Eventos paulistanos de ciência para todos

por: Lucia Malla Antigos, Ciência, Diabetes, Educação, Evolução, São Paulo

Estive por poucos dias na capital paulista. Mas nesses poucos dias, deixo duas dicas para os que por lá habitam (ou visitantes)…

Exposição “Darwin”

Vá ver a exposição “Darwin”, no MASP. Montada pelo Museu Americano de História Natural e com curadoria do cientista Niles Eldredge, é um primor de organização e informação sobre esse homem maravilhoso e sua teoria mais maravilhosa ainda. Tudo corretamente colocado, cada palavra pensada e repensada para gerar entendimento geral pleno. Constatar o quanto a teoria da evolução das espécies por seleção natural foi elaborada com base em observações simples, inteligentes e quase lúdicas, é de vibrar. Ser lembrada a cada segundo que a elegante teoria da seleção natural proposta por Darwin é a única explicação científica que permite a compreender tamanha diversidade de vida que vemos e sua evolução no planeta.

Milhares de dados são adicionados diariamente, usando técnicas que Darwin jamais podia imaginar. Dados que corroboram a evolução. E isso também está colocado na exposição de forma magnânima. Saber que o mais conhecido museu do país está dedicando esse espaço nobre à divulgação científica é realmente emocionante. O país está de parabéns por abrigar tal exposição, que não deixa nada a dever a nenhum museu pelo mundo.

“Encontros com a Pesquisa”

Uma vez por mês, a revista FAPESP organiza esse evento gratuito aberto ao público geral, na livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos. A idéia é trazer um pesquisador de destaque no país e fazê-lo discutir um pouco de ciência com o público leigo. Estive lá nessa última terça-feira, quando o dr. Júlio Voltarelli palestrou sobre os avanços de seu trabalho com células-tronco hematopoiéticas no tratamento da diabetes tipo 1. A iniciativa da revista FAPESP é louvável na divulgação científica, e merece aplausos. Além do mais, novidades na diabetes são sempre bem-vindas. Fique de olho para não perder no mês que vem.

Entretanto, como estudiosa da diabetes, não poderia deixar de fazer aqui meus comentários e críticas pessoais sobre a palestra (e o trabalho) do dr. Voltarelli.

Sobre a palestra

Nitidamente, ele não estava preparado pra falar com o público leigo, pois gaguejou bastante no início para explicar conceitos simples de diabetes – e isso reforça a minha idéia de por quê o público geral não “gosta” de ciência: boa parte dos cientistas não aprendem a se comunicar direito com o leigo, não sabem explicar seus trabalhos de forma clara, simplificada e correta, e aí, o público não entende e se desinteressa, é claro.

Os cientistas não estão treinados para a mídia (ou pior, não se importam com o que a mídia coloca). Há um claro problema de comunicação, e a palestra dele foi um excelente exemplo disso. Por vários momentos, ele comentou dados da literatura especializada de uma forma cheia de extrapolações e generalizações, o que é um perigo quando lidamos com o público não-especializado.

Por exemplo, ao dizer que “índices de higiene se correlacionam positivamente com aparecimento de doenças auto-imunes como diabetes tipo 1 e asma na população” (um dado verdadeiro), há uma linha extremamente tênue que pode ser imediatamente pulada, e se utopicamente houvesse um político maquiavélico na platéia, ele arrumou um excelente argumento para deixar as áreas pobres como estão, sujas e sem infra-estrutura básica em nome de diminuir os índices de “asma e diabetes tipo 1”.

Do jeito que a frase foi colocada, parecia que a sujeira não era um problema, e sim a solução, esquecendo que há outras doenças e epidemias muito mais perigosas que se manifestam exatamente por causa das condições degradantes de um local com esgoto a céu aberto. Parece que o dr. Voltarelli não percebeu o peso dessa sentença para aquele público (ingenuidade com a imprensa?), mas para mim, foi a dedução lógica mais perigosa que ele podia ter dito a uma platéia não-especializada.

Sobre a divulgação do trabalho

De acordo com o próprio dr. Voltarelli, a imprensa brasileira criticou menos sua pesquisa que a imprensa internacional especializada. Esse comentário dele me deixou com a impressão de que a mídia geral encarou essa vitória da ciência com um incômodo ar patriótico. Não se atentaram para o trabalho em si, sua metodologia, críticas e limitações, apenas para os headlines. Isso é uma atitude perigosa, pois pode criar falsas ilusões aos leigos.

Eu acho que o trabalho tem muito mérito, merece ser discutido pela sociedade. Mas não é obviamente a cura. Precisa ser analisado com olhos críticos também, para que melhorias futuras sejam incrementadas, principalmente pensando na relação custo-benefício para o paciente. Críticas construtivas devem ser bem-vindas, em minha opinião. Interessantemente, a revista FAPESP fez uma reportagem ponderada (e por isso, excelente) sobre o tema.

