Ilha de Apo

por: Lucia Malla Animais, Ásia, Corais, Filipinas, Ilhas, Mergulho, Parques Nacionais, Viagens

Eis que o último registro da viagem às Filipinas está chegando. Deixei para o final o meu lugar predileto, aquele que mais nos deixou de boca aberta em matéria de mergulho e conservação, aquele que mais emocionou minha visita ao país: a ilha de Apo.

(É a ilha das fotos desse post aqui.)

Foi a segunda vez que fomos à ilha de Apo. A primeira foi no ano passado, e registrada neste blog discretamente, quando o blog ainda estava dando suas primeiras respiradas – mas pela foto que está lá percebe-se o quão maravilhosa é a água da ilha. E da segunda vez não foi diferente.

A pequena e biodiversa ilha de Apo.

A rua principal da vila.

É preciso dizer antes de mais nada que Apo é um projeto de conservação que deu certo. Muito certo. A ilha é minúscula, com uma população de ~700 pessoas – isso mesmo, 700. Não há fontes de água doce lá, portanto toda a água é importada do continente, das cidades da ilha de Negros, a mais próxima de Apo. Para sobreviver, no passado, a comunidade pescava e vivia de acordos pra lá de predatórios com pescadores de outros lugares – a ilha sempre agregou muitos peixes, por causa de seus recifes de corais, e isso obviamente trouxe a pesca comercial da pior espécie acoplada: usava-se para pescar cianeto (morte por asfixia dos peixes e de sabe-se lá mais o quê) e dinamites (os peixes morriam com a explosão e depois os pescadores só coletavam os peixes boiando). E não se enganem: essas práticas trágicas pro ecossistema ainda hoje são utilizadas em outras áreas das Filipinas e do Pacífico.

Entretanto, em 1978, a Universidade de Silliman iniciou um projeto ambicioso de conservação baseado na interação academia-comunidade local-governo. Deu orientação e poderes aos locais para a preservação. A educação ambiental foi fundamental, mostrando alternativas econômicas sustentáveis. No início, é claro, uma comunidade pesqueira reticente desconfiou do projeto, que proibía a pesca em algumas áreas da ilha. Com o passar do tempo, a quantidade de peixes aumentou incrivelmente – porque toda a cadeia alimentar estava mantida em uma parte da ilha de forma saudável. E quando os locais viram a produção geral de peixes pescados de maneira sustentável duplicar, aí sim eles acreditaram que conservar é infinitamente mais válido. Mas requer tempo – e esse é um grande desafio.

Além disso, já na década de 90, foi implantado o Parque Nacional Marinho de Apo Island, e estimulou-se o turismo sustentável – principalmente o turismo de mergulho – através da construção de 2 resorts de mergulho em harmonia com o ambiente. Apo passou a receber turistas interessados em ecoturismo, gerando mais renda para a pequena população. Como o turismo veio DEPOIS que a área já era uma reserva, tudo funciona bem, pois todos os passos do projeto de desenvolvimento foram intensamente fiscalizados por pesquisadores e ambientalistas. Esse exemplo de desenvolvimento sustentável com proteção ambiental levou a ONU a elogiar o programa através do ICRAN – International Coral Reef Action Network – e da UNEP, o programa ambiental da ONU.

Com esses mais de 20 anos de experiência magnífica de conservação em Apo, não foi difícil para nós tomar a decisão de voltar à ilha. Além do belo exemplo, Apo é linda, em cima e embaixo d’água – mais embaixo, é claro. A biodiversidade é impressionante: onde atracamos a bangka (barco típico filipino) na praia principal, não estávamos nem a 1m de profundidade, mas já vimos moréias, corais, muitos peixes e até uma cobra-do-mar – elas aliás foram presença constante nos mergulhos.

Praia de Apo, um pedaço de trópico rico em vida marinha.

As vendedoras de camisetas e sarongues na praia, gerando renda a partir do turismo.

