por:
Lucia Malla
Antigos, Ciência, Faça a sua parte, Molléculas da vida, Tecnologia
Publicado
28/01/2010
Li primeiro via twitter do FiNS Magazine e confesso que achei de cara que era um hoax. Afinal, água elástica? A combinação de palavras tinha toda pinta de lenda de web. Retwittei pela curiosidade, mas com várias pulgas atrás da orelha, já esperando aparecer o primeiro para zoar da minha barrigada.
Mas aí eu mesma não resisti. E fui atrás para saber se era verdade. E era.
Saiu na Nature da semana passada o artigo de um grupo de pesquisadores japoneses e coreanos (Wang e colaboradores) contando como produziram gel de água (hidrogel) com propriedades elásticas. Meus conhecimentos patéticos de tecnologia de materiais me impediram de captar 100% da mensagem do artigo (tenho certeza que a Fernanda pode falar melhor sobre), mas o que li e entendi me impressionou. Afinal, o grupo diz que o hidrogel pode vir a ser um substituto super-ambientalmente correto pro plástico!
Seria o paraíso verde, se pensarmos bem. Imagine tudo que hoje é feito de plástico (que leva séculos para degradar) ser substituído por um hidrogel, basicamente água (96-97%) misturado com 2-3% de nanoplacas de argila, uma macromolécula “ligadora” e poliacrylato de sódio (menos de 0.4%)? Aí me veio à cabeça o 1º delírio: será que o hidrogel resistiria ao microondas? Ou derreteria? (Pensei nos potinhos usados para a gente esquentar comida.) Os próprios autores respondem no artigo: acima de 80ºC, começam a se formar bolhinhas dentro do material, o que gera a sensação de “cerâmica quente”.

Como faz o hidrogel. Repare na figura com o material na ponta dos dedos de uma pessoa, como se dobra bem.
Enfim, viagens à parte, a idéia de um hidrogel não é nova. Mas em geral, fazem-se hidrogéis com ligações covalentes, mais fortes, cujo lado negativo é exatamente esta força: dificulta a capacidade de se “moldar” o gel, ou de, uma vez endentado, voltar ao formato original (uma certa auto-correção). Este é exatamente a vantagem do hidrogel dos japoneses, a auto-correção. E foi conseguida por usarem ligações não-covalentes, mais maleáveis e rápidas de voltarem ao original.
Há inúmeras vantagens no uso do hidrogel. Dentre as que mais me impressionaram, está a capacidade de fazê-lo à temperatura ambiente. Outra bacana é que é baratíssimo: água e argila. Mas também é interessante que o gel não é fácil de se misturar com outros materiais uma vez feito. Pensando nos potinhos de comida, sua marmita da manhã não “passaria” pra dentro da parede do pote. Abaixo, a figura do artigo em que eles colocaram o corante azul de metileno em pedaços do hidrogel. Tanto na horizontal como na vertical, o azul não se dilui com a parte transparente. E fizeram um coração de hidrogel, mergulharam todo num solvente orgânico, e perceberam que depois de um tempo, o solvente ocupava o lugar da água na estrutura, mas não a modificava.
Bacana, não?
Vale ressaltar também que o grupo, para provar um uso biológico (mais?) do gel, colocou moléculas da proteína mioglobina por uma semana dentro do hidrogel à temperatura ambiente. A proteína reteve 70% de sua atividade catalítica. (E tenho quase certeza que foi esse experimento específico que permitiu o artigo sair na Nature. Porque aí cobre todas as grandes frentes.)
Uma invenção bacana dessas dá mais uma pontinha de esperança num futuro verde de verdade, não? A tecnologia à serviço do ambiente, um sonho ainda possível.
Porque há (muitas) coisas que só a ciência faz por você. Basta interesse. 😉
Tudo de bom sempre.
*Todas as figuras sob licença CC da Nature.
– Publicado também no Faça a sua parte.