lista funcionar?), 2 brancas (a de Bonito e a do tubarão) e 1 azul-marinho baby-look.
Os números que compõem aquele item estão lá nessa profusão de palavras. A somatória é apenas o que deveria importar no final, mas a linguagem utilizada na minha cabeça raramente é matemática. Sempre é uma sentença explicativa cheia de adjuntos nominais, verbais e supérfluos.
Análise combinatória de roupas
Continuei analisando. Em geral também, as roupas já vão para a mala aos pares (ou triângulos). Exemplo: short X só uso com blusa Y ou Z. Então, não levo blusa T. Tudo em nome da compactação máxima de uma bagagem – mas sem perder o charme feminino. Claro, dou preferência a tecidos que não amassem, que sequem rápido. Principalmente, roupas que sejam “duas caras”: de uso tanto formal como informal, a diferença não deve ser percebida. O que por si só, sem querer, já pode ser visto como uma análise combinatória das roupas. Algo como o fatorial da blusa rosa.
No item “acessórios”, já me conscientizei que anéis são uma expressão de cálculo diferencial: o limite tende ao infinito. E se a base de existência de anéis novos no meu guarda-roupa for zero, é porque a matemática financeira está negativa: a solução é comprar mais anéis imediatamente e contabilizar na coleção. Anéis… meu vício sem tangente nem cossecante. Assim como “produtos de beleza”, onde a integral do perfume é sempre derivada do condicionador usado. Afinal, misturar odores também tem seu charme calculado.
Vida digital na bagagem
Os “equipamentos fotográficos” ultimamente são a parte mais analítica de uma arrumação de mala: desde o advento da câmera digital, agora preciso carregar comigo máquina, flashcards, pilhas recarregáveis (vários grupos), carregadores… às vezes até o laptop – e em geral, tudo na mala de mão. O denominador comum finito dos antigos filmes ISO200 logaritmizou-se em estoque de bytes. A quantidade de fotos numa viagem virou uma exponencial, cujo valor máximo é o tempo que a bateria dura. E a variável luz elétrica passou a ser invariável, necessária ao extremo para manter esse monte de apetrechos funcionando.
Nos “documentos” já temos naturalmente vários números: identidade, cartão de crédito, cartão de milhagem, número da poltrona, horário… Tudo é expresso em números. Aos mais alfamatematizados, fica o velho exercício de somar todos os numerais do cartão de crédito com os do seu passaporte, pegar o resultado e, feliz da vida, jogar no bicho ou na primeira roleta. Aos menos, como a blogueira que aqui vos fala, fica apenas o desejo linear de que o valor determinante da matriz “lista de bagagem X viagem tranquila” tenha sido o mais eficaz. E que garanta a melhor experiência de todas nesse momento para o meu amigo no Canadá.
Será a qualidade da viagem quantificável? Fica portanto a questão para devaneios futuros, quem sabe.
Tudo de bom sempre na matemática das viagens pela vida a fora.