Assim que a bangka atraca na ilha, algumas mulheres vendendo sarongues e camisetas aparecem na praia. Uma boa maneira de manter o belo trabalho é comprar um sarongue – atitude nada difícil para mim, que adoro uma canga. E assim foi feito. Da praia, logo vê-se o vilarejo principal, onde muitas crianças brincam, homens pescam, e o clima de paz e tranquilidade se espalha facilmente. Não ficamos na ilha, e sim no Atlantis Dive Resort em Dumaguete, mas basta 1h de bangka no mar super-calmo para chegar a Apo, que está a 5km da costa.

Preparando os tanques na bangka (haja ar!) e principalmente preparando o coração para se emocionar com a beleza subaquática de Apo, exemplificada na foto abaixo.

Pela manhã, fizemos 2 mergulhos em locais de total explosão de vida. Sério: a saúde dos corais de Apo, a diversidade de fauna e o tamanho dos peixes lá presentes é de tirar o fôlego de qualquer um. Várias vezes embaixo d’água meus olhos lacrimejaram, de emoção ao ver toda aquela vida preservada tão brilhantemente – sim, eu sou uma manteiga derretida. Mas quem não se emociona com tanta vida colorida e bela? Paredões e mais paredões lotados de anêmonas, corais, estrelas, esponjas, peixes de todas as cores e tamanhos… ah!!! Só de lembrar, já me emociono de novo. Cenas inesquecíveis da diversidade da vida, momentos mágicos que só o ambiente aquático fornece. Como o paredão de 15m de altura formado por um cardume de xaréus enorme, dispostos contra a corrente – dava pra se perder dentro do cardume, simplesmente incrível.

O impressionante “paredão” feito pelo cardume de xaréus.

Um cabeço de coral cheio de crinóides, esponjas, anêmonas… é muita vida por metro quadrado!

Uma cobra-do-mar serpenteando pelos corais em um dos mergulhos: ela ia de toquinha em toquinha procurando algo para comer.

Chega a hora do almoço, o piquenique na bangka começa, mas os “fominhas” de água (entenda-se eu e meu namorado) comem rapidamente e saem logo para um snorkel básico. Afinal, foi nessa praia que tiramos a foto vencedora do concurso, que nos trouxe aqui de volta como prêmio. A água quentinha é um convite a ficar de molho, e as criaturas que estão em meio às crianças também são um convite indispensável. E assim ficamos, por toda a hora do almoço, aproveitando ao máximo cada segundo na água da ilha. Da primeira vez que estivemos em Apo, andamos pelo vilarejo, uma boa caminhada. O vilarejo resume-se a uma rua só, onde você ouve os passarinhos e as crianças brincando. Já dessa vez, ficamos na água o tempo todo, brincando com as crianças e com as estrelas-do-mar.

À tarde, é hora pra mais um mergulho, no melhor point: Coconut. É a área mais impressionante em matéria de biodiversidade, e tivemos a chance de ver de tartaruga a uma família de bodião-napoleão, um peixe ameaçadíssimo de extinção por sua natação vagarosa, e que chega a pesar mais de 150kg. E corais, e esponjas, e cobras-do-mar, e anêmonas, e Nemos. E tudo lindo. Ao fim do mergulho, uma tristeza me bateu no coração: saber que estávamos indo embora daquele paraíso.

Na praia de Apo, o snorkel básico do almoço: vendo estrelas, literalmente.

Voltamos pro barco e aos poucos, Apo foi ficando pequena no horizonte. Afastávamos da ilha. Levávamos conosco o exemplo de sucesso conservacionista, o sorriso das crianças, e muitos momentos subaquáticos inesquecíveis.

E a certeza no coração de que a ilha de Apo é um dos melhores lugares do mundo pra se mergulhar e emocionar com a vida marinha.

Tudo de bom sempre.

*Mais fotos da Ilha de Apo aqui.

**UPDATE 2017: Agora dá pra ver o fundo do mar da Ilha de Apo no Google Earth! <3



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