Sobre o trabalho em si

Seu tratamento para diabetes tipo 1 consiste em retirar células-tronco hematopoiéticas (presentes na medula óssea e que formarão elementos do sangue) do paciente em estágio inicial da diabetes (recém-descoberto), congelá-las, tratá-las com um coquetel de indutores, e reinjetá-las no paciente – um autotransplante. Nesse meio-tempo, o diabético recebe uma carga quimioterápica pesada para suprimir completamente o sistema imune. Ou seja, o paciente fica exposto e indefeso a qualquer patologia infecciosa por alguns dias, o que qualquer médico sabe que é um perigo potencialmente letal.

Aliás, o dr. Voltarelli comentou que um de seus pacientes infelizmente morreu nessa etapa, porque contraiu septicemia – e sem as defesas imunes funcionando, o paciente não teve como lidar com o problema da infecção simples por citomegalovírus (um vírus que quase toda a população possui latente no corpo) que o acometeu.

Entretanto, uma vez reinjetado com as células-tronco hematopoiéticas, o paciente se recupera, pois inicia o processo de síntese de novas células imunes sadias, eliminando provavelmente o anticorpo causador da destruição do pâncreas. A pessoa, em termos de sistema imune, renasce. Essa estratégia já foi usada em outras doenças auto-imunes, como lupus e artrite reumatóide, e em (quase) todos os casos, parece ser eficiente.

A escolha por pacientes recém-descobertos explica-se facilmente: são aqueles que ainda têm um pouco do pâncreas funcional, ou seja, ainda com algumas células beta (produtoras de insulina). Os pacientes mais antigos não têm mais células beta porque elas já foram totalmente destruídas por seu sistema imune. Ou seja, a célula-tronco hematopoiética resolve o problema se ainda há algum resquício de pâncreas insulínico.

No entanto, para que um órgão inteiro fosse regenerado após a sua destruição completa (um tratamento que serviria para todos diabéticos tipo 1), só se utilizando de células-tronco embrionárias – as mesmas que a igreja Católica parece ter ojeriza só de pensar. As células-tronco embrionárias são sem dúvida a maior esperança de cura efetiva para doenças auto-imunes mais complexas, pois elas reestruturariam tecidos e órgãos a partir do zero.

No momento, essa discussão é travada em Brasília, e espero que os políticos ouçam a comunidade científica especializada, e ao finalizar o parecer tenham discernimento suficiente para entender o potencial de melhorias de saúde pública que eles têm em mãos aprovando seu uso pela ciência biomédica. Aguardemos, pois.

Parênteses

O dr. Voltarelli comentou também que vem sendo alvo da típica burrocracia de Brasília. De acordo com o ele, seus últimos projetos têm sido sequencialmente rejeitados pela CONEP (Conselho Nacional de Ética em Pesquisa), um órgão essencialmente técnico do Ministério da Saúde, que pelo visto, não gosta que a palavra “célula-tronco” conste em trabalhos brasileiros e faz de tudo para inibi-los. A meu ver, uma certa contradição, já que é dever do ministétio zelar e torcer pela melhoria da saúde da sua população.

Outro adendo necessário é que todo o trabalho do dr. Voltarelli refere-se à diabetes tipo 1, doença auto-imune, que são 5 a 10% do total de casos de diabetes. A imensa maioria que vemos por aí é de diabéticos tipo 2, uma doença metabólica muito mais complexa que a tipo 1, e cujo tratamento preventivo é aparentemente tão simples: exercício físico e dieta equilibrada.

Hoje, o governo brasileiro gasta cerca de 30 bilhões de reais com os diabéticos do país, quase metade dele em gastos indiretos (dados da palestra do dr Voltarelli). Em minha opinião, o governo deveria concentrar esforços em campanhas de educação em prol do exercício físico moderado e saudável. A longo prazo, a diminuição dos custos com a doença seria provavelmente notada. Sobraria aos cofres públicos arcar apenas com tratamento para os diabéticos tipo 1, que são em muito menor número. Seria economicamente interessante ao país incentivar uma política de prevenção. Aguardemos, pois.

Uma surpresa ótima: na palestra de terça no shopping Villa-Lobos, terminei conhecendo a Maria Guimarães. A Maria é blogueira de ciência e minha companheira de viagens científicas no Roda de Ciência. Tomamos um café rápido depois do evento.  Foi um imenso prazer extrapolar essa comunicação amigável da vida virtual para a real. Valeu Maria!

Tudo de bom sempre.



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