Este artigo foi originalmente publicado no blog do Marmota, em 28/setembro/2007. “Sobre o mundo e o tempo que temos” fez parte de uma série de posts convidados do blog dele – era a “Colônia de Férias”. Na época, fiz uma chamada aqui no blog também. Está sendo republicado porque fui comentar num post da Laira e relembrei dele. Como muitas destas elocubrações viajantes ainda merecem a reflexão, vale portanto trazer a (re)publicação para este espaço.
Ah, algumas das minhas então viagens de sonho já se concretizaram, felizmente. 🙂
Meu amigo Marmota há alguns dias veio com essa proposta para mim pelo MSN. “Ah, você não quer escrever um post pro meu blog? O tema é o seu predileto: viagens.” Ao ouvir a palavra mágica, nem cogitei não aceitar o desafio. Afinal, depois da minha estréia esquecível no antigo endereço do blog dele, percebi uma chance de me redimir, falando daquilo que mais gosto. (O texto de então fora uma experimentação maionesística.)
Dessa vez, não decepcionaria Marmota.
É claro, a conversa no MSN não parou por aí. Logo perguntei o por quê do texto. Ao que o Marmota respondeu. “Vou tirar férias e quero publicar textos dos amigos nesse período”. “Vai viajar?”, perguntei curiosa. “Sim. Vou voltar a alguns lugares que adorei na Europa.”
Voltar a lugares marcantes…
É interessante que Marmota tenha se decidido a fazer isso, porque em minha fome de novos lugares, raramente volto a lugares que não sejam os óbvios (a casa dos meus pais, amigos queridos, a minha casa, etc.). Não é por mal, eu gosto de reencontrar pessoas, mas se abstrairmos as mesmas da equação, em geral, quero conhecer novas paragens. Buscar o desconhecido para torná-lo memória é uma constante tão presente nas minhas viagens, que me peguei, depois de desligar o MSN, admirando a coragem do Marmota em fazer o oposto: renovar a memória vivida. E pensando nos lugares que eu realmente gostaria de voltar.
Mas antes explico. Eu acho o mundo muito grande e a vida muito curta para tantos lugares legais que existem. Mesmo se eu viver por 100 anos, não vai dar tempo de visitar/conhecer todos os recantos que eu quero (sonhar não custa nada). Esse é um fato óbvio, uma realidade “dolorosa” com a qual convivo dentro de mim. Sofro da síndrome do “eu-nunca-fui-quero-conhecer-pelo-menos-uma-vez-na-vida” – deve haver um nome mais chique para isso em medicinês. É uma espécie de ansiedade crônica pelas esquinas novas do mundo, uma tendência bastante involuntária em escolher viajar para onde nunca fui antes. A condição pode ser frustrante se mal-administrada porque, bem, não podemos conhecer o mundo todo mesmo.
De tal forma que toda vez que sonho em viajar, a vulga síndrome ataca.
A preferência sempre recai para um lugar novo
É claro, tenho uma lista de destinos “prioritários” (que só cresce…). São imprescindíveis no sentido mais profundo da minha paixão por lugares e motivação para eles não falta nunca. Falta apenas a dicotomia tempo/dinheiro. Os desertos da Namíbia, os vulcões do Kamchatka, da Islândia, mergulhar em Fiji, ver as montanhas do Nepal e as construções de Brasília* estão nesse bolo.
Depois dos prioritários, vêm os que eu chamo de destinos “colaterais”. São aqueles que quero conhecer mas aguardo uma desculpa (geralmente esfarrapada) para ir. Um congresso ou uma visita a um amigo que se mudou para lá, por exemplo. Destinos que não são alvo absoluto dos meus sonhos e leituras, mas se vierem… Enfim, não vou desperdiçá-los. Portugal e Recife são bons exemplos nesse caso.
Mas depois da conversa com o Marmota, eis que enfim decidi fazer a lista dos lugares onde quero voltar.
Buscar a memória vivida no tempo
E outro dilema surgiu. Um lugar é, por definição, algo estático, mas as circunstâncias que a interação humana e/ou biológica geram o tornam organismos dinâmicos, com vida própria. E nós, viajantes, somos como “fofoqueiros” do planeta. Por onde passamos, vemos, fotografamos, depois contamos pros amigos, parentes, escrevemos cartas, postamos em blogs, compartilhamos aquela vida tão particular da cidade-organismo com o mundo. Sem pedir licença ao lugar: papparazzicamente.
O Rio de hoje não é o Rio do Pan e não será o Rio do carnaval do ano que vem. Detalhes farão a sutil diferença. E cada lugar que a gente visita é uma fotografia estática de um momento determinado. E o lugar uma semana depois provavelmente não será mais o mesmo. As cidades escorrem pelos dedos no momento em que você as deixa para trás. Elas se remodelam, adaptam-se e estão sempre de cara nova, por menores que sejam. Mesmo àquelas que parecem paradas no tempo, como por exemplo Caixa-Prego.
E temos que nos conformar com isso. A melhor terapia viajante para a mal-fadada síndrome que falei acima é encarar a realidade: você nunca conhecerá plenamente nenhum lugar do mundo. Seja porque você não terá tempo para conhecê-lo, seja porque você não conseguirá vivenciá-lo em sua plenitude por todo o tempo.
A memória vivida é efêmera. Não dá para a gente reviver. Estamos sempre acrescentando novas perspectivas, informações, emoções, e com isso modificando-a. De repente, então, fiquei feliz pelo Marmota. Afinal, ele faz como eu, busca o desconhecido para adicioná-lo à memória. Apenas o faz de uma forma sistemática, mais estatística. Aumenta o número de repetições, voltando aos lugares e criando uma imagem muito mais completa. Dando robustez à memória resultante.
E uma memória robusta de um lugar é, parafraseando o Poetinha, infinita enquanto dura.
P.S.
*As construções de Brasília já não são prioridade. Só para ilustrar como a gente muda à medida que o tempo passa (felizmente). Hoje minhas prioridades de viagem são as ilhas que desaparecerão com o aumento do nível do mar. Maldivas, Tuvalu, Kiribati, Yap, Midway, Northwestern Hawaiian Islands – está todas certamente na minha lista.
**Para ser lido certamente junto com esse post do Gabriel.