Hoje eu estava lendo um fórum de estrangeiros na Coréia do Sul. Achei um tópico cuja pergunta era simples: “O que você fez em seu primeiro dia na Coréia?” Achei interessante a indagação. Se bem me lembro, os dias anteriores a minha chegada aqui foram tão corridos, mas tão corridos, e eu estava tão cansada, mas tão cansada, que, associados ao jet lag e ao novo fuso horário, me deram uma certa amnésia temporária.
Meu primeiro dia na Coréia do Sul
Ao chegar na Coréia (era 7 da noite, disso eu lembro), não me lembro bem da sequência de eventos que procederam, nem como as coisas realmente aconteceram. Há uma nebulosidade das lembranças, e percebi isso já no dia seguinte. 11h dentro de um vôo da Korean Air vindo de Honolulu – isso porque no dia anterior havia voado de São Paulo para Los Angeles (10h) e de lá para Honolulu (5h). Cheguei em Seul um caco humano, esmigalhada. E tudo que recordo é que 2 pessoas da empresa nos esperavam, saímos pra jantar (meu primeiro choque com a comida apimentada…), Catupiry não quis sair de dentro da casinha dele – ainda assustado com a viagem que teve no bagageiro do avião, provavelmente – e eu dormi, muito. Muitas horas. Foi extremamente cansativo para mim.
Zzzzzzzzzzzzz
Entretanto, comecei a revisar mentalmente todas as viagens que fiz por aí e percebi que em todos os lugares onde eu chego, o cansaço é grande e vou logo dormir. Um sono incontrolável. Quando cheguei em Potsdam (Alemanha), em 97, lembro que ao me instalar, estava cansada e disse a mim mesma: “Vou dormir uma horinha só, para ainda hoje dar umas voltas no parque”. Eu morava num alojamento dentro de um parque lindo. Essa uma horinha transformou-se na realidade em 8 horas. Em Boston (2000), foi a mesma coisa: o avião chegou de manhã cedo, me instalei, e dormi até uma da tarde. Até de San Diego para Honolulu, que são apenas 5h de viagem, quando cheguei em casa caí num sono profundo de muitas horas.
Em todas essas viagens, além do cansaço e stresses comuns da jornada – vigiar malas, pensar em documentação, impacto da língua, a ansiedade do desconhecido, etc. – havia uma diferença de fuso considerável do ponto de partida para o local de chegada. Donde concluí prontamente que sou bastante suscetível a sofrer de jet lag.
Minha vida em jet lag
O jet lag é uma perturbação do seu relógio biológico intrínseco, causada pela variação de fuso horário. O organismo humano tem uma série de reações (comer, dormir, liberar certos hormônios, etc.) ajustadas para um ciclo padrão de luz-escuridão. As mudanças nesse padrão são ajustadas gradualmente, com tempo. É por isso que não sentimos muito a mudança da extensão do dia durante o ano. Porque cada dia vai encurtando e/ou aumentando aos pouquinhos, e a isso o organismo consegue adaptar-se facilmente. O problema do jet lag começa ao viajarmos cruzando linhas de fuso horário (viagens em longitude) em pouco tempo. Nesse caso, quanto mais fuso, mais bagunça no organismo.
Usar ou não melatonina?
Essa perturbação do ciclo dia-noite é sentida pela glândula pineal, que fica próxima a região central do cérebro. Essa glândula produz a melatonina, o principal hormônio envolvido na regulação do nosso ritmo circadiano. A produção de melatonina é estimulada pelo escuro, e inibida pela luz, por isso a melatonina é a principal responsável pela “noite biológica“. Por isso também, ela vem sendo utilizada no tratamento de vários problemas de sono, assim como no jet lag.
Controvérsias ainda existem quanto à dose, frequência de uso e outros detalhes. Apesar disso, já se faz uso terapêutico do hormônio na medicina, que é vendido nas farmácias. Mesmo que estudos sobre a melatonina em outras funções como agente anti-oxidante, anti-depressivo, etc. sejam ainda unicamente especulativos. E como a pineal sente toda a mudança de luz? Ela possui ramificações nervosas que indiretamente desembocam na retina. Simples assim.
