Eis que finalmente consegui ontem à noite terminar de organizar as minhas fotos da mochilagem que fiz pela Europa. Um tempo indeterminado e longo tem uma razão simples. Fiquei longe dessas fotos por no mínimo 10 anos.
Do tempo de fotografar em filme
Quando fiz meu mochilão em 1997, ainda não existia máquina digital. Por isso, acumulei inúmeros rolos de filme. Não revelei filme algum na Europa para economizar dinheiro e poder aproveitar mais as atrações. Cheguei no Brasil e nos primeiros dias a curiosidade falou mais alto. Então adentrei a loja de revelação em que era freguesa e expus dúzias de potinhos pretos ao primeiro vendedor que apareceu. Um contentamento quase beirando o êxtase. Cada rolo ganhou então seu envelope. E, depois de revelado, seu álbum de folhas plásticas com a propaganda da loja, junto aos negativos.
Minha intenção inicial era montar um álbum decente, organizado, com legendas e afins. Para que aquela grande aventura expressa nas fotos fosse prazeirosa de se folhear a quem quer que eu mostrasse.
Organizar fotos era “continuar a viagem”
Dessa vez pelas lembranças de risadas, roubadas e questões que cada imagem trazia. Chegando em casa com aquele monte de pacotes de fotos, rapidamente escrevi com caneta azul em cada albinho a cidade que ele continha. E o numerei na ordem cronológica da minha viagem. Eram muitos álbuns, mas a cabeça ainda estava fresca das memórias recentes.
Escrevi alguns detalhes marcantes em algumas delas. Afinal, escrevi um diário também durante a viagem. Mas esse, infelizmente, parece que se perdeu em alguma mudança enfim. Ontem, 10 anos depois dessa inundação de revelações, me auto-agradeci por ter feito isso de sopetão.
A vida dá voltas
Comecei a procurar por um álbum grande e bonito para colocar as melhores imagens e “contar a história do mochilão” pros amigos. Nem comecei, sinceramente. Porque num curto período pós-viagem, minha vida deu uma reviravolta completa. 1 mês depois que cheguei da Europa, minha mãe adoeceu gravemente. Mudei-me de cidade para cuidar dela. Mamãe se recuperou, então entrei no mestrado numa 3a cidade. E de lá fui pro exterior…
Enfim, em 10 anos de muitas mudanças, organizar as fotografias do mochilão na Europa passaram a não ser mais prioridade na minha vida. E mesmo quando me lembrava delas e dispunha de tempo para “trabalhar” nelas, estavam fisicamente distantes. No alto de um guarda-roupa na casa de meus pais, a alguns milhares de quilômetros de distância de onde estava. Os instantâneos de uma experiência que passou amarelavam e viravam memória. Desorganizada, o que é pior.
Enfrentando os álbuns
Em maio último, resolvi enfrentar a pilha de albinhos. Peguei as fotos da casa de meus pais e quis terminar a organização que planejei com tanto carinho naquele verão de 98 e que não pude executar. Já em São Paulo, comecei a procurar no comércio um álbum de fotos que coubesse tudo. Encontrei exatamente do jeito que queria numa papelaria da Liberdade.
Pus-me a organizar minhas fotos antigas. Um misto de felicidade e compleição me tomava naquele instante.
Mas, a cada grupo de fotografias de um lugar que eu retirava do albinho da loja e colocava em sua localização final, minha memória se preenchia de recordações deliciosas. Me peguei olhando algumas fotos por longos minutos, admirando lugares e pessoas que passaram pela minha vívida experiência. Só que, ao organizar as fotos da viagem tanto tempo depois, eu não estava mais “continuando a viagem”: eu estava viajando de novo.
Fotografar é… reviajar
O tempo longo entre a experiência vivida e a reorganização me davam a estranha sensação de novidade. Como estariam aqueles lugares agora? O que será que mudou em 10 anos? Será que a lojinha de souvenir que fui em Roma ainda existe? E se eu mochilasse hoje, será que blogaria tudo? Questões bestas e tão maionésicas quanto a batata frita de Bruxelas.

Berlim foi uma espécie de “porto seguro” para meu mochilão, já que morei um tempo ali perto. Me sentia, portanto, em minha “zona de conforto” na cidade. Essa foto, feia e cinzenta, foi a última que tirei na cidade (que na época era um grande canteiro de obras). Quando vejo fotos atuais de Potsdamer Platz, me surpreendo com o que surgiu ali. A foto despretensiosa virou um emblema das mudanças que 10 anos fazem na vida da gente.
Como numa máquina do tempo, voltei àquela 1997 da câmera manual. 1997 da alegria de viver e experimentar que aparecia a cada clique dado. 1997 da incerteza do futuro que não era ainda preocupação e sim ansiedade da descoberta. A pessoa que fui há 10 anos me relembrava o quanto viajar, mochilar, conhecer e me enveredar de cabeça pela experiência “Europa a 50 dólares por dia” (sim, me guiei pelo Frommer’s e gastei menos que isso…) foram partes fundamentais da construção da minha personalidade. Do que eu seria e me tornaria no futuro.
Foi uma experiência única, inesquecível. E que vejo agora com olhos mais felizes. Afinal, posso voltar na hora que quiser a elas e relembrar cada passo e cada aventura. É só esticar o braço ali na estante.
A viagem sem fim
A viagem não acabou nem acabará enquanto existirem esses pedaços de papel revelados. Ele me levarão, afinal, de volta aos lugares e ares por onde passei. A viagem parece que está apenas começando, em meio à nostalgia. Recordar é (re)viver.
(E se um dia as fotos não mais existirem… A memória pelo menos foi infinita enquanto durou.)
Tudo de bom sempre.
P.S.
- Com as fotos organizadas, fica mais fácil para escaneá-las. Com isso posso, cada vez que sentir um pouco de saudade, escrever e compartilhar aqui no blog algumas aventuras dessa mochilagem. Deixarei pelo menos virtualmente eternizado o rastro das estórias e experiências amareladas por uma década de prateleira. E como bem disse Erin Moores num post lindíssimo no Brave New Traveler: “Travel is best when shared.” Continuemos a viagem, ora pois.