Conseguimos. Poucos segundos, mas conseguimos. Entregamos o presente que André com muito esmero preparou para o presidente. A idéia luminosa dele (“uma lula para o Lula”), que começou há uns dias numa conversa de elevador no trabalho, mostrou ser a única estratégia plausível para que chegássemos perto do presidente e pudéssemos trocar algumas palavras, além de conveniente: ele, biólogo marinho e fotógrafo subaquático, dando uma foto de um ser marinho que apenas “coincidentemente” leva o nome do presidente – melhor seria dizer o contrário…




Presentes ao Presidente
Quando chegamos no salão Ônix do Hotel Lotte, onde o encontro armado pela Associação Brasil-Coréia aconteceu, logo entramos em contato com o presidente da Associação, para mostrar que tínhamos um presente “original”. Todos adoraram, embora de início alguns não sacaram a tirada. Afinal, seria uma piada muito biológica? Fato é que o presidente entendeu ao receber.
Mas o que ninguém entendeu interessantemente foi a orientação do animal: Lula achou que estávamos dando o quadro de cabeça para baixo. André teve que mostrar a orientação correta da foto pro Presidente. (Depois dessa, acho que preciso escrever um post sobre lulas, polvos e demais moluscos marinhos para tirar esse peso biológico da consciência…)
Os presentes foram entregues ao Presidente logo após o início da cerimônia. Alguns presentes coreanos, como uma máscara tradicional que ele e D. Marisa vestiram, e uma caixa de ginseng vermelho da melhor qualidade – o que levou Lula a primeira “tirada”. O Presidente fez sinais com o punho fechado denotando o famoso poder afrodisíaco do ginseng vermelho, com risadinhas sarcásticas. Imprensa de ouvidos abertos e olhos atentos. A Associação deu ao Lula um álbum com fotos de eventos de divulgação do Brasil (incluindo fotos da Copa 2002), o que achei muito simpático.
Parênteses
A Associação deu um show, estão de parabéns. Não houve sequer uma gafe, a organização do “Café com o Presidente” estava primorosa. Principalmente, os discursos foram curtos, sinceros e elegantes. Nada de demagogia ou baboseira, foi tudo preciso.
Visita a Coréia

Nós fomos os últimos a entregar presentes, e entramos como “os cientistas brasileiros na Coréia”. Acho que eu nunca tinha sentido tamanha responsabilidade como cientista na vida como representar a classe perante o Presidente da República. Mesmo que isso não seja nada na vida de alguém – com certeza, meu currículo não acrescentará pontos por esse evento. Mas que foi um certo peso, foi. E aí, voltando àquele velho estigma do cientista, até o Presidente nos olhou com aquela cara de “cientistas? Puxa…” Como se fôssemos ETs nerds que desembarcaram na Terra por ledo engano. Nos poucos segundos com Lula, ele perguntou há quanto tempo estávamos na Coréia e com o que trabalhávamos.
(André espertamente havia escrito atrás uma dedicatória aludindo aos 30 anos de aniversário de casamento entre eles. Talvez o motivo pelo qual a D. Marisa, que parecia impaciente, tenha aberto um sorriso generoso. Afinal, parabenizar pelo casamento é muito mais seguro e sincero que parabenizar pelo governo…)
Discurso de improviso
Logo depois do nosso momento histórico, Lula fez um discurso de improviso, para delírio dos jornalistas de plantão. E aí entendi um pouco do porquê foi eleito Presidente da República: ele tem um carisma com o público inacreditável, digno de grandes oradores. Ele olha nos olhos das pessoas quando fala, profundamente, como se esperasse que a sua resposta ou seu balançar de cabeça confirmando que está prestando atenção. Seu discurso não é intelectualizado, de forma alguma. Fica claro que quem está falando é um homem do povo, com linguajar do povo, com as brincadeiras do povo. Não estou sendo pejorativa ou embasbacada, simplesmente é uma característica que desponta acima de qualquer outra em seu discurso.

Lula fez questão de apresentar todos os membros da comitiva. Dei uma certa risada irônica quando ele apresentou o ministro Palocci, pois me lembrei de todas as charges que normalmente vejo neste site. Deu um pequeno furo, pequenininho, mas deu. Ao comentar sobre os brasileiros na Coréia, falou da facilidade com que nos destacamos pela diferença fisionômica (ou seja não temos olhos puxados). Acho que ele esqueceu dos mais de 40,000 descendentes de coreanos, e os outros milhares, quiçá milhões, de japoneses e chineses que lá estão e que são cidadãos brasileiros. Sempre tenho cuidado ao falar sobre aparência física de brasileiro com estrangeiros… Aí vem o presidente e chuta o pau da barraca. Êita nóis.
(Mas foi um pequeniníssimo furo, se contarmos com a probabilidade do que poderia sair errado num discurso de improviso. Além da alusão de celebrar a vitória econômica do Brasil com champanhe – por que não com fogos de artifício, que seriam menos complicativos para a imagem dele? Improviso é isso…)
Mar de repórteres
Ao terminar o discurso, Lula foi abordado por trocentos repórteres, e saiu às pressas. Depois, conversando com um repórter da Folha, ficamos sabendo que o governo Lula tem sido o pior para os repórteres, numa verdadeira censura. Esse cara da Folha já está a mais de 20 anos cobrindo viagens presidenciais (desde a ditadura!) e disse que nunca sentiu tanta censura por parte do governo quanto agora. Talvez por isso, no momento que a oportunidade surgiu, eles voaram em cima do homem.

Café com o Presidente

Depois que o presidente foi embora com sua comitiva, finalmente rolou o café propriamente dito, num clima entre amigos, sem protocolos. Muito divertido. Pudemos conversar com o Fábio, um cantor brasileiro de voz impressionante, presença de palco perfeita e que fez uma homenagem fofa ao presidente: quando Lula chegava no salão, ele cantava com voz poderosa a música: “Isso aqui, ô ô/ é um pouquinho de Brasil, iáiá/ Esse Brasil que canta e é feliz/ Feliz, feliz/ É também um pouco de uma raça/ que não tem medo de fumaça, ai ai/ Que não se entrega não.” Alguém sabe quem canta essa música? Eu estou em estado de branco total no cérebro, não lembro a nenhum custo. O presidente elogiou a voz do Fábio – que honra!
E essa maratona tinha que terminar com uma tirada exótica. Depois que saímos do hotel, fomos ao supermercado comprar umas comidas. Adivinhem o que encontramos lá? Arranjos e esculturas feitas de… lulas secas! Inclusive uma lula feita de lulas.
É muita “lula” pra um dia só, não?
Tudo de bom sempre.


P.S.
- O discurso do Lula foi gravado no iPod. Assim que eu transferi-lo pro computador, vou deixar aqui o link. Não faço isso agora porque estou com muito sono…