Tendo o relógio biológico um marcador bastante representativo – a melatonina – e sendo ela um hormônio protéico, é evidente que a variabilidade de produção do mesmo varia de indivíduo para indivíduo. Podemos especular que, a grosso modo, é a diferença intrínseca que temos de produção de melatonina que nos predispõe a sofrer mais, ou menos, de jet lag numa viagem longa. Em geral, o relógio biológico das pessoas é de características matutinas ou vespertinas. Matutinos são os que têm o pique de atividade pela manhã, e vespertinos aqueles que começam a se empolgar em qualquer atividade em torno das 6 da tarde. (Eu sou vespertiníssima.)
Além dessa divisão geral, existem as nuances da produção de melatonina e as diferenças de metabolismo de cada um. Conheço pessoas que viajam do Brasil ao Japão e não sentem nada, nenhuma diferença (ou mínima que seja), enquanto outras – como eu – basta cruzar um fuso horário que já sentem em demasia.
Dormir é o melhor remédio
Quando em jet lag, tenho um sono incontrolável. Meu olho se fecha sozinho, e a desatenção toma conta. Não consigo fazer uma linha simples de raciocínio que seja, desconcentração total – meu organismo precisa dormir de qualquer forma. Do Brasil para Honolulu, por exemplo, quando você volta 7h no passado (você viaja mais de 15h dentro de um avião e chega em Honolulu e só passaram 5 horas do mesmo dia!?!?!?), meu organismo pira, simplesmente. Acho que acrescento à minha pineal a informação de que fui pro passado, e ela entra em parafuso. Levei mais de 1 semana para voltar à normalidade do ritmo biológico.
De volta para o futuro
E quando cheguei aqui na Coréia foi muito mais trabalhoso. Praticamente vindo direto do Brasil, a diferença de fuso horário foi de impressionantes 12h, havendo então uma parada em Honolulu. Cidade que, aliás, estava no passado. Ao cruzar a Linha Internacional do Tempo no Pacífico, voltei para o fuso antigo. O que, principalmente, me conduziu filosófica e literalmente ao futuro (!!).
Resultado dessa bagunça temporal: quase duas semanas para me adaptar ao horário coreano. Na primeira semana era muito comum eu acordar às 2 da manhã e não conseguir mais dormir, assim como não aguentar de sono às 3 da tarde. O conselho geral para o mínimo de jet-lag é tentar entrar no horário do local, forçar a dormir se for noite e tentar ficar acordada ao máximo durante o dia. Eu juro que eu tento. Mas não dá, o sono é sempre o vencedor.
Kit anti-jet lag
Aliás, já tentei de quase tudo: chazinho de camomila, dormir bastante no vôo, não dormir, comer pouco, comer bastante, tomar um vinho, não beber álcool, beber muita água, ler livro… simplesmente nada ameniza. Sei que existe um kit “anti-jet lag“, que possui iluminação artificial e mais um monte de engenhocas que te fazem ajustar o horário – nunca testei, será que funciona? Acho que cada um é cada um, e tem sua receita pessoal. Como meu jet lag está sempre lá, a solução mais fácil que encontrei foi aprender a conviver com ele de forma pacífica.
Por isso, se viajo para algum lugar novo, já deixo reservado o primeiro dia para um descanso necessário. Caso a viagem seja curta, dou um jeito de aguentar as pontas (entenda-se baldes de café) e dormir só na volta, em casa. E se a viagem é de volta pra casa… ah! Dormirei na minha cama como uma passarinha por muitas horas, tenha certeza… Porque só uma coisa é certíssima: não tem jet-lag no mundo (e olha que eu já enfrentei uns bem fortes) que me impeça de fazer o que eu mais gosto – viajar.
Tudo de bom sempre.
P.S.
- No início foi muito estranho para acostumar, mas hoje em dia me divirto com a diferença de fuso do Brasil em relação a Seul. 12 horas! Em geral, quando acordo, um mundo de coisas aconteceram do outro lado do planeta. Parece que todos os dias estou chegando de uma viagem de alguns dias, tamanha a informação que é gerada em um só dia no Brasil e no mundo. Isso tudo enquanto estou alheia a qualquer acontecimento, apenas dormindo…